Duplista de 22 anos de idade conversou com a Revista Tênis durante a Fed Cup
Por Vinicius Araujo e Pedro Castelo em 5 de Março de 2020 às 18:04
Crédito: Green Filmes
A brasileira Luisa Stefani vive o melhor momento da carreira no circuito mundial do tênis. Aos 22 anos de idade, Luisa está focada nas duplas, ao lado da sua parceira norte-americana Hayley Carter. Recentemente, os bons resultados culminaram no salto em seu ranking, atualmente #46 do mundo na WTA em duplas (no ranking de 02/03/2020).
Em bate-papo exclusivo com a Revista Tênis durante a Fed Cup, em Florianópolis, Stefani contou sobre como começou no mundo do tênis, sua mudança para os Estados Unidos, o circuito universitário, a transição para o profissional, as dificuldades em encontrar uma parceria fixa e como vieram os primeiros títulos. Confira:
Eu comecei a jogar com uns dez anos de idade. Primeiro na escolinha, brincando na quadra poliesportiva. Praticava vários esportes, fazia natação, futebol, os esportes de escola normal, vôlei, basquete. Fazia tae-kwon-do que eu adorava também. E aí, um dia, a gente foi para a praia numas férias e a gente estava jogando frescobol, eu e a minha mãe e meu irmão, a gente era bem pequeno, dez anos de idade e minha mãe era muito descoordenada, não conseguia jogar direito com a gente. Daí ela falou: “Eu quero brincar mais”. E aí ela se inscreveu numa academia de tênis, chamada B Sports e foi lá que a gente começou.
Eu tenho irmão mais velho, chamado Artur e ele também joga. A gente começou fazendo aula uma vez por semana. Depois a gente começou a gostar mais, virou duas vezes por semana. Depois a gente tentou cada vez mais. E aí como ia faltar tempo durante a semana, eu comecei a decidir entre os esportes, então eu tive que parar alguma coisa e eu queria continuar no tênis, então eu acho que quando estava com onze, doze, eu já joguei o meu primeiro Torneio Paulista em São Paulo. Eu lembro que os meus pais deram de presente de Natal a inscrição na Federação Paulista pela primeira vez, a gente ficou animado, acho que foi um dos presentes mais legais.
Na época a gente jogava os Torneios Paulistas todos os finais de semana. Depois teve um projeto da Moura Brandão que chamava Menina de Ouro, ela e a Samanta Varejan. Era tudo muito arrumado e organizado. Eu fiquei treinando com a Mona um bom tempo. E aí, com catorze anos de idade, meus pais decidiram mudar para os Estados Unidos para treinar em Tampa. Eu já tinha ido para a Flórida com a B Sports, passei uma semana treinando e gostei muito.
Minha estava querendo sair de São Paulo, meus pais queriam mudar a qualidade de vida, dar mais oportunidade para mim e para o meu irmão estudarmos fora e para jogar mesmo, para pegar experiência do tênis americano que era muito mais forte do que no Brasil. Ainda é, na verdade. Então a gente foi para lá. E, quando a gente teve essa oportunidade, a gente pegou, tipo, de braços abertos, uma mudança grande, deixamos família, deixamos casa, vendemos tudo no Brasil e fomos para os Estados Unidos. Acho que lá foi uma das transições mais importantes para a minha carreira no tênis e de amadurecimento e crescimento. Fui com a minha família, mas, ao mesmo tempo, tudo era diferente, o estilo de jogo, a cultura, não falava bem inglês, então foi uma mudança bem drástica.
A partir disso foi passo a passo. Eu ainda jogava Cosat na América do Sul. Quer dizer, eu joguei Paulista, depois eu joguei Brasileiro, depois eu joguei Cosat. Depois eu comecei a jogar os ITFs porque eu não podia jogar os nacionais grandes americanos. Então, viajei o mundo todo jogando ITF juvenil que acabei indo bem, ainda mais nas duplas, o ranking era junto, então isso foi bem legal, uma experiência incrível jogando os Grand Slams Juvenis. Eu acho que isso também me ajudou a desenvolver muito o meu tênis e ver o nível de tênis mundial naquela época. Chegou um momento que eu tive que tomar a decisão se eu ia querer jogar direto o circuito profissional ou ir para o tênis universitário, que é muito grande nos Estados Unidos.
