Por que Orlando Luz é um dos melhores juvenis do mundo e pode vir a ser um bom profissional
Por Arnaldo Grizzo em 27 de Abril de 2015 às 00:00
O que faz com que um tenista se destaque? Uma boa técnica? Um ótimo preparo físico? Ambos são necessários, mas, hoje, com os jogadores exibindo um padrão altíssimo, boa parte da diferença entre eles revela-se no aspecto mental. Quem tem mais garra, mais vontade? Quem tem mais cabeça fria, nervos de aço? Quem suporta melhor a pressão?
Esse certamente é um dos motivos de a idade média dos tenistas dentro do top 100 atualmente estar em torno de 27 anos. Ou seja, mais do que bons golpes e ótimo físico, é preciso uma certa vivência para lidar com as agruras de um circuito duríssimo em que as partidas são decididas em frações de milímetros, sendo que uma única bola pode determinar o resultado.
Talvez nisso resida a grande dificuldade encontrada pelos juvenis hoje na hora de realizar a transição para o profissionalismo. Antes, quando a modalidade parecia não ser tão profissional quanto agora, quando nem todos os tenistas podiam ser considerados atletas, era mais comum ver um adolescente “no auge de sua forma” enfrentar os melhores do mundo e dar trabalho, quando não, vencê-los. No atual momento, isso é virtualmente impossível. Pois, aos 18 anos, por exemplo, um garoto raramente está com seu físico 100% formado e dificilmente consegue suportar o ritmo físico e emocional de uma série de partidas profissionais.
Nome completo:
Orlando Moraes da Luz
Nascimento:
8 de fevereiro de 1998, em Carazinho, RS
Altura: 1,81m
Peso: 75 kg
Destro
Melhor ranking ITF:
2° (07/04/2014)
Melhor ranking profissional: 919° (24/11/2014)
Portanto, hoje, a formação de um bom tenista profissional parece ser cada vez mais paulatina. Escalar os diferentes estágios parece cada vez mais custoso e, com isso, demorado. Ainda assim, é preciso passar por eles para poder conseguir ser um bom jogador.
Assim, ao olhar para a breve, porém exitosa carreira do jovem Orlando Luz, que completou 17 anos em fevereiro de 2015, podemos vislumbrar algo de bom mais à frente e não somente agora. Orlandinho, como é conhecido, vem tendo uma progressão interessante desde quando começou a despontar em sua cidade-natal Carazinho, no noroeste do Rio Grande do Sul. E é por isso (além de diversos outros fatores) que é possível sonhar alto, como ele sonha desde criança (“Sempre tive um sonho. Sempre falei para o meu pai que queria ser número 1 do mundo”).
Convenhamos, pode parecer improvável que um garotinho, cujo pai era professor de tênis no Clube Comercial de Carazinho, cidade de pouco mais de 60 mil habitantes no interior rio-grandense, fosse capaz de atingir o segundo lugar no ranking da Federação Internacional de Tênis (ITF) e conquistar tantos títulos importantes quanto os que teve aos 16 anos. Como isso é possível? Seria mais um caso extremo de um menino iluminado, um Guguinha? Ou então seria mais um caso desses astros precoces que logo perdem o brilho?
A essência de Orlandinho parece ser outra. Desde os três anos, o garoto empunha a raquete e, assim que começou a se destacar em torneios, o pai, também chamado Orlando, resolveu apoiar e investir. Ele foi o primeiro professor do filho e até hoje está ao seu lado para o que for preciso dentro e fora das quadras. “O pai foi o professor dele e continua sendo técnico. Ele faz parte desse processo junto conosco. Fiz questão de inclui-lo na equipe”, conta Patricio Arnold, coordenador técnico do centro de treinamento ADK Tennis, no Itamirim Clube de Campo, em Itajaí, Santa Catarina.
Arnold, um dos principais responsáveis pelo treinamento de Luz, admite que a influência dos pais é decisiva. “Hoje, se a gente não incluir os pais, estamos perdidos. O pai entende muito bem o que o filho precisa. O relacionamento deles é dos melhores que já vi entre pai e filho. O Orlandinho acredita muito no pai, que tem uma função fundamental. Ele faz parte desse desenvolvimento. Semanalmente, trocamos uma ideia, ele me passa muita informação do filho. Por isso, decidi inclui-lo, e não excluir, como os treinadores fariam na maioria dos casos”. Ao falar sobre o relacionamento com o pai, o jovem é curto e grosso: “Ele só me apoia”.
