O que fazer quando seu jogo está em um estágio em que não é bom nem ruim?
Por Arnaldo Grizzo em 23 de Agosto de 2015 às 00:00
Segundo Dante, na Divina Comédia, todas as almas que partem deste mundo são levadas pelo barqueiro Caronte através do rio Aqueronte. Na outra margem, você vai se encontrar diante de um vale de luto abissal, o limbo – um lugar de tristeza, mas sem tormentos. Você verá um castelo de sete fortalezas e, dentro delas, campos iluminados pela luz da razão, onde encontrará muitas sombras. São os pagãos virtuosos, os grandes filósofos e autores, crianças não batizadas e outros que não podem subir ao reino dos céus. Você terá a companhia de César, Homero, Virgílio, Sócrates, Aristóteles etc. Não há punição aqui, a atmosfera é tranquila, mas triste.
Se considerarmos depois os outros oito círculos do inferno, repletos de sofrimento para os pecadores, o limbo não parece tão ruim. No entanto, estamos falando de tênis.
Quando você sabe que seu jogo está “no limbo”? Assim como na explicação dantesca, isso significa que você não está no inferno, mas tampouco no paraíso. É o limiar. Seu nível não é nem alto o suficiente para enfrentar um tenista de primeira com dignidade, nem baixo o bastante para ser enrolado por um principiante. Ou seja, você não se encaixa nem naquela turma do seu clube que joga bem (costuma disputar campeonatos fortes e faz jogos extremamente disputados, com boas trocas de bola entre si), nem na outra turma que mistura veteranos já sem muita força física e alguns iniciantes que ainda não possuem regularidade em seus jogos, entre outros jogadores de nível inferior.
Portanto, no tênis, assim como no cenário retratado por Dante, neste limbo também há tristeza, mas, para piorar, há tormentos. Como ninguém consegue definir exatamente o seu nível, você acaba tendo que aceitar o que lhe é imposto. Dessa forma, quando o grupinho dos “melhores do clube” encontra-se mais aberto e acessível (às vezes falta alguém para completar uma dupla, por exemplo), você, que está lá encostado no alambrado somente aguardando uma chance, é chamado. Assim, fica entusiasmado, mas também receoso em não corresponder à altura. De qualquer forma, esse é o seu momento de glória. É onde gostaria de estar sempre, ao lado dos melhores, ser considerado um deles, entrar nessa “maçonaria”.
Por outro lado, por seu jogo nem sempre corresponder às expectativas (tanto suas quanto de seus parceiros/adversários de nível mais alto), as portas do céu também nem sempre vão estar entreabertas para um momento de glória. Nesse ponto, você se verá obrigado a aceitar jogar com tenistas que considera mais fracos, aqueles que você, se bem treinado, admite internamente que não perderia nem um game. Assim, acaba jogando contra “tiozinhos” cujo auge de seus jogos ocorreu há mais de 20 anos, mas eles ainda acreditam que estão no esplendor da forma (poderíamos aqui comparar com os Césares, Homeros e Aristóteles citados por Dante?), ou então contra iniciantes que mal aprenderam as técnicas básicas, acertam uma bola em cada 10 na quadra, mas ainda assim não percebem a vergonha que passam ao tentarem winners impossíveis (seriam estes as tais “crianças não batizadas”?).
Enfim, aqui você entende o sofrimento, aqui está a sua punição. Pois, quando joga bem contra alguém do grupo “dos melhores”, ninguém dá muita atenção. Por outro lado, quando você se enrosca contra alguém teoricamente muito mais fraco, fica marcado. Todos os outros “perebas” passam a acreditar que podem enfrentá-lo de igual para igual, ou pior, vencê-lo. É o limbo.
Esse estágio de tênis ocorre com muitos amadores de diversas faixas etárias, mas principalmente aqueles entre 30 e 50 anos de idade, que definitivamente não estão mais no auge de suas formas físicas, porém também ainda não se sentem (e tampouco estão) decrépitos. Essa é a fase em que aparecem as lesões, já que você ainda se sente um garoto, mas seu corpo não responde da mesma forma. Você ainda acha que consegue winners vorazes com aquela raquete pesada com que jogava aos 16 anos. Ainda acha que é capaz de alcançar todas as bolas. Ainda acha que é capaz de jogar no mesmo nível de força e velocidade de quando era adolescente. De vez em quando, até consegue uns lampejos de atuação assim e acaba se iludindo ainda mais com o seu atual estágio, acreditando que pode voltar aos bons e velhos tempos (que talvez não tenham sido nem tão bons assim – bons apenas na sua mente).
Um detalhe importante ocorre nessa fase (e que atrapalha muito a sua percepção do próprio nível de jogo) é o fato de você ainda conseguir gerar muita potência nos golpes – talvez não tanto quanto antes, mas ainda assim o suficiente para desferir os winners que você tanto preza. Contudo, quanto mais forte a bola vai, mais intenso o jogo tende a se tornar, pois mais forte a bola volta para o seu lado. E se você não perde tanta força física nessa fase da vida, a sua forma física, por outro lado, sim. Mesmo que você não faça musculação regularmente, apenas jogue tênis, sua força vai se manter bastante estável, mas, com o tempo, sua resistência vai diminuindo vertiginosamente caso você não se prepare ou não treine com regularidade. E esse é quadro mais comum na maioria dos casos.
