Juan Carlos Ferrero aposentou a raquete no ano passado, mas continua se aventurando no tênis no papel de técnico e tem muito a ensinar aos jovens
Arnaldo Grizzo E Matheus Martins Fontes em 25 de Junho de 2013 às 12:46
ATÉ O FIM DO SÉCULO XX, o tênis espanhol era marcado por grandes saibristas. Sergi Bruguera, Carlos Moyá, Alex Corretja, Albert Costa, entre outros, sempre estiveram entre os melhores do mundo na terra batida e dominaram os torneios sobre essas superfícies. No entanto, quando o piso mudava e ficava mais rápido, o domínio da Espanha desaparecia. Não conseguir bons resultados em quadras duras (maioria no circuito) impedia que os espanhóis alcançassem o primeiro lugar do ranking da ATP.
Em 1999, no entanto, Moyá mostrou que essa sina poderia mudar e, com resultados consistentes em diversas superfícies, foi capaz de se tornar número um do mundo, o primeiro na história do tênis espanhol. Em seguida, na virada dos anos 2000, um jovem loiro despontou no circuito. Ele era ágil, veloz e logo impressionou, alcançando a semifinal de Roland Garros. Naquele jogo, Juan Carlos Ferrero esteve à frente no placar contra Gustavo Kuerten e muito próximo de impedir o brasileiro de ir à final. A experiência de Guga, contudo, salvou-o e o levou ao bi no Aberto da França. Mas o espanhol mostrou que era um digno representante da escola de seu país.
Demorou ainda mais três anos para o "Mosquito" vencer Roland Garros, porém o tempo provou que ele trazia novas possibilidades ao tênis espanhol, pois, além dos grandes resultados no saibro, Ferrero era capaz de se dar bem em outras superfícies. Em 2003, depois de três derrotas doloridas (duas semifinais para Guga e uma final para Costa) nos anos anteriores, redimiu-se ao vencer o Aberto da França. Meses depois, atingiu a final do US Open com vitórias maiúsculas sobre Todd Martin, Lleyton Hewitt e Andre Agassi, todos especialistas em quadras rápidas. Era a credencial que faltava para se tornar número 1 do mundo.
Ferrero, pode-se dizer, foi um dos que abriram caminho para uma nova geração da escola espanhola que formou ninguém menos que Rafael Nadal, mas também David Ferrer, Fernando Verdasco, Feliciano Lopez, Nicolas Almagro e outros nomes que hoje se dão bem no saibro, mas também nos pisos rápidos. Nove anos depois do seu "prime time", Ferrero deixou as quadras no ano passado e agora vai se aventurando no papel de treinador para ajudar a formar jovens que, assim como ele, possam se dar bem em qualquer superfície.
Você inspirou uma geração de tenistas como David Ferrer, Nicolas Almagro, Rafael Nadal, por sua personalidade e humildade dentro e fora de quadra. Na sua opinião, qual foi o legado que deixou para eles?
Não acho que tenha sido um exemplo para ninguém, simplesmente me dediquei a fazer o que gostava de verdade, seguindo a forma de trabalhar, com humildade, trabalho diário e sacrifício. Todos esses tenistas seguem esse mesmo exemplo, o que quer dizer que [a fórmula] funciona.
"O tênis se tornou um esporte extremamente físico, em que o número 1 pode perder do número 100 e, por isso, não se pode relaxar em nenhum momento. Isso é o bonito desse esporte"
Em 2012, Almagro disse que havia aprendido muito com você. Declarou que ouviu uma frase sua, "deve-se ganhar com humildade para perder com respeito", e mudou sua forma de se comportar em quadra. Acredita que é possível mudar a personalidade de um tenista com o tempo?
Com certeza. No caso de Nico [Almagro], trata-se de um jogador com um talento e físico espetaculares, que luta até não poder mais e que, com o passar dos anos, aprendeu a se manter concentrado durante todo o jogo, sem altos e baixos que tinha antigamente. Ele tem que entender que, quando entra na quadra, está sozinho, sem o auxílio de seu treinador, nem das pessoas que trabalham com ele, e uma das formas de expressar essa tensão é com o nervosismo na quadra.
Você foi finalista de Roland Garros no juvenil em 1998 e, cinco anos depois, venceu profissionalmente o torneio e se tornou número 1 do mundo com 23 anos. Hoje há vários juvenis promissores com dificuldades de obter sucesso no circuito profissional. Quais são os desafios dos jovens para se adaptarem ao circuito?