No entanto, além do apoio incondicional da família, o planejamento da carreira do jovem também é um dos grandes diferenciais. Como manda a “cartilha” dos treinadores do mundo, Luz vem pavimentando seu caminho aos poucos ao disputar torneios mais fortes ou de categorias superiores sempre que se consolida em um nível. Dessa forma, ao mesmo tempo que destaca entre os garotos de sua idade, não deixa de evoluir enfrentando meninos mais velhos, desafios maiores.
Em 2010, aos 12 anos, já era um dos destaques de sua faixa etária quando passou a mesclar alguns torneios na categoria 14 anos. No ano seguinte, aventurou-se no Circuito COSAT (Confederação Sul-Americana de Tênis) e teve sucesso, vencendo Banana Bowl e Copa Gerdau. Na mesma temporada, já tentou jogar competições para garotos até 16 anos. Em 2012, repetiu o campeonato no Banana e Gerdau e, no fim do ano, arriscou seus primeiros torneios ITF 18 anos, além de ter decidido treinar na academia de Larri Passos, em Camboriú. Aos 15 anos, já estava disputando praticamente só competições na categoria mais velha dos juvenis, assim como também jogou suas primeiras partidas em Futures (com uma surpreendente semifinal em Santa Maria-RS). Uma temporada depois, em 2014, seus avanços se concretizaram e ele conseguiu a proeza de vencer o Banana Bowl e a Copa Gerdau de 18 anos, além das duplas em Wimbledon e outros feitos históricos para um rapaz de apenas 16 anos.
“É um bom juvenil com potencial para ser profissional. Para ser, tem que justamente cumprir essa etapa de transição que, no mínimo, são três anos”, afirma Patricio Arnold
“Tudo o que o Orlandinho tem feito, de modo geral como jogador, desde a iniciação, depois a vinda para treinar com Larri Passos etc, foram todos passos que tomou para continuar evoluindo. Essa leitura sempre foi muito bem feita pelo pai. Eles sempre tentaram tomar os passos certos na hora certa para tudo continuar no caminho. Não vejo nenhum buraco em termos de programação. Tudo foi feito em um padrão de um jogador profissional de alto nível e, daqui para a frente, ele precisa continuar a seguir esse caminho. Vai depender muito dele e das pessoas que forem lhe assessorar. Uma série de fatores vai determinar [seu futuro]. Mas diria que tudo está de acordo com um jogador que seria de alto rendimento profissional”, atesta Arnold.
Rotina de treinosO dia a dia de treinos de Orlando Luz na ADK Tennis, no Itamirim Clube de Campo, em Itajaí, Santa Catarina, começa às 8h30 da manhã com trabalhos físicos de uma hora de duração. “Em dois dias da semana tem uma aula específica para os atletas de alto rendimento na área de ioga – que acabam trabalhando muito a questão da ansiedade, respiratória, alongamento. Nos outros, é exercícios mais de força”, conta Patricio Arnold. Depois de 30 minutos de intervalo, há um turno de quadra, das 10h às 12h. Em seguida, duas horas em meia de almoço e descanso. Às 14h30, o atleta retorna para mais um período de quadra de cerca de duas horas. Há um intervalo para se recuperar e depois mais um período de físico orientado para as questões de quadra. “Esse é um dia normal dele”, conta o treinador, que ainda aponta que há uma equipe de fisioterapia permanente que atende os jogadores, com um período dedicado à prevenção e, a cada 15 dias, há um encontro com a nutricionista. “Esse é outro ponto fraco dele, como é com todos os adolescentes. Não é só ser orientado, também tem que se convencer dos benefícios. Para citar um exemplo, ele, antes de jogar a semifinal de duplas de Roland Garros no ano passado, chegou com cheeseburger e batata frita faltando uma hora para o jogo. ‘Eu como isso e não me afeta’. Muitas coisas eles não sentem que afetam, ainda mais quando se está ganhando. Ele tem melhorado, mas não é de um dia para o outro”, comenta Arnold. |
Quem não está acostumado ao mundo do tênis, ao observar a carreira juvenil de Luz, especialmente as campanhas do ano passado com o campeonato no Banana e na Gerdau, semifinal de simples e duplas em Roland Garros (seu primeiro Grand Slam), título de duplas em Wimbledon, medalha de prata em simples e ouro nas duplas nas Olimpíadas da Juventude na China etc, eleva-o a um status de promessa que, em breve, vai se concretizar.