Fora de forma e sem resistência, você logo vai começar a se frustrar por uma série de razões em quadra. Para piorar o cenário, nessa fase, você ainda tende a achar que fazer aulas de tênis não vão contribuir em nada com seu jogo. “Já fiz aulas durante toda a infância e adolescência. Por que teria que fazer agora se já aprendi tudo? Só não estou conseguindo executar, mas, se me concentrar, sei que posso voltar a fazer tudo certo”. Não é esse o pensamento? E, por pensar assim, seu jogo se deteriora ainda mais.
Em determinando momento, você começa a não mais conseguir realizar os mesmos golpes. O saque, antes devastador, já não entra mais como antes e não define os pontos. O forehand anda mais inconstante do que nunca, você não finaliza mais as bolas fáceis de meio de quadra. O backhand fica mais vulnerável do que já era, o que lhe deixa cada vez mais irritado. Você erra voleios bobos com mais frequência. Toma winners que antes não tomava. Começa a perder para adversários que antes não seriam capazes de suportar o peso de sua bola. Atenção, você está no barco com Caronte, atravessando o Aqueronte e, segundo a mitologia, deixando para trás sonhos, desejos e deveres que não foram realizados em vida; e entrando no limbo.
Definitivamente, ninguém quer ficar no limbo. Mas, não é fácil sair dele. “Deixai toda a esperança, vós que entrais”, já dizia Dante. Ainda de acordo com ele, poucos habitantes do limbo foram escolhidos por Deus para serem alçados aos céus, como Noé, Abraão, Isaac e Jacó, por exemplo. E, no tênis, a tarefa também não é das mais simples.
"Ninguém quer ficar no limbo. Mas não é fácil sair dele"
Quando seu tênis está chegando perto do limbo ou já está nele, mais do que apenas ir para a quadra a todo momento achando que com isso está pegando mais ritmo de jogo, é preciso “dar um tempo”. Não, não é parar de jogar, mas parar de jogar automaticamente, no piloto automático. É preciso perceber que as coisas não estão indo bem e querer mudar de rota.
Porém, só querer não basta, não é mesmo? Você pode até pensar: preciso ser mais regular, colocar mais bolas na quadra, mas isso, definitivamente, não depende apenas do seu pensamento positivo e tampouco de disputar partidas aleatoriamente com os mais diversos oponentes. Se você precisa de regularidade, por exemplo, jogar mais só vai agravar o problema, pois, em uma partida, você não pratica, você compete, você coloca os seus melhores recursos em jogo no intuito de vencer. Se há um buraco no jogo, ele não será corrigido com uma sequência de partidas. É preciso deixar de ser cabeça dura e treinar.
Nesse momento você percebe a importância de ter algumas aulas. Talvez você nem precise de muitas para resolver os problemas de seu jogo. Um bom professor vai ser capaz de reconhecer as suas deficiências e corrigi-las em poucos passos. Nessa hora, vale a pena investir em um treinador verdadeiramente, alguém que tenha feito bons cursos, talvez até de biomecânica, ou que trabalhe com atletas de alto desempenho (juvenis, por exemplo). Eles poderão lhe mostrar os seus erros que, acredite, serão muito mais do que você imagina.
Contudo, se você não tem tempo ou dinheiro para isso, ainda assim ir para a quadra a esmo não vai ajudar. Nesse caso, será preciso montar estratégias mentais e táticas antes de “ir para o play”. Mentais porque você terá de compreender que seu jogo está se degradando com o passar do tempo e, quanto menos você treinar, mais rápida será a involução. Com cada vez mais frequência, você vai passar a cometer erros que não cometia e isso pode minar todo o seu jogo. Cada vez mais, será preciso aprender a relevar, a controlar a mente e pensar positivo.
Da mesma forma, será preciso “jogar com a cabeça”. Se antes você achava que podia vencer qualquer um atacando a técnica do adversário (batendo forte ou colocando ele para correr de um lado para o outro da quadra), agora a coisa mudou de figura completamente. Sem um bom planejamento, você está mais perto da derrota do que da vitória.
Aceite baixar o nível e comece a jogar contra os mais fracos
Esse planejamento começa pela percepção de que armas você ainda pode usar. Quais são as mais confiáveis? O saque? O forehand cruzado? O voleio? Enfim, você precisa ver quais pontos de seu jogo ainda não estão tão degradados e inconstantes para poder se concentrar neles. Lamento, mas é a sua única esperança. Se você tem um bom saque, invista nele. Concentre-se mais na hora do serviço, tente surpreender seu adversário sacando e voleando algumas vezes, tire o máximo proveito disso. Se o forehand cruzado é o único golpe de fundo em que você ainda confia, construa os pontos para que possa usá-lo. Lembre-se: entre amadores, quem troca mais bolas, invariavelmente, vence (a maioria esmagadora dos pontos é definida em erros não forçados, não em winners). Portanto, não tenha medo de ficar trocando bolas cruzadas infinitamente.
Outro ponto importante: ao perceber que está sendo massacrado “pelos melhores” do clube. Aceite baixar o nível (sabemos que é difícil) e comece a jogar contra os mais fracos. Assim, você (que não quer fazer aulas) poderá “treinar”, dar uma lapidada em alguns golpes – pois o ritmo de jogo é menos intenso e lhe dá mais tempo para pensar nas batidas – e ir pegando confiança para poder atuar em nível um pouco mais alto novamente.
Mas, enfim, será preciso cumprir uma etapa no purgatório (seja fazendo aulas, seja ajustando seu jogo de alguma outra forma) para poder sair do limbo e ascender aos céus. Nessa caminhada, talvez seja melhor ter a companhia de um Virgílio (um professor) para tornar menos branda a travessia do inferno.