Entrar no circuito profissional é muito difícil e depende, em muitos casos, da sorte, de seguir pela parte mais favorável da chave que lhe permita ir avançando rodadas, adquirindo um ranking melhor e, dessa forma, tendo algumas facilidades extras para poder vencer. De qualquer forma, o tênis se tornou um esporte extremamente físico, em que o número 1 pode perder do número 100 e, por isso, não se pode relaxar em nenhum momento. Isso é o bonito desse esporte.
Antes de ganhar Roland Garros, você foi semifinalista duas vezes e uma vez vice-campeão. Qual foi sua pior derrota? Elas foram importantes para que pudesse voltar e depois ganhar em 2003?
Qualquer derrota era dolorosa. Sou uma pessoa muito competitiva, que busca sempre a vitória ou, ao menos, dar o melhor de mim para conseguir meu objetivo. Sem dúvida, as citadas são derrotas de que não vou me esquecer, mas, com certeza, fizeramme seguir evoluindo o meu jogo e amadurecer, esportivamente falando.
"Não acho que tenha sido um exemplo para ninguém"
Entre 2000 e 2003, você viveu seu melhor momento e enfrentou rivais como Guga, Hewitt, Safin, Corretja, Moyá, Costa, Coria e muitos outros. Quem foram seus maiores concorrentes?
Acho que esses são muito mais do que história viva do tênis e com quem tive jogos muito interessantes. Não quero deixar ninguém de fora, mas guardo uma relação muito especial com Hewitt, um dos meus melhores amigos do circuito, de minha geração, e a quem desejo também todo o melhor.
Você jogou muito bem sobre o saibro, mas também teve bons resultados em quadras rápidas. Houve algo que precisou mudar no seu jogo para que pudesse se adaptar às quadras mais rápidas? Como era mudar de um piso para outro?
Na Espanha, as quadras de saibro são muito frequentes em todos os clubes da área da costa, onde fiquei treinando por toda a minha carreira (no meu caso, na minha academia em Villena). Mas o êxito dos meus torneios na quadra rápida se deve por ter sempre me considerado um jogador agressivo, atacando as bolas sempre que tinha a oportunidade, embora isso me levasse a cometer mais erros.
Você foi considerado um dos tenistas mais rápidos do circuito e a grande verdade é que a velocidade do jogo aumentou muito nos últimos anos. Para você, quais fatores influenciaram para chegarmos a essa velocidade? Hoje, a parte física comanda o tênis?
O tênis se tornou um esporte muito físico, em que já não é tão importante ter uma técnica perfeita (mesmo que, sim, é muito importante, como podemos ver com Roger Federer), mas aguentar jogos que podem ser muito longos. É claro que há muitos clubes que não dão, à preparação física, a importância que ela tem. No meu caso, durante os últimos anos de minha carreira, estar bem fisicamente foi algo primordial. Dessa forma, treinava em quadra todas as manhãs por duas horas e, em média, passava mais duas horas cuidando do físico na academia à tarde.
Antes era mais comum ver tenistas jovens, de até 20 anos, ganhando dos top, mas hoje não. Por quê? O ápice físico já não é mais como antes ou tem algo a ver com a técnica?
Atualmente todos estão vendo que entrar no grupo dos principais jogadores está mais propenso a jogadores que passam da faixa dos 25 anos, como acontece hoje com os que estão entre os 10 melhores. Antigamente não era assim. No caso das mulheres, chegávamos a ver jogadoras que venciam Wimbledon com apenas 16 anos. Agora tudo parece que está voltando a uma normalidade mais lógica, em que se deve dar todos os passos necessários antes de chegar à elite.
"Recomendaria trabalhar duro a cada dia, sendo humilde e se sacrificando por seu sonho"
Realmente o aspecto psicológico é uma parte a mais para se trabalhar no treinamento diário. Os resultados demonstram que o mais forte na quadra, aquele que passa a última bola por cima da rede, é quem leva a vitória. Na Espanha, esse lado se trabalha nos jogadores desde muito jovens, tratando-o como uma parte imprescindível que não se pode deixar passar e que vai ajudar os jogadores a amadurecerem tanto dentro como fora das quadras.Hoje, além do aspecto físico, a parte mental é importante. Muitos tenistas espanhóis são expoentes nesse quesito, com Nadal sendo o maior destaque. Por que os espanhóis têm essa vantagem?
