Jogos infantis nas quadras laranjas se aproximam da realidade dos profissionais
Suzana Silva em 14 de Setembro de 2016 às 12:50
Uma das características que diferencia os homens dos outros animais é a liberdade de escolha e sua capacidade de evolução e aprendizado ao longo da vida. Se nosso esporte favorito, como a humanidade, está em constante evolução, por que resistir a ela?
Em 2012, ocorreu um seminário internacional de treinadores em Londres apenas para discutir e fazer um balanço de como o sistema Play and Stay (“Jogue e Fique”) impactou o mundo do tênis na indústria, no desenvolvimento de tenistas iniciantes de todas as idades e na perspectiva da formação de jogadores de alto rendimento a longo prazo. Participaram desse seminário as maiores autoridades das grandes nações do tênis: França, Áustria, Bélgica, Alemanha, Inglaterra, Austrália e Estados Unidos. O Brasil esteve representado também. Os resultados desse balanço foram avassaladoramente positivos e favoráveis à utilização do Play and Stay, que foi criado em 2008. O tênis evoluiu.
Especificamente no desenvolvimento das crianças com dez anos ou menos ao longo das quadras vermelha, laranja e verde, os avanços foram significativos. As federações, clubes e academias que adotaram o sistema efetivamente, não apenas utilizando as bolas, mas aplicando um programa de ensino, de avaliações e de eventos adequados aos três estágios, estão convencidos de que a retenção das crianças no esporte e a evolução delas como jogadoras é inigualável.
Evidenciou-se nas apresentações de palestrantes como Max De Vylder (Inglaterra), Bernard Ebert (França) e Dieter Dellaert e Ruben Neyens (Bélgica), que a mudança de um estágio de aprendizado e de um tipo bola para outro não deve ser uma “corrida” para a bola amarela. O respeito pelos objetivos técnicos e táticos dos programas de ensino, e pelas competições formatadas para cada estágio, prepara as crianças para jogarem o seu melhor quando crescerem. A ideia central é ensinar todos os golpes e suas aplicações táticas, e fazer com que as crianças joguem bastante e se divirtam jogando em cada etapa, antes de passar para a bola amarela.
O estágio da bola laranja traz especificidades ainda mais interessantes, pois a distância que a criança terá de percorrer para buscar as bolas e o tempo que a bola leva para sair da raquete do adversário e chegar à sua se assemelham muito aos números do tênis profissional masculino da ATP em saibro, proporcionalmente. O palestrante austríaco Michel Ebert levou para esse seminário Play and Stay em Londres números impressionantes que comprovam que o estágio da bola laranja é o que mais se assemelha ao tênis profissional em quesitos como porcentagem de pontos vencidos com o primeiro saque, duração dos pontos, pontos vencidos junto à rede e muito mais. E se os professores brasileiros, em sua grande maioria, ainda resistem em usar as bolas vermelhas, o estágio da bola laranja é praticamente ignorado, inclusive por várias federações, que não organizam jogos regularmente para essa categoria.
Outro aspecto interessante dos estágios das bolas vermelha e laranja é que eles podem ser desenvolvidos em qualquer lugar, notadamente em quadras poliesportivas de escolas, condomínios e parques da cidade. A quadra laranja, especificamente, cabe na quadra de voleibol, que mede 9 x 18 m.
Para se ter uma ideia da aceitação do sistema, números de 2011 ainda mostravam que a USTA (Federação Norte-americana de Tênis) já havia marcado mais de 10 mil quadras com as linhas vermelha e laranja nos Estados Unidos. Esse numero já deve ter aumentado bastante. Até Nick Bolletieri, conhecido por formar campeões e, ao mesmo tempo, por queimar etapas e machucar atletas por supertreinamento precoce, rendeu-se ao sistema em sua academia na Flórida.
É imprescindível que as federações de tênis no Brasil incentivem o sistema, capacitando profissionais para o uso das bolas em programas de ensino e de competições adequadas para cada nível. A Confederação Brasileira de Tênis tem feito sua parte com os cursos de Capacitação Play and Stay, e com o lançamento em 2016 do formato de competições Tennis Kids, mas não tem condições de avaliar o que acontece em cada clube de cada estado do país. São as federações que precisam atuar de maneira mais incisiva e objetiva, descentralizando e potencializando as normas sugeridas pela CBT. E vale sempre lembrar que o ranqueamento das crianças Tennis 10 é algo totalmente desnecessário e contraproducente.
