Os segredos do sucesso da academia Sanchez-Casal, que formou a base do jogo de tenistas como Andy Murray e Svetlana Kuznetsova
Christian Burgos em 23 de Maio de 2012 às 12:24
O TÊNIS ESPANHOL JÁ pertenceu aos "Manolos", Orantes e Santana, os grandes expoentes do esporte na Espanha nas décadas de 1960 e 70. Mas foi somente a partir das Olimpíadas de Barcelona em 1992 que o tênis por lá se desenvolveu realmente. Em entrevista a Revista TÊNIS em 2005, Emílio Sanchez lembrou o quanto o investimento no esporte naquela época ajudou a alavancar a carreira de tenistas como Albert Costa, Alex Corretja e tantos outros que vieram em seguida.
Sanchez, de 46 anos, jogou profissionalmente até 1997. No ano seguinte, uniu-se a Sergio Casal, com quem costumava jogar duplas, para inaugurar uma academia de tênis que, com o tempo, se tornaria referência na formação de atletas não somente na Espanha, mas no mundo todo. Com 27 quadras de todos os tipos de piso, a Sanchez- Casal virou uma Meca do tênis europeu, para onde inúmeros atletas - desde juvenis até profissionais consagrados - vão treinar em suas pré-temporadas.
Entre os formados na academia de Barcelona estão Andy Murray e Svetlana Kuznetsova, dois nomes consagrados, além de Grigor Dimitrov, uma jovem promessa da Bulgária, e Janko Tipsarevic. Nomes como Anna Ivanovic, Conchita Martinez e Daniela Hantuchova também tiveram ajuda dos profissionais da academia em suas carreiras. Contudo, Rafael Nadal, Justine Henin, Martina Hingis, David Nalbandian, Francesca Schiavone e diversos outros tenistas aproveitaram a estrutura da Sanchez-Casal, que, em 2007, abriu sua "filial" nos Estados Unidos.
No fim de 2011, a Revista TÊNIS foi visitar esse consagrado centro de treinamento na Espanha e conversou com alguns dos profissionais que ajudam a moldar as jovens promessas que todos os anos lotam as quadras da academia em busca do sonho de ser tenista. Então, o que faz deles um centro de excelência?
Estrutura da academia é impecável e ajuda o jovem a decidir seus rumos profissionais, sejam eles dentro do tênis ou não
Todo mundo sabe que, para formar bons tenistas, é preciso criar sistemas de treinamento que contemplem todas as idades. "Há crianças que começam desde os cinco, seis anos, às vezes antes. É uma idade boa para começar. Aqui temos desde essa idade até os adultos, que podem seguir crescendo como tenista com o mesmo sistema de treinamento. Não precisam mudar, como acontece em todos os lugares. O tênis é sempre o mesmo. O que acontece é que mudam algumas coisas. Mas a forma de ensinar as crianças deveria ser a mesma", afirma Hector Ruiz, um dos coordenadores do departamento de alta performance da academia.
Para Ruiz, todos os jovens que chegam à academia precisam treinar da mesma forma, com o mesmo propósito, mesmo que os objetivos finais não sejam os mesmos. "Precisamos treinar o tenista como se ele fosse ser o melhor do mundo, mesmo que depois não se torne profissional. Mas, se ele chega nesse ponto, pelo menos sabe que treinou para ser. É importante desde cedo treinar com muito profissionalismo e competir. Isso vai dar um nível para poder decidir. E aí a decisão vai ser natural."
Na Sanchez-Casal, há tenistas de absolutamente todas as idades. Então, como fazer para separá-los em grupos? Por faixa etária? Nem sempre. Joan Balcells, coordenador do grupo de alta performance juntamente com Hector Ruiz, explica o método: "Há vários grupos na academia. Dependendo do nível, os jogadores são colocados em um grupo ou outro. De todas as maneiras, tentamos que todos os jogadores se misturem e joguem um contra o outro para que o que tem um nível inferior possa, pouco a pouco, ter um nível maior. Não se trata de idade. Mas de nível".
Balcells supervisiona cerca de 25 jovens e afirma: "A base é a mesma, não importa a idade. O treinamento é o mesmo. O que muda um pouco é a intensidade e a duração. O que garantimos aqui é muito trabalho e ser muito profissional para chegar ao máximo nível de cada jogador. Esse é nosso objetivo".