Luisa com seus avós e sua mãe, em Florianópolis / Crédito: Green Filmes
Foi uma decisão bem difícil no momento porque eu sempre quis jogar profissional. No momento que cresceu a minha paixão pelo tênis, eu tinha um objetivo, eu tinha o sonho de ser número um do mundo, ganhar Grand Slam de simples, dupla, tudo, então na hora que chegou a decisão: “Putz, eu vou para o tênis universitário ou não?”, meio que tive alguns meses estressantes ali na época, mas eu acho que estando nos Estados Unidos visitando algumas faculdades, eu consegui ver um pouco mais de como é a vida. E eu acho que, do Brasil, eu não tinha essa noção do quão grande é o esporte universitário lá e o quanto eles valorizam e apoiam os jogadores.
Além disso, eu não estava financeiramente estável suficientemente para bancar um calendário inteiro com treinador, academia, viagem, tudo. Então, era um pouco assustador esse pensamento: “Vou arriscar, tem uma oportunidade.”. Naquela época, no ano em que eu estava indo para a faculdade, eles estavam com uma nova regra da NCA, que é a entidade que controla tudo do tênis universitário, onde eu poderia estar lá por um ano e podia trancar e ter a minha bolsa completa para os quatro anos para pegar o meu diploma. Então, por mais que eu saísse depois de um ano jogando pela faculdade, eu ainda poderia voltar para qualquer universidade que estava me recrutando naquela época. Como os resultados não estavam sendo muito bons, eu optei por arriscar. Na verdade, não teve decisão certa ou errada, mas eu arrisquei nesse plano B, confiei no treinador da minha faculdade.
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Eu acho que desde o juvenil eu sempre tive muito mais facilidade e naturalidade com a dupla. E eu acho que era só uma questão de tempo para eu conseguir desenvolver meu jogo, botar para fora e começar a jogar e entrar, vamos dizer, entre os 100 melhores ou entrar até onde eu quero chegar. Na simples, perdia na primeira e segunda rodada, às vezes furava o quali, às vezes não. E, na dupla, de uma maneira ou outra, ou estava ganhando ou final, semi. Sempre ia mais longe. Então, quando o ranking começou a ficar muito diferente, deu aquela vontade mais de jogar os torneios maiores e aproveitar esse embalo, porque é bom ganhar. Digo, quem gosta de perder?
Meu ranking de duplas começou a subir mais e mais e mais, meu ranking simples começou a cair. E aí com essa diferença de ranking, eu ainda sentia que eu estava perdendo alguns jogos no detalhe e que nem sempre era culpa minha. Eu sentia que eu estava no caminho certo, no meio do ano, ainda mais que eu estava trocando de várias parceiras. Tem um monte de coisa na dupla que você não está totalmente sob controle. Tem muita coisa que não depende só de mim. Então, eu sentia que eu estava treinando bem, estava no caminho certo. E, às vezes, perdia no detalhe. Talvez era a primeira vez jogando com uma parceira, mais difícil e tal.
Foi aí que a Hayley (Carter), a minha parceira atual, me falou: “Você quer jogar os torneios da Ásia?” Eram quatro torneios seguidos. Eu falei: “Tá, vamos testar”, porque foi mais na segurança de ter uma parceira definida para o resto do calendário. Antes disso, eu estava decidindo parceira um mês antes ou três semanas, duas semanas, sempre nessa dúvida. E uma coisa que eu aprendi agora na carreira é que dúvida é um dos piores inimigos do tenista. Quando eu combinei de jogar com ela, eu tirei essa dúvida e pensei: “Não importa o que eu vou fazer pelas próximas duas semanas, ganhando ou perdendo, eu sei que eu vou para a Coreia, Uzbequistão, Lins e Luxemburgo. Eu vou jogar com a mesma menina”. E eu achava ela muito boa.
