As crianças pequenas fazem aulas de tênis e competem porque gostam ou atendem às expectativas e às vaidades dos pais e professores?
Por Suzana Silva em 3 de Abril de 2017 às 15:08
Que o papel dos pais no desenvolvimento de atletas de alto rendimento é importante, ninguém discute. São eles que, em sua maioria, financiam as aulas, viagens e material esportivo, escolhem os treinadores e torneios para seus filhos participarem, acompanham as crianças nas competições de final de semana, e dão as primeiras orientações que influenciarão o cumprimento de regras do jogo e o respeito pelos adversários.
Os pais também influenciam seus filhos quanto ao comportamento frente às situações de erros na contagem e de marcação de bolas, tão comuns na primeira fase da participação em competições. Um dos primeiros desafios que os pais podem enfrentar acontece quando o filho é considerado um “talento” e começa a receber elogios dos professores e de outros pais de tenistas.
Assistir a uma criança pequena com movimentos dos golpes bem desenhados e até com variação tática inusitada para a idade, é sempre uma imagem que arranca suspiros e comentários do tipo: “Nossa, esse menino tem futuro!”, “Essa menina joga muito” etc.
Que papai ou mamãe resiste incólume a essa massagem no ego? Os estudiosos do esporte têm evitado usar a palavra talento e preferem falar de crianças que apresentam uma curva de desenvolvimento (que pode ser motor, cognitivo ou emocional) acima da média para a idade. Estar acima da curva num aspecto não significa que a criança vai virar alguma coisa, já que as variáveis são muitas e, realmente, as capacidades e habilidades que compõem um atleta não se desenvolvem todas no mesmo ritmo.
Os professores que lidam com crianças que apresentam uma curva de desenvolvimento motor e cognitivo acima da média para a idade também podem “sofrer” da síndrome da vaidade desenfreada ao exibir seus pupilos, compará-los com alunos de outros treinadores, e até usar a criança como ferramenta de marketing – chamando para si a responsabilidade pelo desenvolvimento daquele “talento”. Mas isso já foi assunto de edições anteriores.
Uma das piores consequências práticas e atuais dessa “fogueira das vaidades” é a aceleração do processo de mudança de bola e do tamanho de quadra, para que a criança supostamente talentosa possa competir logo nos torneios oficiais promovidos pelas Federações e Confederação Brasileira de Tênis. Treinadores e pais têm esquecido de levar em conta que, acelerar o processo, pode deixar lacunas no desenvolvimento de um tenista completo no futuro, para mostrarem aos outros o seu “tenista-talento”.
A criação do sistema Play and Stay e das competições Tennis 10 pela Federação Internacional de Tênis (ITF) teve como objetivo principal garantir o envolvimento de mais crianças no esporte, pensando no seu desenvolvimento no longo prazo, justamente por entender que queimar etapas é um dos motivos que gera tantas desistências ao longo do caminho, seja por lesões ou por burn out.
Não há qualquer relação entre vencer torneios nas categorias Tennis 10 e ser um tenista profissional no futuro. Não há porque acelerar o processo. Usar as bolas e os tamanhos de quadras sugeridas pela ITF adequadas às faixas etárias e um programa de aulas que contenha objetivos progressivos de aprendizagem de conteúdos técnicos e táticos é a maneira cientificamente comprovada de evoluir uma criança no tênis.
E a razão pela qual passaremos uma criança de um estágio para o outro será única e exclusivamente porque ela cumpriu os objetivos de aprendizado técnicos e táticos em dado nível, de preferência através de uma avaliação semestral, nunca por queremos expor “nosso talento” para os outros.
Dessa forma, montamos dois boxes com conteúdos a serem atingidos nas quadras vermelha e laranja. Para cada um dos conteúdos dos boxes, há critérios de desempenho para serem avaliados. Por exemplo, não basta apenas passar a bola para o outro lado da rede com o golpe do lado dominante para ser aprovado na quadra vermelha.
