Ingressar no Hall da Fama consagra o que Guga fez dentro de quadra, mas a importância dele para o tênis brasileiro e sua influência nos rumos do esporte vão muito além do que ele conquistou dentro das quatro linhas
Arnaldo Grizzo em 20 de Agosto de 2012 às 14:38
SÃO APENAS 220 NOMES apontados como os maiores do esporte desde 1955. Até o dia 13 de julho, havia apenas um nome brasileiro. Simplesmente Maria Esther Bueno, que havia sido indicada para Hall da Fama do tênis em 1978, 10 anos depois de seu último título de Grand Slam, nas duplas no US Open. No dia 14 de julho, mais um nome entrou na lista, Gustavo Kuerten.
A cerimônia, como sempre acontece, foi repleta de emoção. Guga chamou a mãe, Alice, para discursar e falar de sua carreira. A genitora sabidamente preferiu falar do garoto que viu crescer muitas vezes longe dela, aquele menino de cabelo revolto e sorriso fácil que, aos 20 anos, ainda inexperiente apesar das lições que a vida já havia lhe dado, encantou o Brasil e o mundo não só com sua conquista em Roland Garros, mas com seu carisma. Acertadamente, ela não quis falar de sua vida dentro das quadras, mas da de fora delas, que foi tão ou mais rica e acabou influenciando decisivamente nos rumos do tênis no Brasil.
Em 1997 e nos anos seguintes, numa era já completamente midiática, Guga conseguiu fazer o que os sete títulos de Grand Slam de Maria Esther na década de 1960 deveriam ter feito pelo tênis brasileiro: transformado-o. De repente, o País descobriu que havia um esporte chamado tênis, as bolinhas amarelas viraram febre, o termo tiebreak precisou ser explicado e reexplicado (como se fosse dar uma aula do que é impedimento para quem não acompanha futebol) e a contagem de 15, 30, 40 nunca foi tão questionada ("Não deveria ser 45?). Ao mesmo tempo, gente que havia aposentado a raquete e gente que jamais havia visto uma de perto foram para as quadras.
Aí foi apenas o primeiro momento em que Guga influenciou o esporte. Obviamente que era necessário começar de dentro para fora. Ou seja, com uma conquista relevante. Depois, era preciso tomar os rumos certos, fazer as conexões precisas, cultivar a personalidade para poder se tornar um líder, não só dentro de quadra, mas fora dela também. Aí, nesse ponto, o caráter forte da mãe e especialmente de Larri Passos contribuíram para que logo aquele garoto tivesse uma postura madura, sem medo de tomar as rédeas da sua vida e do que estava acontecendo ao redor.
Infelizmente, apesar de seu carisma e de seu vanguardismo, não dava para pensar no tênis brasileiro estruturalmente enquanto também precisa se concentrar na carreira. E seu foco seria somente esse, se, em 2004, já com o quadril machucado (havia feito a primeira cirurgia em 2002 e estava prestes a fazer uma nova), não houvesse uma reviravolta política.
Com Guga já um pouco debilitado, o time brasileiro da Copa Davis foi rebaixado para o Zonal Americano no fim de 2003 após um derrota para o fraco Canadá. Era a primeira vez desde 1996 que o Brasil não estava no Grupo Mundial. Nesse momento, uma atitude desastrada do então presidente da CBT, Nelson Nastás, que afastou o capitão do time, Ricardo Acioly e colocou Jaime Oncins sem consultar os jogadores, causou um estardalhaço.
Guga, irritado com a atitude e nesse período já percebendo que, apesar de seus esforços, o tênis brasileiro não evoluía como ele certamente teria imaginado (bastava perceber que, anos depois de seu "surgimento", a equipe brasileira da Davis não tinha um número dois à altura, desde que Fernando Meligeni havia se aposentado). Assim, Kuerten decidiu boicotar a Davis e, sendo ele quem é, todos os outros tenistas se juntaram.
Com a mídia em cima, a gestão de Nastás foi questionada e ele, forçado a deixar o cargo para entrar uma nova diretoria com Jorge Lacerda, que está até hoje no comando da Confederação. Involuntariamente (ou não), essa foi mais uma participação decisiva de Guga nos rumos do tênis. Mesmo sem tomar parte na política, ele acabou gerando o que estamos vendo hoje.
Assim que a poeira baixou, as coisas se assentaram, a CBT ganhou corpo e os projetos começaram a engrenar, Guga, mesmo aposentado, passou a ser visto com cada vez mais frequência nos confrontos da Copa Davis para apoiar a equipe e usou de seu carisma para apresentar projetos no Ministério do Esporte, além de investir em torneio para juvenis.
Recentemente, os Correios, principal patrocinador do tênis no Brasil, fechou parceria com o catarinense para que ele seja a cara, o embaixador, a fonte de inspiração do tênis nacional (algo que ele nunca deixou de ser na verdade, mas que, enquanto ele ainda estava na ativa, não era seu foco), ajudando a fomentar o esporte em várias frentes. O estreitamento de seus laços com os projetos e a CBT realiza um dos "sonhos" dos apaixonados pelo tênis, que é o da verdadeira união (de tenistas e dirigentes) em prol do crescimento da modalidade, pois ninguém melhor do que Guga para promover um esforço coletivo.
Quais rumos vamos tomar daqui em diante? Nesse momento, essa pergunta deve atiçar os pensamentos do tricampeão de Roland Garros, como sempre aconteceu, mas nunca talvez tenha sido tão explícita. Se vamos para a direção certa, boa parte também vai depender de suas "jogadas" (no bom sentido), só que dessa vez em outro campo.