Em entrevista exclusiva concedida à Revista TÊNIS, um dos maiores treinadores do mundo defende sua rígida filosofia de trabalho que transformou diversos jovens em grandes tenistas
Arnaldo Grizzo em 5 de Setembro de 2007 às 12:23
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Nicholas James, ou somente, Nick Bollettieri, o homem que se tornou um dos maiores treinadores de tênis do mundo, nasceu em 31 de julho de 1931 (isso mesmo, o cara tem 76 anos e ainda está na ativa!) em North Pelham, uma pequena vila no estado de Nova York, povoada principalmente por imigrantes italianos e negros. Além de Nick, o farmacêutico James e de a dona de casa Mary, tiveram mais dois filhos: Rita Mary (cinco anos mais velha) e James Thomas (cinco mais novo). Na família de imigrantes, todos vindos de Nápoles, ninguém jogava tênis. Somente durante a faculdade (de filosofia!) é que Bollettieri teve contato com o esporte. Um tio, casado com uma irmã de seu pai, lhe ensinou e, em seu último ano, Nick fez parte do time da universidade como sexto (e último) homem.
O jovem queria ser aviador, mas não conseguiu passar no teste da aeronáutica. Para suprir seu desejo de voar, foi voluntário para ingressar no grupo de pára-quedistas do exército. Ele passou dois anos prestando serviço militar numa base japonesa na década de 50. Em 1954, casou pela primeira vez (agora está no oitavo casamento!) e no ano seguinte, nasceu o primeiro de seus cinco filhos. Nos anos posteriores, Bollettieri teve suas primeiras experiências ensinando tênis, esporte que ele mal sabia praticar.
Sua ignorância era tanta que pedia para a primeira esposa, Phyllis, perguntar aos outros técnicos quais eram os tipos de empunhadura. Contudo, observando e usando a rígida filosofia de trabalho que aprendeu no exército, ele teve sucesso. Em 1959, Nick foi trabalhar como diretor de tênis do Dorado Beach Resort, em Porto Rico. O resort, um dos mais lindos do mundo, era de propriedade de Laurance Rockefeller.
As irmãs Venus e Serena Williams passaram pela academia do maior formador de números um do mundo |
O relacionamento com a poderosa família Rockefeller abriu diversas portas. Foi assim que ele conheceu o Dr. Murf Klauber, que o convidou a trabalhar no The Colony Beach and Tennis Resort, na Flórida, em 1977. Nesta época, Jimmy Arias e seu pai estavam na colônia como convidados. O garoto tinha um forehand fenomenal e impressionou Bollettieri, que transformaria esta técnica na grande arma do tênis.
Em 1980, o amigo Louis Marx emprestou a Nick US$ 1 milhão para que ele construísse sua academia sobre uma plantação de tomates. No ano seguinte, ele inaugurou as instalações e já contava com alunos ilustres como: Brad Gilbert, Aaron Krickstein, Seles, Courier e David Wheaton. Quatro anos depois, Agassi, com apenas 14 anos, passou a treinar lá. O garoto já ostentava cabelo comprido e brinco na orelha. O sucesso da academia era tanto que em 1987, a IMG, uma das maiores empresas de marketing esportivo do mundo, comprou a Nick Bollettieri Tennis Academy e ainda criou academias de futebol, basebol, golfe e basquete. Aos 76 anos, Bollettieri monitora sua academia de perto. Acorda todo dia às 4h20 e faz um pouco de ginástica às 5h. O treinamento começa às 5h30 e segue até às 19h, com apenas um breve intervalo para o almoço. Seu último casamento foi em 2004. Sua dedicação ao tênis é tanta que, quando uma de suas esposas, na época em que Bollettieri viajava acompanhando Agassi, lhe deu o ultimato: “Ou fica com o Andre ou comigo!”, ele escolheu Agassi. Confira a entrevista exclusiva que este mestre em moldar talentos deu à Revista TÊNIS.
Como se envolveu com o tênis? Alguém da sua família jogava?
Todos os meus avós vieram de Nápoles, Itália. Eles viveram em New Rochelle e North Pelham, em Nova York. O pai (Nicholas) do meu pai era açougueiro. O pai (Frank) da minha mãe era fazendeiro. O único parente que jogava tênis, quando eu estava na faculdade, era um tio. Ele me ensinou como jogar durante o verão do primeiro ano. Eu era um atleta bastante bom e jogava futebol (americano) realmente bem. Depois que meu tio me ensinou a jogar, me tornei membro do time de tênis da faculdade no último ano.
