Mamãe é campeã

O bicampeonato no US Open reforça a volta triunfal de Kim Clijsters e comprova que é possível conciliar tênis e maternidade

Abigail Lorge em 27 de Setembro de 2010 às 11:42


COM SEU AMPLO TALENTO e sua personalidade atraente, não é de se surpreender que a equipe de apoio de Kim Clijsters também seja grande. No verão passado, quando a ex-número um retornou ao circuito depois de mais de dois anos de aposentadoria, seu time nas viagens tinha se expandido para seis pessoas: Brian Lynch, seu marido; Jada, sua filha; a babá; Wim Fissette, seu técnico; um preparador físico e um agente. O trabalho conjunto dessa equipe é manter a agregadora Clijsters focada e ao mesmo tempo realizada enquanto se prepara, aos 27 anos, para os torneios.

O título do US Open em 2009 fez de sua história um dos mais convincentes retornos bem sucedidos ao esporte nos últimos anos. Em agosto do ano passado, em Cincinnati, a belga jogou seu primeiro torneio depois de 27 meses parada; duas competições e um mês depois, ela angariou um troféu de Grand Slam. A campanha memorável de Clijsters no US Open incluiu vitórias sobre Venus Williams (que ela repetiu este ano) e Serena (naquela semifinal em que a norteamericana foi punida com um ponto – o ponto do campeonato – por ameaçar uma juíza de linha). Despachando Caroline Wozniacki em dois sets na final, a belga se tornou a primeira mulher a receber wild card (convite) e vencer um Major na história do tênis, e a primeira mãe desde que Evonne Goolagong ganhou Wimbledon em 1980.

A celebração emotiva, quando Clijsters e seu marido posaram com o troféu da competição enquanto sua filhota de 18 meses ensaiava alguns passos pela quadra, inspirou mães por todas as partes – e, alguns suspeitam, também tocou Justine Henin, que anunciou seu retorno nove dias depois (Henin diz que havia tomado a decisão antes).


HORA DE PARAR
Ainda que para alguns tenha sido abrupta, a decisão de Clijsters de deixar o esporte foi calculada e, como ela pensava na época, final. Começar uma família em uma idade relativamente jovem sempre foi parte dos planos da belga; retornar ao tênis profissional depois de ter um filho, não. “Nunca imaginei que fosse voltar a jogar tênis novamente quando me aposentei da primeira vez. Nunca pensei que fosse fazer isso de novo”, diz a exnúmero um.

Oito anos no circuito cobraram seu preço. Punho, quadril e tornozelo machucados interromperam sua temporada de 2006 e a impediram de defender o título do US Open que ela havia ganho no ano anterior. Em 6 de maio de 2007, depois de perder a partida de estreia em Varsóvia, Clijsters anunciou sua aposentadoria imediata. Dois meses depois, em 13 de julho, ela se casou com Lynch, que jogava basquete pro ssional na Bélgica e que admite que não sabia quem era Roger Federer quando conheceu Kim (eles foram apresentados depois de um dos jogos de Lynch e se ligaram por compartilharem uma paixão por bulldogs). Em fevereiro de 2008, sete meses depois do casamento, ela deu a luz à Jada.

Muitos se surpreenderam ao ver Clijsters, na época com apenas 23 anos, deixar de lado uma carreira atlética lucrativa. Porém, ela, a primeira belga a alcançar o número um do ranking mundial, sempre quis ter filhos, mais do que títulos. Já sendo milionária, ela teve em Lynch um noivo devoto, e então decidiu afastar-se do tênis em favor da maternidade. “Achamos que estávamos certos”, diz ela sobre o timing da decisão de parar em 2007. “Sempre gostei de brincar com crianças, mesmo tomar conta dos meus primos. Lembro de que quando eu era bem jovem, já queria ser mãe”, completa. Lynch não tentou dirimi-la de sua aposentadoria precoce. “Sempre quei curioso para saber se os fãs achavam que eu tinha algo a ver com isso”, conta o marido. “Não tive nada a ver com isso. Foi uma decisão dela. Ela sabia o que queria. Queria se casar e começar uma família”, afirma.


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“Nunca imaginei que fosse voltar a jogar tênis novamente quando me aposentei da primeira vez. Nunca pensei que fosse fazer isso de novo”



VIDA E MORTE
Em janeiro de 2008, a alegria de Clijsters com seu casamento e a proximidade da chegada de Jada foi obscurecida pela dolorosa notícia de que seu pai, Lei, um ex-jogador de futebol na Bélgica, tinha câncer terminal. “Eles nos disseram que ele tinha dois meses de vida, então ele realmente precisava ver Jada”, diz a belga sobre o prognóstico. “Foi muito confuso, pois estava tão excitada em ter meu primeiro lho, mas por outro lado, a pessoa a quem eu estava mais próxima era meu pai, e ele não ia ser parte disso, o que foi muito assustador e emotivo”, lembra.