Sim, Orlandinho tem tudo para seguir esse caminho, mas percorrer o trajeto ainda deve demorar um pouco. “É muito difícil imaginar um tempo para fazer a transição do juvenil para o profissional. Mas a gente espera que seja o mais rápido possível. É difícil até porque meu corpo não é todo formado ainda. Então, eu perco nesse quesito para eles [profissionais]. É difícil competir sem ter o mesmo porte físico”, admite.
“O aspecto físico é um ponto a ser trabalhado. Hoje, ele fisicamente não está pronto para jogar no circuito profissional. É um bom juvenil com potencial para ser profissional. Para ser, tem que justamente cumprir essa etapa de transição que, no mínimo, são três anos. De três a cinco anos”, lembra Arnold, que, no entanto, pondera: “Se considerarmos que ele tem só 17 anos, estaria pronto para jogar profissional aos 21, 22 anos. E ele já iniciou essa transição”.
Concomitantemente aos torneios juvenis, Luz disputou seis Futures em 2014, no Brasil e no exterior. Em janeiro deste ano, jogou mais dois. “Ele tem que entender que entrou numa nova fase e precisa trabalhar alguns aspectos. Físico certamente. Não me refiro a ele ser lento. Não, ele tem qualidades. É ágil, tem reflexo, se mexe bem na quadra. Estou me referindo a ele poder sustentar a carga exigida no circuito, evitando eventuais lesões. Essa transição é muito importante que não seja apressada”, afirma o treinador. Segundo Arnold, isso está sendo bem programado com o atleta, que, independentemente dos resultados que obtiver durante o ano, já tem blocos de treinamento cuja prioridade é a parte física.
Arnold lembra ainda que tem um trabalho um pouco ingrato. “Não é para colocar ele para baixo, mas, colocá-lo dentro da realidade do que se espera nos próximos anos. Às vezes, a imprensa transforma em herói alguém que, na verdade, não é. Ele pode ser. Está tendo sucesso no juvenil, não podemos tirar esse mérito. Ele tem vitórias parciais no juvenil, que são importantíssimas, mas que apenas o colocam nessa situação de ser um jogador com grande potencial”, aponta.
“Todo dia tem que estar focado, cada treino é um jogo. Cada jogo é a nossa vida que tem que pôr dentro da quadra. Treino a minha vida inteira para ter uma oportunidade”
Cabeça-dura?Ser autoconfiante nem sempre ajuda Orlando Luz. Segundo seu treinador, Patricio Arnold, o fato de o garoto ter tanta confiança em si mesmo faz com que ele se torne um pouco cabeça-dura. “É um menino que realmente precisa acreditar nas informações que você está passando. Não é um tenista que você diz: ‘Faz isso’ e o cara vai e faz. Apesar de ter confiança elevada em mim, ele questiona algumas coisas por causa da sua autoconfiança. Ele acredita que sabe quase tudo. A gente acaba trocando uma ideia, sobre diversos assuntos e, às vezes, ele discorda. Então deixo-o fazer do jeito que achar, às vezes. Ele faz e é bem sucedido em algumas coisas, em outras nem tanto. Aí, ele retorna e diz: ‘Tá bom, acho que é do jeito que você fala’. Então, digo: ‘Tenta também desse jeito’. Uma vez que ele compra aquilo, acaba sendo muito eficiente no que faz por causa da autoconfiança, pela convicção. Esse relacionamento tem sido muito positivo”, conta o técnico. “Eu cresci com um monte de jogador. Treinei com meu pai. Treinei com o Larri Passos. E hoje treino com ele [Patricio Arnold]. Então, às vezes, tem coisas que cada pessoa me fala de forma diferente e eu acabo pensando um pouquinho mais. E acabo fazendo do meu jeito até perceber que está errado, para então poder escutar outra pessoa. Então sou um pouquinho cabeça-dura”. |
Realmente, não se pode tirar os méritos de Orlandinho por suas conquistas no circuito juvenil. Mas o que o torna um destaque na categoria? “A minha direita é o ponto mais forte do meu jogo”, afirma o jovem. Seu treinador, corrobora sua percepção: “Em termos técnicos, ele tem uma direita excelente. Ela estaria pronta para o padrão profissional alto. Há uma grande arma ali. Ele consegue fazer vários jogos com uma arma só praticamente, que é fora de série”.
Arnold, lembra, porém, que há pontos a melhorar, especialmente o saque e o backhand. “Ele tem um saque na média, mas incompatível com as outras qualidades que apresenta. O saque certamente é prioridade [para evoluir]. Já o backhand é um bom golpe, mas taticamente ele se limita a jogar só na cruzada. Ali é preciso um trabalho de confiança tática. Isso é fundamental para ser um tenista profissional”, garante.
