As exigências repetitivas no esporte tendem a desequilibrar o aparelho locomotor como um todo, por isso é importante reorganizar os grupos musculares
Maria Luisa Afonso De André em 5 de Setembro de 2007 às 13:57
IMAGINE UM LINDO GRAMADO, extenso e intacto. Agora, imagine que meiadúzia de pessoas o atravessam todos os dias, cada uma por um caminho diferente e cada uma pelo mesmo caminho todos os dias. O que acontece? Com o tempo, a grama naqueles lugares ficará mais rala e trilhas se formarão. Em nosso aparelho locomotor acontece algo similar. Temos um repertório de movimentos e gestos que utilizamos regularmente de acordo com as atividades que desenvolvemos. Os músculos e outros tecidos ativados para gerar os movimentos habituais ficam "marcados", registram essa solicitação repetitiva ao longo do tempo sob a forma de modificação em sua textura, consistência, elasticidade, comprimento, aparência, contornos e proporções. Nas exigências físicas mais acentuadas, caso dos esportes, essas transformações são profundas e, se não neutralizadas, terminam em lesões. Além disso, todo o restante do aparelho locomotor é também afetado, fazendo com que, muitas vezes, problemas surjam distantes do local de sobrecarga, pois nossos músculos funcionam como os elos de uma longa corrente. O deslocamento de um deles repercute em todos. O encurtamento de certos músculos muito solicitados desequilibrará em cadeia todos os outros de maneira mais ou menos acentuada e implicará também em um desequilíbrio nas articulações entre os ossos, já que os músculos neles se inserem. Esses desarranjos, se não retificados regularmente, podem se fixar e gerar dores mais ou menos crônicas até artroses, hérnias-discais e desvios posturais.
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É importante que, paralelamente aos cuidados imediatos antes e depois da quadra, comentados no artigo anterior, seja realizado um trabalho regular de reorganização do aparelho locomotor como um todo. Como se ele fosse um tecido que foi amarrotado e deformado pelo uso e precisasse de uma repassagem geral a ferro quente! Para esse fim, técnicas que atuam diretamente sobre as cadeias musculares são as mais indicadas. É interessante fazer semanalmente uma sessão com orientação profissional. Uma vez o trabalho assimilado, é possível continuar se tratando sozinho. Nos casos em que já há lesão, o acompanhamento é imprescindível. Desenvolvemos a seguir uma seqüência de movimentos que, se feitos corretamente, podem ser um começo nesse trabalho de reorganização. Pratique-a no momento que desejar, independentemente do horário de jogo, de uma a três vezes por semana.
EXERCÍCIOS
1. Deite-se no chão recoberto por tapete, carpete ou colchonete. Os braços ao longo do corpo e as pernas estendidas. Num primeiro momento, feche os olhos e procure perceber as sensações corporais. Por exemplo: regiões do corpo que tocam/não tocam o chão, alinhamento/desalinhamento dos segmentos corporais, conforto/desconforto de uma ou mais regiões, compare as diferenças de sensação entre os dois lados do corpo, sua respiração. Enfim, pare para se perceber. Tudo começa pelo não fazer e observar. Isso já coloca em movimento o processo de reorganização e rearticulação do corpo.
2. Flexione os joelhos e segure-os pelas laterais com as mãos. Joelhos e pés não se tocam durante o movimento, só o fazem quando o corpo estiver de lado. Role controladamente todo o corpo para um dos lados, num só bloco. O pescoço deve permanecer sempre relaxado, a cabeça rolará sobre o chão. Ao chegar à lateral, repouse a perna de cima sobre a de baixo, sem largar os joelhos. Fique assim um momento, solte bem o corpo. Em seguida, a perna de cima dá um grande impulso e faz com que o corpo role sem esforço para o lado oposto. Repita isso, de um lado ao outro, várias vezes. Atenção para não bloquear a respiração.
Observação: daqui em diante, é importante que você faça uma pequena pausa entre um movimento e outro, com as pernas estendidas e os braços ao longo do corpo, para perceber as novas sensações trazidas por ele e para que o organismo o assimile.
3. Flexione os joelhos e posicione as plantas dos pés paralelas apoiadas sobre o chão, joelhos apontando para o teto, na mesma distância dos pés. Um braço se mantém ao longo do corpo, o outro é elevado em direção ao teto no alinhamento do ombro, com a palma da mão voltada para o corpo. O braço fica estendido, porém sem tensão, o ombro relaxado sobre o chão. Ao expirar, movimentar o braço em direção ao teto, mobilizando também e tirando do chão o ombro e a omoplata. Ao inspirar, volte o braço à posição neutra. Repetir de 5 a 8 vezes. Retorne esse braço ao longo do corpo e retome com o outro. Faça uma pequena pausa e então retome o movimento com os dois braços ao mesmo tempo.