O tênis mudou pouco ao longo do anos. Ficou mais rápido e isso acarretou algumas mudanças no estilo dos golpes, mas a verdade é que a maioria dos fundamentos se manteve. Mas é pensando na evolução dos métodos que a academia espanhola disponibiliza uma análise minuciosa dos atletas para seus técnicos por meio de gravações dos treinamentos em vídeo. "Grava-se os jogadores uma vez por mês. Faz-se um drill tático e um técnico que os treinadores visualizam individualmente com cada jogador por meia hora", conta Ferran Tost, que gerencia o sistema de vídeos da academia.
"Há todos os tipos de vídeos. Há o padrão de quadra para cada um, mas o treinador pode solicitar algo especifico. Temos uma boa biblioteca com golpes e golpes e partidas inteiras. Mais de 4 mil horas de vídeo. Pode-se fazer comparações. Vê-se a evolução em vídeo. Evoluções técnicas em poucas semanas", revela Tost, que acredita que isso acarreta uma melhora nos treinamentos. "Quando o jogador vê o erro, ele entende melhor o que erra. A consciência que temos de nosso movimento é muito diferente no vídeo", afirma. Contudo, ele adianta que "no fim, o que tem que permanecer - acima de todas as ferramentas que existem para desenvolver o jogador - é a palavra do treinador".
Como o tênis se tornou um esporte muito mais físico nos últimos anos, Sanchez-Casal também tem foco nessa importante área. "Nosso departamento de preparação física está coordenado com todos os outros: psicologia, nutrição, medicina, fisioterapia. Esses quatro pilares estão coordenado. O fio condutor é a metodologia que temos na academia e tentamos que o jogador melhore pelo sistema", lembra Carlos Aguilar - que gerencia a preparação física da academia juntamente com Daniel Romero - antes de explicar seus métodos: "Trabalhamos muito o jogo de pernas, a defesa, a transição para o ataque... Temos um protocolo. Realizamos quatro vezes ao ano provas físicas, em que avaliamos a resistência aeróbica, a potência de pernas e membros superiores, a flexibilidade, as mudanças de direção e velocidade. Avaliamos e vemos como o tenista evolui. Em função dos resultados, dizemos em que precisa melhorar e quais os valores de referência para cada idade, por exemplo. Dentro delas, podemos trabalhar o mesmo objetivo, mas com metodologias diferentes".
Quais os pontos mais importantes? "O mais importante é que melhore em nível de força, que é a qualidade física que consideramos mais relevante, junto com a cardiovascular. Mas, força acima de tudo. A maioria dos jogadores fica quatro ou cinco anos aqui e temos que formá-los como atletas. Então, precisam ir evoluindo. Mas fazemos isso juntamente com a prevenção de lesões. O principal é colocar o jogador dentro da saúde do esporte. Insistimos para que aqueça, coma bem, respire, faça os exercícios compensatórios a cada dia. E isso é um processo longo. Mas há um momento em que se torna automático. Um esportista trabalha com seu corpo, é preciso conhecelo", garante o instrutor.
"Precisamos treinar o tenista como se ele fosse ser o melhor do mundo, mesmo que depois não se torne profissional"
Além da parte física, outra questão extremamente importante no tênis é, certamente, a psicológica. "Há um sistema que chamo "geral". Nele dou importância para trabalhar quatro habilidades psicológicas, que são: motivação, controle de pensamento, controle das emoções e controle da tensão. São habilidades básicas, mas o problema está em gerenciá-las corretamente. Não é tão simples. Todos podem trabalhar essas habilidades, mas de maneiras diferentes. Essa é a estrutura básica de treinamento mental", aponta Joan Ribas, que cuida da parte de treinamento de habilidades mentais na academia de Emílio Sanchez ao lado de Mar Rovira.
"Aqui não temos terapia. Um psicólogo esportivo não é um psicólogo clínico. O trabalho que faço é falar, uma vez por mês, sobre um tema dentro dessas quatro habilidades para um pequeno grupo de alunos. A maneira de trabalhar é por meio de conversa, colocar a situação problemática em cima da mesa e criar uma dinâmica de grupo para que todos busquem ferramentas para afrontar isso", explica Ribas.
Um dos propósitos da Sanchez-Casal é levar os jovens que lá vão para treinar ao profi ssionalismo. No entanto, esse é um caminho complicado, que, para ser alcançado, precisa de muita determinação, além de outros fatores, como um pouco de sorte, por exemplo. Sabendo dessa dificuldade, desde 2000, a academia mantém um programa escolar para ajudar os garotos em sua formação e, caso o profissionalismo não venha, entrarem na universidade.