Dizem que você sonhava em se tornar um aviador. Por quê?
Sempre ficava entusiasmado em ver um jato de combate em ação. Isso sempre chamou minha atenção. Em 1997, fui convidado para voar com os Blue Angels (esquadrão da marinha americana para demonstrações). Também fui membro dos pára-quedistas – grupo de elite do exército. Nós éramos todos voluntários, éramos muito dedicados e disciplinados.
Como surgiu a idéia montar uma academia na Flórida? Qual era a sua visão?
Peguei a filosofia que tinha aprendido no exército e apliquei isso colocando meninos e meninas jovens juntos em um único estabelecimento. E assim começou a Nick Bollettieri Tennis Academy. Minha visão era ter os melhores dos melhores competindo uns contra os outros todos os dias. A maioria dos meus atletas, durante meados da década de 80, tinha bolsa de estudo.
O talento da suíça Martina Hingis foi moldado no centro de treinamento da Flórida |
Quais pessoas lhe ajudaram durante sua carreira?
Existem muitas famílias que me ajudaram durante toda a minha carreira e ainda continuam me ajudando. A lista inclui Louis Marx e Dan Lufkin (amigos que emprestaram dinheiro nos primeiros anos), Glen e Marilyn Nelson (patrocinadores de projetos sociais de Nick), Mark Fischer (que bancou Maria Sharapova enquanto treinava na Flórida), Nate Landow, Don Engel, Chris Covington, Dr. Murray Klauber (que o convidou para trabalhar no The Colony Beach and Tennis Resort), Mary Lou Vanderbilt, John Hendrickson, juiz Bob Farrance, Steve Johnson, Dr. Alford, Dr. Liberman, Anthony Gaudio, Richard e Cindy Harding e meu staff.
Seu relacionamento com a família Rockefeller ajudou?
Minha relação com os Rockfellers (durante 17 anos) abriu portas para mim e pude conhecer diversas pessoas ao redor do mundo. Muitos deles me ajudaram nas minhas necessidades em angariar fundos para bolsas de estudo.
Quem lhe ensinou a ensinar tênis? Você teve algum professor?
Aprendi por mim mesmo. Deus me deu a habilidade de enxergar áreas que precisavam de ajuda e eu perguntei a profissionais qualificados como eles faziam certas coisas quando ensinavam o jogo. Nunca tive um professor, mas observava outras pessoas ensinando.
Você está em seu oitavo casamento. O que isso significa?
Significa que é muito difícil ficar do seu lado? Ser casado oito vezes nunca esteve nos planos, apenas aconteceu. Precisaria de um livro enorme para explicar todos os meus relacionamentos.
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Você sempre teve a reputação de ser muito rígido e exigente. Isso é da sua natureza ou você se tornou assim com os anos?
Sou uma pessoa muito rígida que vive através de um simples conjunto de regras: trabalhe, e então trabalhe mais até você se tornar verdadeiramente o melhor do mundo.
O que você acha do aparecimento de grandes academias pelo mundo?
Outras academias emanam uma mensagem clara de que meu conceito é definitivamente um movimento positivo e eles querem criar réplicas.
Quantos empregados há na academia? Quantos tenistas já passaram por aí?
Nossa academia tem aproximadamente 400 empregados em tempo integral. Provavelmente 100 mil jogadores estiveram na academia desde 1982.
Para um técnico com tantos anos de experiência, é simples olhar para um atleta e avaliar se ele tem potencial?
Treinadores experientes podem enxergar rapidamente certas qualidades que dão este tipo de indício. Entretanto, o que está dentro da pessoa, como ela compete, a composição física e mental e o apoio da família, são tão importantes quanto a maneira como ela bate na bola.
De que um tenista precisa para ser número um do mundo?
Para ser número um de qualquer coisa na vida, você deve ter certa quantidade de coisas extraordinárias que acontecem a seu favor. Acredito que todos empresários top, cientistas top e atletas top já nasceram. Entretanto, quando você fala do melhor dos melhores, há uma série de incertezas que segue com aquilo. Ninguém pode prever o futuro, mas você pode dizer que ele ou ela é um top 20 ou um top 10.