Hoje a Espanha tem mais de 10 jogadores no top 100, mas todos têm mais de 25 anos. Como está a formação de jovens? Há alguma preocupação com isso no país?
A Espanha teve e está tendo uma época dourada com jogadores do melhor nível, com vários que chegaram ao número 1 ao longo de todos esses anos. É compreensível que agora haja uma mudança de ciclo e seja outro país que tome as rédeas do tênis, como já aconteceu com os Estados Unidos no passado. De qualquer maneira, deve-se seguir trabalhando duro com todas as promessas do tênis espanhol que atualmente estão treinando por todo o país para, assim, conseguir colocar vários deles entre os melhores.
Em 2000, você participou da equipe da Espanha que ganhou a Copa Davis pela primeira vez. Recentemente, já declarou que gostaria de comandar o time. O que poderia passar de sua experiência para os jogadores se fosse capitão?
Sem dúvida, ser capitão [da Espanha] na Copa Davis é um dos meus sonhos e espero que, dentro de alguns anos, isso seja possível. Para mim, um dos pontos para ser um bom comandante desse time é ter jogado anteriormente como é o caso de Albert Costa ou Alex Corretja, que fizeram e estão fazendo um trabalho magnífico à frente da equipe.
Você esteve junto com Almagro nos primeiros torneios de 2013. É um desejo se tornar técnico? Por quê?
Vou passo a passo. Nos primeiros torneios, eu o acompanhei, já que consideramos que era necessário que fosse com um parceiro de treinos para poder entrar em ritmo o mais rápido possível. Assim, seu treinador poderia passar um tempo a mais com a família, não precisar fazer toda a gira americana e ficar mais de dois meses fora de casa. Depois da minha aposentadoria, em outubro do ano passado, decidi seguir junto ao tênis, mas de uma forma mais relaxada, como diretor de treinadores da minha academia e junto com Nico, Tita Torró (Maria Teresa Torró-Flor) ou Marta Domachowska.
Agora você tem novas funções como ser diretor do ATP de Valência. Como é administrar um torneio? É mais difícil atuar em quadra ou nos bastidores?
Por se tratar da primeira edição [na função de diretor], não sei o que dizer. Está claro que, como jogador, embora uma equipe lhe acompanhe, você está completamente sozinho na quadra e sempre é mais difícil, emocionalmente falando. Como diretor, tenho um time inteiro que vai me auxiliar em qualquer decisão que tomar. Por isso, no momento, estou bastante tranquilo.
"Sou muito grato por ter sido tenista, já que não só consegui chegar ao número 1, mas também consegui trabalhar com o que realmente gostava"
O que diria a um juvenil que sonha em ser um tenista profissional?
Sempre digo o mesmo - se eu consegui, não há razão nenhuma para que ele não possa fazê-lo também. Recomendaria a ele trabalhar duro a cada dia, sendo humilde e se sacrificando por seu sonho. Sou muito grato por ter sido tenista, já que não só consegui chegar ao posto de número 1, mas também consegui trabalhar com o que realmente gostava. O que alcancei foi uma realização pessoal.
Você tem projetos de expandir sua academia em Villena? Por sua relação com o Brasil, tem vontade de montar uma aqui?
A academia começou em 1995 com apenas duas quadras e, ao longo dos anos, tivemos considerável ampliação até que, hoje em dia, contamos com 120 mil metros quadrados de instalações, com quadras de todas as superfícies (saibro, rápida, indoor e grama), alojamento para jogadores e pais, área para os programas de tênis de verão, campos de futebol, pádel, vôlei de praia, circuito para corrida, academia, piscinas etc. Certamente acreditamos que, por agora, é o suficiente, mas sobram aproximadamente mais 80 mil metros quadrados que podem ser construídos. Sobre o Brasil, sempre foi um país pelo qual tenho um carinho especial. Tenho uma casa e é onde costumo passar minhas férias, quando faz mais frio na Espanha. Por isso, sempre estive interessado em poder montar um centro ali, mesmo que, por enquanto, gostaria de convidar todos os brasileiros para que se informem sobre a minha academia na Espanha, onde vou recebê-los com muito prazer e poderão seguir o mesmo sistema de trabalho da minha época e o qual Nicolás Almagro também está seguindo.