"Tudo começou com a ideia de cooperar com Emílio em um projeto muito ambicioso. Ele queria facilitar o acesso à educação daqueles que querem ser tenistas. Schiller School tem mais de 40 anos de experiência em educação internacional. Tem know-how para prover uma educação sólida em inglês, e permite aos que não vão ser profissionais ir aos Estados Unidos com uma bolsa de estudos", comenta Carlos Lizardi, diretor da escola da academia.
Lizardi conta que a escola trabalha com o sistema americano e com aulas, obviamente, em inglês. Não importa o nível do aluno, ele é capaz de ingressar no sistema. "Temos um programa de imersão total. Quando chegam, a maioria tem ao menos uma base. Daí, partimos com aulas adicionais de inglês de apoio. Além disso, matemática, ciência, história, tudo em inglês. No começo é custoso, por isso, avisamos os pais. As notas não vão ser muito altas. Depois que se adaptam, eles crescem muito mais rápido do que se fosse um programa bilíngue. Em seis meses se soltam", explica o coordenador.
"Às vezes, reunimo-nos com os alunos que se dão conta de que não vão ser o próximo Nadal e se frustram. É importante apoiá-los para que saibam que não é o final. Se continuam com um bom nível de tênis e também bom nível acadêmico, podem jogar em uma boa equipe nos Estados Unidos. 98% dos nossos alunos conseguem bolsas. Sempre podemos encontrar a universidade e equipe que se adaptem às características de cada aluno", garante Lizardi, que conclui: "Aqui trabalhamos para que os alunos possam conseguir seus objetivos sem sacrificar algumas coisas, tendo que decidir entre tênis ou escola. Aqui ele faz as duas coisas de modo que funcionem".
Quando nos deparamos com uma organização que funciona tão bem integrada quanto a Sanchez-Casal ficamos pensando como seria quase impossível reproduzi-la. Onde mais alto rendimento, educação, psicologia, preparação física, nutrição, hotelaria e logística de viagens poderiam andar em tamanha sintonia com respeito mútuo entre as áreas e foco total na formação do atleta?
A adoção do inglês como língua oficial numa academia na Espanha rapidamente se explica à medida em que vamos encontrando e conversando com jovens da China, Índia, Brasil, Espanha, Rússia e tantos outros lugares em cada mesa do refeitório, dormitório, sala de aula ou quadra nessa verdadeira "Nações Unidas" do tênis.
Embora para as famílias brasileiras o investimento seja elevado e o fardo emocional de enviar um filho para viver longe de casa também, para os jovens da Sanchez-Casal se abrem as possibilidades de ser um atleta de elite e seguir sua carreira profissional, ser um excelente tenista e aluno e ganhar bolsa de tenista numa universidade de primeiríssima linha, e também ser um excelente tenista ou excelente aluno e conseguir uma bolsa de estudos numa boa universidade.
MENTALIDADE BRASILEIRACom tantos jovens de tantas nacionalidades diferentes, Joan Ribas, coordenador do departamento de treinamento de habilidades mentais da Sanchez-Casal, faz uma análise dos diferentes perfis mentais dos atletas, incluindo os brasileiros: "Quando vem um menino ou menina brasileiros para treinar, pode-se ver que normalmente eles são muito bons tecnicamente, jogam muito fácil, mas, no que se refere ao espírito de luta, de sacrifício, aí os espanhóis ou argentinos têm um pouco mais elevado. Os espanhóis não serão tão bons tecnicamente, mas, no aspecto mental, é nosso ponto forte. Argenti nos e espanhóis em nível mental são parecidos". "Na Europa, em países que passaram por guerras recentes, depois de algum tempo sai um jogador de grande nível profissional. Como na ex-Iugoslávia. Veja os sérvios. As pessoas que vêm da Rússia, geralmente passam mal em seu país e vão ao tênis como uma opção de saída, de vida melhor no futuro. A economia influencia muito no tenista, pois há um gasto econômico. Se o tênis é sua única opção, suas caras são outro tipo de caras, de ambição, de garra. O dinheiro facilita muito as coisas", afirma. |
DICA PARA OS BRASILEIROSCarlos Lizardi conta que muitos brasileiros chegam bem preparados à escola, porém, às vezes, há um problema: o calendário escolar. "No Brasil, as aulas começam em fevereiro e terminam em dezembro. Nós começamos em setembro e terminamos em junho. Essa diferença cria um lapso. E eles não podem perder seis meses, tem que repetir seis meses para cumprir os requisitos da bolsa. E um dos requisitos é que não pode haver interrupção nos estudos. É importante que os pais entendam isso", alerta. |