Agassi chegou à academia de Nick aos 14 anos, com cabelo comprido e brinco na orelha |
Quem foi seu melhor aluno até hoje? E quem foi o mais difícil de trabalhar?
Seria difícil dizer quem foi o melhor aluno que tive. Nós tivemos tantos alunos excelentes, desde Jimmy Arias a Aaron Krickstein, Tommy Haas, Max Mirnyi, Maria Sharapova, as irmãs Williams e assim por diante. O mais difícil de trabalhar foi Marcelo Ríos, porque ele tinha todo o talento do mundo, mas não sabia como era ser parte de um time e não era uma pessoa muito gentil. Sempre disse que ele era o estudante mais talentoso com quem já trabalhei.
Em 1999, Sharapova tinha apenas 11 anos e já era apontada por você com uma nova número um. Agora, na sua academia, quais tenistas você mencionaria que vão ter um futuro brilhante?
Nicole Vaidisova certamente parece que terá a chance de brigar pelo primeiro posto. Michelle Larcher de Brito vem aparecendo aí. Philip Bester, Kei Nishikori, Devin Britton e Giacommo Miccini são quatro dos nossos melhores jovens. Nós também temos Jesse Levine, que é um tenista universitário fora de série que joga pela universidade da Flórida, e que pode ter chance de ganhar a NCAA. É importante lembrar que temos também centenas de grandes alunos que continuaram para receber as bolas de estudo na faculdade.
Há fotos de Sharapova, quando criança, em que ela está batendo com duas mãos do lado direito. Ela jogava com as duas mãos dos dois lados?
Ela batia dos com duas mãos dos dois lados algumas vezes e o pai dela pedia para ela bater com a esquerda. Ela fazia um pouco de tudo. A utilização que ela fazia da mão esquerda a ajudou a ter um tremendo backhand de duas mãos hoje.
Aos 11 anos, Maria Sharapova já era apontada por Bollettieri como uma provável número um do mundo |
Uma referência mundial geralmente causa muita inveja. Você é uma referência em treinamento. Como lida com a inveja?
Meu pai me deu um conselho: “Qualquer um que fale de você, apenas diga obrigado. Não se preocupe com o que eles estão falando desde que você esteja fazendo o que é moral e eticamente certo”. Quando eles não estiverem falando mais de você, aí está na hora de ficar preocupado.
Algumas pessoas dizem que o futuro do tênis em um país depende essencialmente dos treinadores e de seus métodos. Você concorda com isso? É por essa razão que Estados Unidos, Espanha e Argentina possuem tantos jogadores no top 100?
O futuro do tênis depende do apoio das federações, que dão suporte financeiro para programas dentro das cidades e para os jovens jogarem. Quanto mais gente jovem nós tivermos jogando, melhor. Sempre haverá áreas de onde surgirá alguém. O que determina o futuro é ter um grande sistema de cultivo para que você tenha sempre um monte de juvenis surgindo.
Seus críticos dizem que o seu treinamento é baseado em um padrão único e os seus tenistas possuem um estilo de jogo sempre idêntico, sem variação, e os jogadores que não se enquadram no seu método não podem ser tenistas. O que você diz disso?
Se eu continuar tendo sucesso com os métodos de treinamentos que utilizei durante os últimos 50 anos, então, ficarei muito feliz. Treinei nove tenistas que foram número um do mundo e centenas de outros profissionais. Acredito que os resultados falam por si mesmos.
Você tem cinco filhos e duas netas. Algum já tentou ser tenista? Se um deles decidir ser jogador, o que você diria?
Sempre disse para eles jogarem qualquer esporte que quisessem. Sempre os encorajei a serem fisicamente ativos, mas nunca disse que eles deveriam jogar tênis. Meu primeiro filho, Jimmy, gerencia uma academia de tênis e surfe em Miami e não poderia estar mais feliz.
Você conhece diversos técnicos. Quais deles você diria que são bons?
