A autobiografia de Andre Agassi nem havia sido lançada e já causava estragos devido a declarações bombásticas. Muitos se perguntam por que ele fez revelações que podem manchar sua carreira
Arnaldo Grizzo em 26 de Janeiro de 2010 às 15:07
Um clássico dos filmes western dos anos 60 tem uma história interessante que vem a calhar com o tema deste artigo. "O homem que matou o facínora", do consagrado diretor John Ford e estrelado por ninguém menos que John Wayne e James Stewart, conta a história de um famoso senador que vai a uma cidadezinha acompanhar o funeral de um "desconhecido". Chegando lá, os repórteres o interpelam querendo saber a relação do senador com o defunto.
O político, que ganhou fama ao matar, anos antes, um pistoleiro que aterrorizava a região, começa a "recontar" a sua história revelando detalhes que no fim vão surpreender a todos. O final do filme contamos mais adiante para manter o suspense, mas fica a pergunta: o que leva algumas pessoas - depois de serem consagradas mundialmente por grandes feitos, por sua índole, por seu carisma, etc etc etc - revelarem seus defeitos, seu passado não tão glorioso assim?
Depois de publicada sua autobiografia no fim de 2009, Andre Agassi ficou na mira da imprensa e do público. O norte-americano declarou, entre outras coisas, que havia consumido metanfetamina, que odiava o tênis, que entregou alguns jogos e que não gostava da atitude de vários de seus contemporâneos, como Pete Sampras e Michael Chang, por exemplo. Em entrevista ao site USA Today, Agassi diz que o livro foi catártico.
Para quem não sabe, catarse é aquele sentimento de alívio que se tem ao tomar consciência de sentimentos, pensamentos, traumas que estavam reprimidos. Na entrevista ele diz: "Diria que viver este livro - vivê-lo - foi catártico; lê-lo foi catártico. Mas escrevê-lo foi algo diferente. Senti como se estivesse lutando com minha vida em quadra de certo modo, tentando atingir uma meta muito diferente que é comunicar lições de vida que acredito realmente poderem impactar milhões de pessoas que nunca conheci [...]".
Ainda para o USA Today, ele revelou sua motivação ao escrever o livro: "Acreditava que tinha algo para dizer e percebi que tinha muito a dizer. Tive uma vida pública, houve muitas coisas ditas sobre mim. Disse muitas coisas sobre mim que não eram corretas [...] Por que disse todas aquelas coisas? Por que alguém mente? E você percebe que muitas dessas mentiras, A) começam com uma mentira para si mesmo; B) não têm medo, algumas vezes apenas surgem da confusão. [...] Quando me aposentei tive a chance de olhar bem para mim mesmo e nesse processo fiquei comprometido a contar toda a história, pois seria impossível para mim escrever um livro intitulado "Open" (aberto, em inglês) e não ser aberto."
"A vida do Agassi foi um martírio. Até quando ele ganhou o US Open o pai cobrou o set que perdeu do Sampras..." Fernado Sampaio
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ATAQUE E DEFESA
Em um primeiro momento após as declarações do livro virem à tona, o mundo pareceu estar contra Agassi. O tumulto pela questão do doping foi enorme com pronunciamento oficial da ITF e também da ATP, que tiraram o corpo fora da questão. Fãs ficaram chocados. Alguns ex-companheiros lamentaram, outros chegaram a falar até em processo. O caos estava armado.
"... talvez o Agassi quis se abrir mostrando que ele não é tão perfeito como todos imaginavam..." José Salibi Neto
" Este livro é uma terapia para ele. Ele quer exorcizar os fantasmas de seu armário e o admiro por isso" Chris Evert
O treinador Ricardo Acioly acredita que a repercussão do caso foi até maior do que o fato em si, apesar de condenar a atitude do norte-americano. Acioly fez parte do conselho da ATP durante três anos na época em que Agassi ainda atuava. "No tempo que fiquei ali, o antidoping era muito rígido. Agassi, durante esse tempo, foi testado mais de 20 vezes. Então, provavelmente estavam de olho nele, para ver se pintava mais alguma coisa. Eu não sabia desse histórico.
Agora estou entendendo até um pouco melhor o porquê de ele ter sido o cara mais testado entre os top 10", recorda o técnico, que completa: "Espero que a resolução do caso não tenha sido tão simples quanto ele diz no livro - que mandou uma carta. Se foi assim mesmo, é sacanagem".Já Chiquinho Leite Moreira, do Estado de S. Paulo, disse não ter ficado surpreso com a admissão do uso de drogas. "Já se comentava sobre isso nos bastidores do circuito no fim de 1990. Desconfiava-se. A surpresa foi ele ter colocado isso em um livro", afirma o jornalista.