Lei excedeu as expectativas dos médicos e sobreviveu até o começo de 2009, quando, aos 52 anos, sucumbiu ao melanoma metastático (a causa da morte foi amplamente divulgada erroneamente como câncer de pulmão). Com uma carreira de tênis abandonada e uma lha pequena para cuidar, Clijsters agora experimentava a angústia de perder um parente.

“Brian foi o melhor nisso tudo. Ele foi minha rocha, pois havia dias em que tinha saudades do meu pai. Ele era uma celebridade, pelo menos na Bélgica, então as pessoas sempre falavam comigo sobre ele. Havia dias em que eu cava chateada com isso, mas é a vida e, quando vamos envelhecendo, aprendemos a lidar com essas situações”, conta a belga.

Por volta de fevereiro de 2008, com Jada já com quase um ano, Clijsters começou a bater bola para se preparar para alguns jogos de exibição. Quando passou a sentir melhor a bola, pensamentos sobre uma volta surgiram em sua mente. Ela mandou um e-mail para uma amiga, a ex-número um Lindsay Davenport, perguntando sua opinião sobre a viabilidade de combinar maternidade e tênis. “A preocupação dela era ser capaz de ter tempo su ciente com a filha”, conta Davenport, que em 2007 venceu dois torneios da WTA depois de dar a luz ao seu primeiro filho. “Ela não queria esse trabalho sem poder estar com seu marido e sua lha”, acrescenta a norte-americana.


APOIO INCONDICIONAL
Clijsters contou a Lynch – que na época estava terminando o primeiro ano de um contrato de duas temporadas com o Antuérpia Giants – que queria voltar ao tênis, e queria ter ele e Jada com ela. “O mais importante era saber o quanto ela estava certa disso ou não”, alega Lynch, nativo da cidade de Belmar, no estado norte-americano de Nova Jersey, e que havia jogado basquete na universidade de Villanova. “Quando percebi que isso era algo que ela realmente queria fazer, foi a decisão mais fácil da vida dizer: ‘Certamente, estou 100% com você nessa’”, conta o marido. Lynch, agora com 32 anos, aposentou-se do basquete, e então pôde acompanhar a esposa em tempo integral. “Tinha que desistir do basquete, pois não podia ficar tanto tempo longe da minha família. Ela me quer lá em todos os momentos, e eu quero estar lá”, afirma.

Três semanas depois da volta, Clijsters estava a toda no US Open – um torneio no qual ela não entrava desde sua vitória em 2005, com Lynch assistindo pela TV na Bélgica na época. Desta vez, o marido estava na primeira fila para ver a improvável campanha vitoriosa da esposa. “Tudo o que fiz foi não me barbear e ficar quieto”, lembra Lynch. “Foi meu primeiro Grand Slam e estava tentando ser um bom pai e um bom sistema de apoio. Vi o tipo de trabalho que ela coloca nisso e quei muito, muito feliz de ver aquilo acontecer com ela”, aponta.


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Lynch e Jada


Especialistas afirmam que a maternidade foi benéfica para Clijsters, que já não apresenta mais o nervosismo do começo de carreira


PRONTA PARA SER MÃE E TENISTA

Nesta temporada, Clijsters experimentou o lado ruim do trabalho árduo do circuito. Ela conquistou títulos em Brisbane e Miami, mas caiu na terceira rodada no Australian Open diante de Nadia Petrova. Uma lesão no pé, que ela sofreu na Fed Cup em março, forçou-a a desistir de Roland Garros, mas a belga estava de volta à forma em junho. Clijsters planeja jogar até as Olimpíadas de Londres em 2012, então ela tem um número finito de oportunidades em Grand Slams restantes. Porém, a perspectiva da maternidade pode ajudá-la nesses grandes eventos. “Kim superou [o nervosismo] do começo de sua carreira”, diz Patrick McEnroe sobre Clijsters, que era notoriamente frágil antes de se aposentar. Essa fortaleza, juntamente com sua forma atlética que não diminuiu, são um prelúdio de boas coisas para ela.

Aparecendo em ótimo estado em uma saia cor de melancia de Tory Burch e de salto alto em uma coletiva de imprensa no começo do ano, Clijsters disse que estava tendo aulas de ioga Bikram com Lynch quando não está treinando, fazendo preparo, ou levando Jada para zoológicos e parquinhos nas cidades pelas quais a turnê WTA passa. Quando está em casa, em Bree, a belga lamenta que não haja mais horas em um dia. “Quando Jada vai dormir, estou exausta e só quero relaxar. Mas então tenho que limpar a casa. Então há dias que isso nunca acaba”, conta Clijsters. Ela quer ter mais lhos, contudo, por agora, está saboreando seu singular papel de esposa, mãe e campeã do US Open. “Sinto como tendo a vontade de alguém de 14 anos. Ainda quero me dar bem e estou empolgada para voltar a lugares pelos quais não passei durante anos, e estou pronta para dividir isso com a minha família”, finaliza.


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