O que faz de Rogério Silva um exemplo para quem acha que não tem talento ou oportunidades?
Por Elson Longo em 28 de Setembro de 2015 às 00:00
Rogério Dutra Silva, o Rogerinho, como carinhosamente é chamado, definitivamente não é o mais talentoso tenista de sua geração. Se lhe faltam recursos técnicos, também não sobram os financeiros, essenciais para quem quer ser um jogador profissional. Mas, apesar de tudo isso, ele alcançou o que poucos conseguiram, com muita determinação, e é um bom exemplo para os jovens que sonham com a vida no tênis.
Aos 31 anos, pode dizer que já realizou muito mais do que as pessoas poderiam imaginar quando ainda era um garoto franzino – filho do professor de tênis, Eulício Teodósio da Silva, de origens humildes – e resolveu empunhar a raquete aos sete anos de idade. Por duas vezes, esteve entre os top 100. Participou da equipe brasileira da Copa Davis em cinco oportunidades. Desde seu primeiro jogo como profissional, ainda em 2001, com 17 anos, venceu nove Futures e seis Challengers. No entanto, teve grande momento ao disputar partidas na quadra central do US Open contra Rafael Nadal e Novak Djokovic.
Conquistar tudo isso não foi simples. Com todo o esforço, hoje completou US$ 700 mil arrecadados em premiação em toda a carreira, muito longe dos milhões que os top conseguem, e longe também de ser suficiente para que tivesse uma vida menos atribulada na tentativa de ser um tenista de sucesso. Sua história certamente serve de inspiração para muitos jovens que, como ele, não possuem recursos e tampouco estão entre os mais talentosos.
Atualmente, Rogerinho continua na luta para voltar ao melhor momento de sua carreira. Para se ter ideia de sua raça e determinação, somente neste ano, ele passou o qualifying de sete Challengers (sendo que venceu um deles) e três ATPs. Nessa entrevista, ele conta um pouco de como conseguiu superar as dificuldades e se tornar o que é.
"A grana foi um obstáculo, mas superei. Cheguei a ser ousado e viajar pela Europa com 500 euros no bolso"
Quais são suas principais virtudes?
Acho que ter perseverança e lutar. Nunca fui considerado um jogador super talentoso. Fui um jogador de sorte, de tomar decisões rápidas e tentar encontrar o melhor caminho para jogar o melhor tênis. Num certo momento da minha carreira, fui ousado em termos de técnicos, de lugares para treinar, de viajar sem dinheiro, de colocar o cartão de crédito e ver o que iria acontecer. Essas virtudes acho que podem ter feito a diferença para ter sido top 100 por duas vezes e, em outros momentos, não ter conseguido nada. Sempre tentei melhorar e buscar o melhor para mim. Várias vezes fui jogar torneios por dinheiro na Europa, cheguei a dar aula de tênis na Alemanha. Às vezes, um pouquinho dessa ousadia pode ter feito a diferença.
Como foi sua carreira juvenil?
Nada! Joguei muito pouco juvenil, pois não tinha condições. Joguei quando tinha 10 até 12 anos e, depois, até os 16, não joguei quase nada. Dos 16 aos 18, joguei pouco também. Optei por jogar Futures ao invés de juvenil quando tinha verba para viajar. Tinha muito a aprender com os jogadores mais velhos. Às vezes, os juvenis perdem um pouco de tempo na transição, jogam muitos torneios juvenis, demoram um pouco e acabam saindo meio crus. Mas foi uma opção minha.
Quais são as transformações mais significativas na fase de transição que possibilitaram sua ascensão?
Eu não estava tão cru. Quando deixei de jogar juvenil, já conhecia um pouco mais os jogadores, técnicos e torneios. Então, não foi uma coisa tão nova. Eu tinha outro problema, que era o financeiro – poder fazer um calendário, ter um técnico, um lugar legal para treinar. Com 17 anos, fiz o meu primeiro ponto na ATP.
Como foi lidar com a pressão financeira?
Sempre foi muito difícil, mas nunca a ponto de falar que não tinha dinheiro para viajar e nem condições. Sempre busquei meios, seja por um torneio de grana, seja por uma parceria. Teve muita gente que me ajudou. Acho que a grana foi um obstáculo, mas consegui superar. Em certos momentos, cheguei até a ser ousado e ir viajar pela Europa com 500 euros no bolso. Já teve vezes de chegar na Europa para jogar três torneios e voltar, porque só tinha 20 euros na carteira. Isso é difícil, porque joga com pressão extra. Tinha que ganhar para jogar a próxima semana. Dormi em chão de hotel, clandestino, já fiz muitas coisas... Mas superei e nunca coloquei como uma desculpa. Isso foi um incentivo para buscar meios para poder jogar e melhorar.
A atitude faz a diferença?
"Se tiver um sonho, tem que correr atrás dele com toda Raça e ir treinar como se fosse o último treino"
A atitude, na verdade, é tudo. Pode ser muito boa ou muito ruim, depende de como você encarar e do meio. Sempre tentei ter atitude e olhar para os meus pais, porque eles sempre lutaram muito para que eu pudesse jogar tênis. Primeiro, aprendi a respeitá-los. Se tem alguém ajudando, você tem que respeitar. Então, tive essa atitude de sempre lutar, mesmo vendo que não vai dar, mas vamos tentar porque, às vezes, as coisas mudam.
Quais foram os momentos mais marcantes dos treinadores para você?
A passagem mais marcante foi quando tinha 25, 26 anos. O Larri Passos mudou a minha carreira. Já estava parando de jogar, desanimado, naquela luta financeira, sem ter um lugar legal para treinar e ele me abraçou, chamou para trabalhar dizendo que eu não poderia parar de jogar naquele momento. Foi o cara que mudou tudo. Ele foi muito honesto comigo, dizendo: “Você precisa mudar sua direita, sua esquerda, seu saque, praticamente 80% do seu jogo, mas vou lhe colocar top 100”. Três anos depois, eu estava no top 100. Foi o cara que mudou todo o meu jeito de pensar, de jogar, a minha técnica, o que depois de uma certa idade é muito difícil de fazer.
A paternidade mudou sua carreira?
É algo muito louco, muito bacana. Antigamente, jogava pelos meus pais, mas agora mudou muito, porque jogo pela “baixinha”. O objetivo agora é tentar jogar um nível alto de tênis e que ela possa ver isso, possa ver o pai jogar. É um ânimo a mais que tenho, uma motivação.
Qual a sua receita?
Não desistir nunca. Fui um cara que fui mudar minha vida com 25, 26 anos. Acho que, às vezes, tem muito preconceito com esse tema de idade e, hoje, o tênis mudou muito. A idade dos top 100 está entre 27, 28 anos. Muitas vezes, o jogador de 23, 24 anos é muito criticado, mas não desistir é o principal. Se tiver um sonho, tem que correr atrás dele com toda energia, toda raça e ir treinar como se fosse o último treino, com muita perseverança.
O que o tênis representa para você?
É minha vida, o que me deu tudo. Tudo o que eu tenho é graças ao tênis. Óbvio que queria que fosse mais fácil, mas fico indignado com tenistas que dão a vida e não são respeitados pelo que fizeram. É muita luta e não tem tanto retorno, e não tem tanto respeito.