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Na faculdade. Ela foi muito boa jogadora no universitário. A gente jogou contra em simples, em dupla, algumas vezes. No profissional também. Eu não gostava de jogar contra ela, eu achava que ela era muito difícil, ela vê o jogo muito bem e tem uma noção de quadra muito boa. E aí jogando contra me incomodava. E é o que você quer para o seu lado. Então a gente já tinha conversado. “Vamos jogar qualquer hora”, mas nunca dava muito certo. Ela estava com a parceira, sempre jogando com uma, eu estava também. Enfim, finalmente a gente conseguiu, fomos para a gira da Ásia. A gente enfrentou as principais logo de cara, que era a Ostapenko e a Flipkens, Tops 30 na época. A gente fez um grande jogo, ganhamos. Primeiro jogo, estreia, nunca tinhamos jogado juntas. Foi ótimo. Chegamos até a final naquele torneio, acabamos perdendo 10-8 numa decisão bem disputada. Mudou para indoor, um monte de coisa diferente, mas foi uma semana incrível. A gente adorou. Também era a primeira final minha, em WTA. Então foi realmente uma semana grande. E aí quando a gente foi para Tashkent, a gente estava com esse gostinho de: “Nossa, a gente vai ganhar assim".
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Acho que o Australian Open é o meu torneio favorito. Depois desse ano, mais ainda. Antes eu já gostava muito, porque eu joguei lá no juvenil, mas eu acho que a gente não teve um começo de ano bom. A gente jogou dois torneios antes de Melbourne e a gente perdeu nas duas primeiras rodadas. Então, eu acho que uma das coisas mais legais de Melbourne em si, do torneio, é que o Grand Slam tem uma energia diferente, é uma vibe completamente diferente.
Óbvio que aconteceram muitas coisas tristes lá na Austrália este ano, com os incêndios e tal. Realmente afetou todo mundo. Você põe as coisas em perspectivas e vê que tênis é um esporte, a gente está lá para jogar, para um evento. Mas, fora isso, o país estava em chamas, um monte de pessoas sofrendo, animais sofrendo, então acho que isso você põe as coisas em perspectiva, você vê todo mundo tentando ajudar de alguma forma. Foi lindo de ver o mundo do tênis apoiando toda a situação da Austrália que estava passando um momento difícil.
Fora isso, eu cheguei lá uma semana antes. O lado bom da gente ter perdido cedo nos outros torneios é que eu consegui chegar lá com bastante antecedência e me adaptar com o clima. Você vê muitos jogadores diferentes, tem muita coisa acontecendo, tem muita gente, todos os familiares, muitos amigos, então é bem cheio.
Os treinos antes dos jogos eu acho que fazem muita diferença, então a gente jogou vários sets em jogos de treino antes de realmente competir e acho que isso fez uma grande diferença de estar pronta. Antes do primeiro jogo, a gente se sentia pronta, a gente sabia que a gente podia jogar. Passando a primeira rodada, foi a minha primeira vitória em Grand Slam e foi muito legal. Primeira vitória do ano também depois de duas duras nas semanas anteriores. Foi uma experiência incrível, não dá para explicar. E aí a gente ganhou de duas cabeças que jogavam final de Roland Garros, não sei, são finalistas de Grand Slam. E a segunda rodada tecnicamente não seria tão dura quanto a primeira, então aí que é perigoso. Você acaba de ganhar um jogo muito grande e você deixa isso tudo te consumir. É muito fácil de deixar para trás, de deixar de focar no momento. Mas acho que a gente continuou firme, fizemos um ótimo segundo jogo.
As oitavas também. Foi um jogo que a gente sabia que ia ter que jogar bem, sabia que ia ter que fazer o que a gente estava fazendo, mas a gente acreditava que dava muito para ganhar e surpreender. E foi por pouco, mas ali acho que a gente aprendeu mais do que nos outros jogos que foi essa diferença de detalhe nos pontos importantes no final do jogo quando chega a estar empatado ali, que elas fizeram bem, melhor do que a gente, não sei, eu não gosto de culpar a inexperiência, mas realmente acho que quando você perde jogos assim, você aprende muito mais porque você não quer ter esse mesmo sentimento de dor e de, tipo, deixei de fazer isso, deixei de fazer aquilo.