Providências urgentes a serem tomadas por professores e gestores esportivos de nível local, regional, estadual e nacional:
1. Conhecimento amplo do sistema Play and Stay, no que diz respeito às velocidades de bolas e tamanhos das quadras em cada estágio (vermelha, laranja e verde). Todos os professores que iniciam crianças e adultos devem conhecer as dimensões das quadras vermelha e laranja, e saber maneiras simples de demarcá-las. As academias com programas organizados de aulas para crianças podem ter as quadras já pintadas com as marcações como já ocorre em muitos países.
2. Implementação de programas de tênis para crianças com objetivos e critérios de avaliação técnicos e táticos em cada estágio evolutivo. Play and Stay não é apenas usar as bolas: as bolas são uma ferramenta pedagógica importante para aulas e programas de ensino bem planejados.
3. Organização de eventos locais e regionais para crianças não apenas nos formatos sugeridos pela ITF, CBT e federações, mas também naqueles formatos que garantem muitos jogos curtos, por tempo, com parceiros e adversários diferentes, e por equipes para introduzir as crianças ao ambiente competitivo saudável, deixando-as com aquela vontade de “quero mais”. Os eventos devem fazer parte do planejamento anual de aulas e é imprescindível que as crianças joguem.
4. Troca de informações e intercâmbios entre os professores que trabalham com crianças. Além dos eventos internos, os intercâmbios são uma boa maneira de iniciar as crianças nas experiências competitivas fora de seu clube ou academia.
5. Educação dos pais: os professores são os responsáveis por informar aos pais como o sistema funciona e sobre sua importância no desenvolvimento de tenistas a longo prazo. Sobre a conduta dos pais durante os eventos competitivos para crianças, vale lembrar que antes das disputas começarem, podemos (e devemos) orientar os pais com cartilhas de conduta ou preleções, para que o ambiente seja seguro, acolhedor e positivo para as crianças participantes. Há treinadores que sugerem um Código de Conduta para os pais de crianças que competem em Tennis 10, de modo que conheçam as regras de antemão ao inscrever seu filho na competição, assinando um documento ou clicando na opção “li e aceito o regulamento” quando a inscrição for via internet. Transgressores ao Código de Conduta seriam punidos progressivamente, como ocorre com os jogadores profissionais quando não se comportam adequadamente. Fica a ideia.
6. Educação permanente dos treinadores: nunca é demais repetir que os rankings e os resultados das categorias até 12 anos não possuem relação alguma com o desenvolvimento de atletas de alto rendimento. O caminho é longo, exige muita dedicação e disciplina, e nosso papel deve ser o de continuar motivando as nossas crianças com metas de desempenho e de atitude em quadra, tirando o foco do ganhar ou perder. As aulas devem ser divertidas e desafiadoras, de modo que a criança venha feliz para a situação de aprendizado. Os eventos devem ser bem organizados e permitir no mínimo dois jogos para cada criança. FUN (diversão) DAMENTAL (ensino dos fundamentos do jogo): essa é a meta.
7. Realização de mais disputas locais e regionais em quadra laranja: largura de 6,5 m para jogos de simples e de 8,23 m para a quadra de duplas, comprimento de 18 m – essa é a dimensão para crianças até nove anos de idade regulamentada pela CBT. Não vale ter preguiça de marcar nem de organizar, ainda mais sabendo que esse estágio é tão importante, comprovadamente, devido às pesquisas conduzidas na Áustria em 2012 pela Mestre em Ciências do Esporte, Stefan Schmidhofen.
8. Erradicação completa de sistemas de ranqueamento para crianças que jogam as categorias Tennis 10. Na França, os rankings nacionais se iniciam apenas na categoria 14 anos. Para efeito de organização e chaveamento, os gestores dos torneios podem ter os registros dos resultados e levá-los em conta, mas não devem ser divulgados. Isso tiraria muitas cargas emocionais desnecessárias das costas das crianças e diminuiria a fogueira de vaidades de pais e professores.
Bem, se depois de toda esta argumentação você ainda escolher não utilizar o sistema Play and Stay, e não desenvolver suas crianças ao máximo na quadra laranja, você pode escolher não evoluir. Coisas da espécie humana.