Nesse ponto, Régis Andaku, colunista da Folha de S. Paulo, acredita que fica a principal mancha: "Agassi sempre foi um dos jogadores mais críticos do circuito enquanto jogava. Considerando que ele mesmo admite ter falhado durante a carreira, da maneira como falhou, e da maneira como admitiu, soa como se ele tivesse tido lá atrás uma atitude extremamente hipócrita. Isso, sim, na minha opinião, mancha a imagem que cultivou durante estes anos todos", afirma Andaku, que, no entanto, enfatiza que sua carreira não pode ser invalidada por isso.
Em relação a entregar jogos, Moreira diz: "Seria hipocrisia dizer que simplesmente não existe isso no tênis. É só ver quando algum jogador começa a ir bem no torneio de simples e dá um jeito de abandonar a disputa de duplas, por exemplo". A opinião de Agassi sobre alguns colegas de profissão também foram alvo de debate. Mas Alexandre Cossenza, jornalista do Globoesporte.com, pondera: "Uma coisa que pouca gente enfatizou - ou percebeu - é que o livro é todo escrito no presente (tempo verbal). Ou seja, quando Agassi diz achar um absurdo Chang acreditar que Deus tem o poder de influenciar o resultado de um jogo de tênis, aquela opinião é do Agassi de 20, 22 anos. Não é o Agassi de hoje pensando aquilo."
Houve também muita gente decepcionada com o fato de o norte-americano dizer que odiava o tênis. Porém, para Fernando Sampaio, da Jovem Pan, isso tem explicação válida: "No livro, Agassi questiona seu destino, sua vida. Ele foi obrigado a jogar tênis. Por isso, odiava. Conhecemos milhares de pais nessa situação, querendo vencer através do filho. Ele deixou mais claro aquilo que penso do tênis. Existem aqueles que optaram pelo esporte e existem aqueles que foram forçados a entrar e continuar no esporte. Não é fácil virar para um pai e dizer: 'Não quero mais jogar, quero namorar, curtir os amigos etc... 'A vida do Agassi foi um martírio. Até quando ele ganhou o US Open o pai cobrou o set que perdeu do Sampras..."
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SER HUMANO
Com o tempo, a poeira em torno do livro foi baixando e, ao que parece, as pessoas começaram a perceber o óbvio: Agassi, apesar de ídolo, também é um ser humano, que erra como todos, mas seus defeitos não invalidam tudo o que fez. Na edição de janeiro da Tennis Magazine, a publisher da revista, Chris Evert, faz todo o seu editorial em defesa de Agassi. Ela diz entender a motivação dele ao escrever o livro (a busca de paz mental) e compreende as coisas que aconteceram com ele por ter sido uma criança prodígio, como ela também foi um dia.Entre outras coisas, Evert diz: "Como tantas pessoas podem andar por aí com nós no estomago por terem de lutar contra seus demônios internos? Este livro é uma terapia para ele.Ele quer exorcizar os fantasmas de seu armário e o admiro por isso. [...]Há muitas pessoas que se ressentiram com as revelações de Andre.
Eles o vêem como um modelo e foram altamente críticos com sua admissão de uso de drogas e subsequente desonestidade. Sempre acreditei que atletas não deveriam ser postos em pedestais. Admire o talento, a determinação e dedicação deles, mas reconheça que são apenas seres humanos. [...] Fora de suas áreas de expertise, eles sofrem com os mesmos problemas e fazem as mesmas escolhas ruins que qualquer um". Para ela, um dos problemas é que no esporte, você vai de criança a adulto muito rapidamente, mas sem amadurecer significativamente.
Quem corrobora da opinião de Evert é o empresário José Salibi Neto: "Normalmente a gente vê os grandes campeões do esporte como exemplos de perfeição em tudo. Na verdade, eles são seres humanos como quaisquer outros, com todas as suas fraquezas e qualidades. Veja o que aconteceu com Tiger Woods e Michael Phelps. Temos que entender que eles também têm os seus lados mais vulneráveis como todos nós. Acho que talvez o Agassi quis se abrir mostrando que ele não é tão perfeito como todos imaginavam e a gente está aqui no mundo fazendo o melhor possível".
Enfim, haverá quem entenda, quem condene e agora é uma boa hora para revelar o final do filme que citamos no início deste artigo. O senador, cuja fama foi feita após ter matado o "facínora", revela que, na verdade, quem deu fim à vida do bandido foi o "desconhecido" que está sendo velado naquele momento. Terminada confissão, ele diz aos repórteres: "Publiquem o que quiserem", sabendo que isso poderia afetar sua imagem. Os jornalistas, contudo, rebatem com a frase que ficou famosa: "Quando a lenda é maior do que o fato, publica-se a lenda". E, no caso de Agassi, apesar de ele ter revelado o "fato", certamente o que vai ficar para a posteridade será sua lenda.