Outra coisa legal de estar no refeitório ou estar na academia e ver os grandes jogadores treinando. Eu estava aquecendo um dia e o Rafa Nadal também estava lá aquecendo. De boa, assim, entra com o time e faz os aquecimentos. Aí eu não queria ficar encarando, mas ele fazia umas coisas legais. Tinha aquele exercício de máquina de quadríceps e ele ficou lá segurando, não sei quanto tinha de peso, mas uns dois minutos segurando. E o músculo dele, assim, para fora. Só para aquecer. Achei muito legal. Dá para ver que os caras são humanos, dá para ver que todos os grandes jogadores, a Serena, no feminino, o Rafa, o Federer, quem seja, eles são humanos, são normais. São pessoas, a maioria é bem simpática. Obviamente, cada um faz o seu, ainda mais no Grand Slam. Você tem que estar nesse foco.
Não vou dizer que tem uma inspiração, assim, que eu quero jogar igual a alguém, mas eu sempre gostei muito da Kim Clijsters. Vai ser legal se ela voltar a jogar, vamos ver como que vai ser isso. Mas também eu gostei muito quando a Ashleigh Barty virou número um do mundo e está indo tão bem. Ela tem um estilo de jogo diferente, ela usa mais slice, ela dá mais drop, ela vem para a rede. Ela joga muito mais variado do que uma Muguruza por exemplo. Então eu acho que isso está voltando, não sei se está voltando para o tênis feminino, mas muito mais jogadoras estão indo bem, estão fazendo coisas diferentes.
E eu acho que isso é o meu estilo de jogo que eu me identifico mais. Eu gosto do saque, eu gosto muito de subir para rede. É o que eu faço de melhor. Então, essa variação de jogo, para mim, não é só o que eu faço bem, que eu gosto de fazer, mas também o que eu gosto de assistir. Então, acho bem legal que tem variado bastante as meninas que estão no topo o estilo de jogo. A Sofia Kenin também é outro exemplo que tem usado bastante a curtinha, tem um jogo mais variado, diferente. Então, eu acho que na Austrália deu para ver bastante isso.
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Eu acho que essa semana tem sido um pouco diferente, porque é muito recente esse novo ranking. Eu não sei se caiu a ficha ainda. Eu acho que eu estava meio que esperando. Quando eu estava sessenta do mundo já foi: “Ah, meu, é muito legal” Mas, ao mesmo tempo, eu sinto que eu estava esperando. Foi meio que uma questão de tempo. Eu sabia que eu estava confiante o suficiente para saber que se eu jogasse bem com a minha parceira, se a gente continuasse fazendo o que a gente está fazendo, a gente pode ir muito mais longe. Então, esse Top 50 é legal.
Eu estou feliz, estou orgulhosa com isso, mas eu acho que não pode deixar me afetar. Eu cheguei nesse ranking porque eu tenho feito as coisas certas, porque eu tenho trabalhado duro, porque eu tenho jogado, tenho botado a cara a bater nos torneios. E a gente tem competido para isso. Então acho que manter esse foco no meu jogo mesmo, na minha performance, nos meus treinos e onde eu quero chegar mais só do que nesse ranking, porque ranking é só número.
Na Fed Cup, tudo é diferente. Para garantir o ponto da dupla, com certeza eu acho que a gente tinha a capacidade. Iria ajudar, mas, ao mesmo tempo, a gente é um time, então conta com todo mundo. A gente precisava empatar a simples e ter a responsa de ter definido na dupla. Acredito que eu e a Laura estávamos preparadas. Mas infelizmente não deu.
Uma das coisas mais legais também que eu aprendi no universitário, é quando você joga para um time e quando você joga por uma coisa maior você tem um feeling diferente. E eu vou aproveitar cada momento, ganhando ou perdendo. Eu sei que fiz de tudo para competir em Florianópolis e que a gente mereceu essa condição.
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Eu estou muito ansiosa, na verdade. Acho que, desde o ano passado, sempre tem uma gira ou uma coisa que eu estou sempre animada, ansiosa para ir. A gente jogou Dubai e Doha. E a agora a gente joga Indian Wells e Miami, que a gente garantiu lá pelo ranking. Então, estou muito feliz, acho que são dois torneios que eu sempre quis jogar, principalmente Miami, porque quando eu mudei para os Estados Unidos, fiz um teste para boleira do torneio e fui negada. Na verdade, tinha pouca vaga para muita gente. Eu sempre pensei: “Um dia eu quero voltar para jogar lá a chave”.