Paul Annacone – que atualmente está trabalhando para a LTA (Federação Inglesa de Tênis), e que foi técnico de Pete Sampras e Tim Henman, assim como é um ex-aluno meu – é um grande treinador. Brad Gilbert, que também está trabalhando para a LTA e com Andy Murray, é excepcional. O conhecimento que Jimmy Connors trouxe para Andy Roddick tem sido inestimável. Também, o treinador atual de Fernando Gonzalez, Larry Stefanki, possui um recorde fantástico. Tony Roche traz anos de conhecimento para tantos jogadores top, incluindo Roger Federer. Você não pode esquecer Richard Williams (pai das irmãs Williams) e Toni Nadal, tio de Rafael Nadal. Finalmente, Bob Brett.
O alemão Boris Becker foi um dos que recorreu aos conselhos de Bollettieri |
Para você, quem é o melhor tenista de todos os tempos?
No lado masculino, você seguramente pode citar alguns nomes. Pete Sampras, Bjorn Borg, Rod Laver, e, obviamente, Roger Federer, que ao menos iguala qualquer um destes tenistas e ainda pode terminar sendo o melhor. Se você for para as quadras de terra, é difícil deixar de citar o rei do saibro, Rafael Nadal. Esta lista não estaria completa sem mencionar Jimmy Connors, que jogou competitivamente muito depois de passar dos 30 anos. Também John McEnroe e sua paixão e agressividade dentro da quadra. Finalmente, você deve apreciar o que Andre Agassi fez como jogador, assim como embaixador do tênis. No feminino, também há uma lista de nomes. Margaret Smith Court, Billie Jean King, Martina Navratilova, Monica Seles, Steffi Graf, Chris Evert e Martina Hingis.
Você ainda tem um sonho que deseja realizar?
Dar mais oportunidades para as crianças que não podem pagar para participar de um jogo de tênis. Sempre quis dividir o meu conhecimento de tênis com o mundo e estou fazendo isso agora com meu website.
Para treinar e fugir dos conflitos da Iugoslávia, os pais de Seles a trouxeram para os Estados Unidos |
Qual foi sua maior conquista?
Agassi vencer Wimbledon em 1992. Também receber o prêmio Arthur Ashe em seu 10º aniversário. Finalmente, como não posso mencionar, fazer parte do Hall da Fama ítalo-americano de esportes.
Todos dizem que você é cheio de energia, acorda cedo, trabalha até tarde, observa tudo muito de perto. Você já pensou em se aposentar?
Eu acho que a palavra aposentadoria deveria ser retirada de todos os dicionários do mundo... Eu não acredito nela!
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Qual é o segredo da sua longevidade?
Minha longevidade vem do meu modo simples de ver a vida e de trabalhar com os atletas.
Um técnico é geralmente a pessoa que faz as críticas, que está sempre falando. Durante todos estes anos, alguém já lhe deu bons conselhos? Quem? Com quais críticas você aprendeu?
O melhor conselho que alguém já me deu foi de Andre Agassi, quando ele tinha 15 anos e foi para a casa para as férias de Natal. Ele me perguntou se eu, por acaso, ouvia as pessoas, e disse basicamente que não. Ele me disse que se eu ouvisse as pessoas, encontraria algumas coisas muito interessantes e poderia melhorar os meus relacionamentos.
Anna Kournikova recebe as primeiras instruções de Bolletieri aos 11 anos |
Você se arrepende de algo que tenha feito durante todos estes anos?
Sempre me lamentei ter escrito uma carta (de demissão) para Agassi ao invés de ir encontrá-lo depois que nós trabalhamos juntos por 10 anos. Depois, quando estava trabalhando conjuntamente com Agassi e Jim Courier, sentei no box reservado para o Agassi durante um jogo entre eles.
Qual sua opinião sobre Guga, Federer e Nadal?
Gustavo Kuerten é um grande competidor. É triste que as lesões quase tenham colocado um fim em sua carreira. Rafael Nadal é um bom jogador em todas as superfícies, mas ele é, sem sombra de dúvida, um tenista extraordinário no saibro. Roger Federer vai continuar a reescrever o livro dos recordes e provar que ele é alguém muito especial. Somos sortudos de viver nesta Era e testemunhar a grandeza dele.
NICHOLAS JAMES BOLLETTIERI NASCIMENTO 31 de julho de 1931 em North Pelham PAIS James (farmacêutico) e Mary (dona de casa) ESPOSA Cindi Ann Eaton (oitavo casamento, em 2004) FILHOS: Jimmy, Danielle, Angel, Nicole e Alex NETAS Willa Bay e Addie Skye SITE www.nickbollettieri.com |