Elementos como empunhadura, posição de expectativa, split-step, unidade de torção, looping, contato e terminação são observados e levados em consideração na avaliação total do aluno para avançar nas etapas de aprendizagem. Entendemos que o tênis moderno ficou muito rápido, que as jogadas se resolvem muito mais do fundo da quadra, mas é inconcebível que um tenista profissional não saiba dominar os espaços de ¾ da quadra para a frente. Isso acontece muito ainda em nosso tênis, infelizmente. E, se queremos evoluir no esporte, precisamos focar nosso interesse no desenvolvimento de um tenista completo para o futuro, e não em um tenista campeão no Tennis 10 ou nas faixas de 12 e 14 anos.
Por isso, trabalhar esses conteúdos desde as bolas vermelha e laranja é tão importante. Em tempo: o tênis praticado por crianças até os 10 anos de idade é fun-damentals (a palavra fun, em inglês, significa diversão, então é importante ensinarmos os fundamentos do jogo num processo divertido). A criança se diverte sendo desafiada, fazendo amigos, jogando pontos, participando de eventos e torneios feitos especialmente para elas. E os professores capacitados e bem preparados possuem a humildade necessária para reconhecer que são apenas os “facilitadores” do processo.
Com relação aos conteúdos a serem atingidos em quadra laranja, pode-se sugerir:
1 - Forehand com topspin: controle de direção e profundidade.
2 - Backhand com topspin: controle de direção e profundidade.
3 - Consistência na troca de empunhaduras entre os dois golpes de fundo.
4 - Voleios forehand e backhand: controle de direção e profundidade. Ser capaz de volear bolas altas e baixas.
5 - SMASH: Controle de direção.
6 - Ser capaz de mudar de empunhaduras entre os voleios e o smash.
7 - SAQUE: Com empunhadura, ser capaz de sacar com confiança de ¾ da quadra. Tática: regularidade e direcionar o saque para o ponto fraco do adversário.
8 - DESLOCAMENTOS: • saltito de antecipação • passo de recuperação com trai-leg (a perna de trás cruza a da frente) • passinhos de ajuste • saltito para sair da bola que vem em sua direção (evasão) • ser capaz de correr para a bola e se afastar da bola quando necessário, e efetuar os golpes em equilíbrio com transferência de peso para frente sempre que possível.
9 - TÁTICA: • Recuperar-se adequadamente após a realização dos golpes • Regularidade • Identificar situações de ataque (jogando a bola onde o adversário não está e procurando ganhar o ponto na rede) ou defesa (devolver a bola com segurança e recuperar-se rapidamente), reagindo adequadamente às situações
10 - JOGO: conhecer as regras básicas de simples e duplas (linha lateral de duplas, posicionamento dos times sacador e recebedor em disputas de um set).
Como conteúdos a serem atingidos por crianças pequenas (até 7, 8 anos) em quadra vermelha, podemos sugerir:
1 - Habilidades de manipulação pré-desportivas: segurar a raquete; rolar a bola com mãos e raquete; equilibrar bola na raquete; rebater bola com raquete para cima e para baixo; lançar e recuperar com as duas mãos; arremessar bola por cima da rede e agarrá-la; trocas de bola usando apenas as mãos. Estas habilidades ajudam as crianças a desenvolverem também a percepção necessária para antecipar e rebater as bolas de acordo com o quique.
2 - Habilidades de deslocamento: corrida para frente; corrida para trás; corrida lateral com passo cruzado; galope lateral; salto em distância com um e dois pés; saltito de antecipação (utilização de escadinha, elásticos e arcos).
3 - Golpes básicos em quadra de vermelha: forehand, backhand, voleio forehand, voleio backhand, smash e saque. Táticas básicas: bola por cima da rede (regularidade) e início do controle de direção (paralela e cruzada) para jogar a bola onde o adversário não está ou para atacar o seu ponto fraco.
4 - Jogo: início da contagem de um game: 15, 30, 40, GAME. Jogos com contagem de um tiebreak até 7 pontos. Todos realizados em quadra vermelha e bola vermelha (75% mais lenta). Há vídeos no Youtube mostrando crianças europeias realizando jogos incríveis em quadras vermelha e laranja, com uma sofisticação tática que, às vezes, não encontramos em muitos tenistas profissionais. Quando aceleradas em seu processo, ou seja, jogando em quadra oficial com bolas verdes ou amarelas antes da idade recomendada, os tenistas normalmente reduzem suas possibilidades táticas a passar a bola para o outro lado, no máximo se tornando jogadores ofensivos de fundo de quadra.