Observação: se sua região cervical (atrás do pescoço) estiver desconfortável com a cabeça sobre o chão, ou muito encurtada, apóie-a sobre um livro.
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4. Joelhos flexionados e pés posicionados como no movimento anterior. Leve um joelho a meio caminho do tronco e segure-o com os dedos das mãos entrelaçados. O outro pé deve apoiar bem sobre o chão, com o joelho apontando para o teto. Ao expirar, pressione a planta do pé um pouco mais forte sobre o chão, ao mesmo tempo contraia o períneo (se não souber fazer isso não faz mal, faça o restante), encolha um pouco o abdômen (como se fosse encostar o umbigo nas costas) e puxe o joelho em direção ao tronco até sentir pequena tração. Ao inspirar, relaxe os esforços. Depois de 5 a 8 vezes, retome o movimento com a outra perna.
5. Joelhos flexionados, pés bem afastados e paralelos, braços em cruz relaxados. Deixe os joelhos descerem controladamente em direção ao chão para um dos lados, a cabeça rola ao mesmo tempo pelo chão para o lado oposto. Relaxe alguns momentos nessa posição, abandone bem as pernas. Traga os joelhos de volta ao centro numa expiração, contraindo o períneo e encolhendo o abdômen. A cabeça volta ao mesmo tempo para o centro. Alterne o movimento para um lado e para o outro.
6. Material: uma bola de tênis. Joelhos flexionados, pés paralelos com as plantas sobre o chão, braços ao longo do corpo com as palmas das mãos voltadas para o chão. Posicionar a bola de tênis entre a palma de uma das mãos e o chão. Relaxar o ombro e o braço. A cabeça deve manter-se no eixo. Ao expirar, dedilhe a bola em direção ao pé, sem deixar que o cotovelo perca o contato com o chão. Você deve sentir que todo o braço e o ombro são mobilizados em tração. Ao inspirar, dedilhe a bola de volta. Após as primeiras repetições procure manter o ombro próximo ao chão ao ser tracionado. Depois de 5 a 8 repetições, afaste o braço a 45º do corpo, leve a bola junto. Faça o mesmo movimento com o braço nessa posição. Depois, abra o braço em cruz e repita. Em seguida, mesma seqüência com o outro braço.
7. Pernas estendidas, braços ao longo do corpo.
a. Volte a ponta de um dos pés em direção ao teto. A articulação do quadril, o joelho e o pé devem manter-se alinhados. Ao expirar, estique progressivamente esta perna, o calcanhar puxa o alongamento, sem perder o contato com o chão. Você deve sentir que toda a extensão da perna e coxa é solicitada. Talvez você sinta tração até a região do quadril. Na inspiração, relaxe a tração progressivamente. Tanto o "esticamento" como o relaxamento devem ser progressivos da posição de menor para a de maior tensão e vice-versa. Repita de 4 a 5 vezes. Relaxe a perna em seguida e retome com a oposta.
b. Depois das duas pernas, vamos trabalhar com os braços. Posicione um deles no chão acima da cabeça, no prolongamento do corpo, palma da mão voltada para o teto, dedos estendidos. Ao expirar, estique progressivamente este braço, procurando não afastá-lo do chão. Imagine que cinco fios puxam os dedos pelo chão. Ao inspirar, relaxe o esforço progressivamente. De 4 a 5 vezes e repita com o outro braço.
c. Agora, coloque uma perna e o braço do mesmo lado na posição a e b, respectivamente. Faça o movimento da perna e do braço ao mesmo tempo, cuidando para manter as costas próximas ao chão. Depois, o outro lado.
d. Faça o movimento com uma perna e um braço opostos.
e. Finalmente, faça o movimento com as duas pernas e os dois braços ao mesmo tempo. Empurre bem as costas contra o chão. Faça esta fase com cuidado e delicadeza, pois é uma tração forte. Obs: este movimento é precioso, vale a pena realizá-lo com vagar e cuidado.
8. Para terminar, retome o exercício 2.
A seqüência não terminou. Continuaremos a desenvolvê-la no próximo mês. Mas já é bastante para você ter benefícios daqui até lá. Divirta-se e escreva se tiver dúvidas.
Maria Luisa de André, formada em Educação Física e pós-graduada em fisiologia do exercício pela USP, é especialista em Ginástica Holística e RPG. incorpore@marialuisa.com.br |