No entanto, há um ponto no jogo de Luz que certamente se destaca e não tem a ver com questões técnicas: autoconfiança. Para Arnold, essa é a grande diferença de Orlandinho para os outros juvenis. “Sua autoconfiança é muito alta. Isso é bem diferenciado para a faixa etária. É praticamente uma postura de um jogador profissional. Ele tem um bom índice técnico, mas nada muito além dos top 10 juvenis de hoje. Ele não é um fenômeno técnico e tático, é um bom jogador, com potencial, e ponto. Ter a autoconfiança elevada e acreditar em si mesmo e no que ele quer ser, acho que isso o posiciona no lugar de alguém que tem um alto potencial para ser um jogador profissional”.
“Sempre cresci jogando com muitas pessoas diferentes e fui meio que aprendendo a jogar com todo tipo de bola, de jogo. A minha garra de estar todo dia jogando, de ter sempre um porquê de estar na quadra, isso que me ajudou. Todo dia tem que estar focado, cada treino é um jogo. Cada jogo é a nossa vida que tem que pôr dentro da quadra. Treino a minha vida inteira para ter uma oportunidade, então, quando ela aparece, tem que aproveitar”, diz Orlandinho.
Quem acompanha de perto sabe que o discurso do jovem não é da boca para fora. Seus treinos são intensos e nos jogos, mesmo quando não valem absolutamente nada, ele se entrega em cada ponto. Outra prova de que sua força mental é um trunfo foram os bicampeonatos no Banana e Gerdau neste começo de ano. “Ele superou as expectativas, pois achava que ele podia ir bem, mas, ganhar os dois torneios, foi uma coisa acima da média, poucos iriam fazer isso”, admite Arnold, impressionado com o grau de maturidade alcançado por seu pupilo.
“Ele superou as expectativas, pois achava que ele podia ir bem, mas, ganhar os dois torneios, foi uma coisa acima da média”
No entanto, o treinador lembra que isso também foi fruto um trabalho. Segundo Arnold, Luz não conseguiu lidar bem com a pressão de ser favorito ao disputar o Australian Open no começo do ano. “Foi a primeira vez que ele era um dos favoritos, jogando na idade dele. Bem diferente do que veio fazendo todos esses anos, sempre jogando uma categoria acima, ou seja, quando não tinha nada a perder. Então, a proposta foi: ‘Você é o favorito, vamos ver como lida com essa pressão’. E, de fato, na Austrália ele não conseguiu. Jogou muito preso, pressionado ao máximo”, contou.
“Não foi um começo de ano muito bom. Tentei mudar de raquete e não me acostumei. Fui para a Austrália e senti um pouco a pressão de estar jogando lá. Acabei jogando mal, perdi. Acontece. Todo tenista tem uma fase ruim. Ainda bem que consegui sair o mais rápido possível”, admite Luz. “Passamos um momento complicado na Austrália, até para ele entender o que aconteceu e aceitar que não conseguiu jogar por causa da pressão”, disse Arnold.
Para que o pupilo reconquistasse a confiança, eles resolveram disputar Futures nos Estados Unidos. Lá, sem pressão, Orlandinho fez uma semifinal em simples e duas em duplas. Ao voltar para o Brasil, defendia os títulos no Banana e Gerdau. “Ou seja, tudo a perder e pouco a ganhar”, lembra o técnico.
“Ele teve um crescimento muito grande em três meses nesse sentido [mental]. Ele entrou numa situação de expectativa até maior aqui nos torneios no Brasil. Mas lidou muito bem. Tecnicamente não foi tão bem, mas mentalmente foi muito bem. Ele jogou 70% do que pode, mas lidou bem com a pressão. Isso, para mim, foi muito bom e faz parte da transição saber lidar como favorito”, comemora Arnold, que pretende alternar esse tipo de situação durante as competições definidas para este ano para que seu pupilo possa experimentar essas diversas sensações. “Preciso mostrar para ele que isso é um processo, que não vai ser de um dia para o outro e que vão ter altos e baixos”, apontou. Orlandinho parece ter assimilado: “Não estou livre disso [fases ruins]. Nenhum tenista está livre. A gente tem várias vezes isso ao ano e vai acontecer. Impossível jogar o ano todo perfeito”.
Planejamento de carreira, ótima estrutura técnica, apoio familiar, boa formação, tudo isso aliado a um perfil extremamente determinado e repleto de autoconfiança fazem de Orlando Luz a típica “promessa” em que podemos confiar.