Às vezes olhamos para tenistas como Roger Federer e pensamos que é preciso ser impecável nos golpes para entrar em quadra. Será mesmo?
Por Elson Longo em 12 de Julho de 2017 às 14:12
Um dos grandes fantasmas, que assombra tenistas de todas as partes, refere-se às questões técnicas. A crença que o êxito na modalidade depende de golpes perfeitos, movimentos milimetricamente alinhados com o modelo biomecânico e execuções impecáveis, ressoa como uma premissa para o sucesso. Talvez um pouco da culpa disso atualmente seja de Roger Federer, que virou sinônimo do tênis perfeitamente jogado nos últimos 10 anos.
Para “piorar” a situação, hoje em dia, grande parte do conteúdo encontrado na internet referente ao tênis, relaciona-se com os gestos de golpeio e suas nuanças. Livros, cursos e aulas não ficam atrás como mais uma opção para se atingir melhores movimentos. Até mesmo a Revista TÊNIS busca trazer dicas para aprimorar a técnica de seus leitores.
Mas, nessa busca constante – que acompanha os primórdios do tênis –, em certo momento, você pode se deparar com a seguinte questão: “É preciso ter técnica perfeita para poder jogar?” Antes de responder essa capciosa questão, vamos analisar um pouco a “técnica do tênis”.
A técnica no tênis reside no conjunto de ações motoras realizadas para se golpear a bola em suas mais diversas situações, assim como para se movimentar em quadra. Portanto, ela compreende desde a empunhadura até a terminação de um golpe, desde a saída para a bola até o retorno após o golpeio. A técnica é o “como fazer” – as infinitas maneiras de jogar e se movimentar. A técnica adequada sempre vai apontar para a melhor maneira de se fazer cada etapa das ações envolvidas no jogo.
Como o próprio nome diz (com forma), a conformidade permeia a forma de um golpe. Sua plasticidade. Não importa o quanto o resultado do golpe é bom ou ruim, o realmente relevante é o quanto ele se aproxima do modelo biomecânico, o golpe ideal. Os ângulos dos segmentos do corpo em cada etapa da execução, as amplitudes e o ritmo, sempre procurando estar alinhado com um padrão estabelecido. A conformidade garante a melhor maneira de se golpear a bola com o menor gasto de energia e o menor risco de lesão. É o que, no dia a dia, observamos quando notamos que alguém bate bonito, ou que um golpe é limpo, que a bola anda fácil.
É o que muitos buscam em aulas particulares e horas na internet observando vídeos em slow motion dos melhores jogadores do mundo.
Não é difícil prever que um jogador com técnica inferior, porém mais treinado e fisicamente melhor será superior em quadra
A técnica é importante, mas ela não é o único fator a definir um jogador
Mas esse golpe tão charmoso é eficaz? Entende-se por eficácia técnica o resultado do golpe – se ele é fundo, consistente, potente, variado e consegue colocar seu executor em vantagem. O que importa é o resultado da ação e não como ela é feita. E agora surge um personagem que altera a busca romântica pelo golpe perfeito. Quem já não perdeu para aquele cara “todo torto”. Não resta dúvida que as piores derrotas que nos são decretadas vêm pelas mãos desses tenistas de golpes esquisitos, heterodoxos. O que muitas vezes não estamos preparados para ver é que, por traz dessa estranheza, reside uma produção eficaz de golpes: solidez, efeitos, direcionamento, potência, conferindo grande qualidade no jogo feio que condenamos. E isso não está limitado apenas ao tênis amador: já houve e ainda há muitos “feios” entre os melhores do mundo.
Ser eficaz é importante. Na verdade, é o que vai definir o nível de um jogador. Mas a que preço? Os movimentos que se afastam do padrão técnico seguramente sobrecarregam alguma parte do corpo. Tampouco são econômicos, acabam demandando mais energia e fatigando seu praticante. O maior risco de lesão pode encurtar uma carreira. Gastar mais do que se precisa também é uma limitação clara. Quando conseguimos o melhor resultado com o menor gasto de energia, com a melhor preservação de nosso corpo, somos eficientes. A eficiência técnica preza pela maneira mais adequada de se produzir um golpe, o que, por sua vez, cumpre seus objetivos na ordem do jogo. Rafael Nadal e Roger Federer são ambos extremamente eficazes, pois conseguem resultados incríveis com seus golpes. Mas Federer é muito mais eficiente, pois gasta menos energia e preserva mais seu corpo para atingir seus objetivos. Basta ver o histórico de lesão de ambos jogadores para constatar a melhor eficiência do suíço.
E por que então aquele jogador com golpes tão bonitos não tem resultados melhores? A conformidade em si não implica em eficácia. Ter um gesto motor correto é algo positivo, mas isso não significa que ele será preciso, sólido e potente. A precisão depende de muitas repetições, horas e horas de treino. A consistência obedece às mesmas regras. Potência está mais além. Além de volume de treino, depende das questões físicas do jogador. Há jogadores tão potentes fisicamente que conseguem grandes acelerações na bola, muito mais por suas virtudes físicas do que técnicas.
Assim, não é difícil prever que um jogador com técnica inferior, porém mais treinado e fisicamente melhor será superior em quadra. Algo que ilustra bem essa situação se encontra no tênis juvenil. Segundo a ITF, até 14 anos, o principal fator que define a qualidade dos jogadores é a técnica. Mas, a partir dos 16, o mental e o físico são mais importantes e serão os maiores responsáveis pela qualidade do jogador. Por isso, muitas vezes, vemos uma “estrela” dos 12 anos simplesmente desaparecer nos 18, quando seus companheiros tornar-se-ão mais fortes e mentalmente superiores.
A técnica é importante, mas ela não é o único fator a definir um jogador: há muito mais questões envolvidas. Devemos buscar padrões seguros de movimento, cuidar muito do físico e de nossas habilidades mentais. Criar bons padrões de jogo e ter boas decisões em quadra. Assim seremos eficientes.
CONSELHOS |
1. Jogadores sociais, devem estar muito atentos ao repertório técnico. Isso ajuda a evitar lesões e ser longevo no tênis. 2. Os jovens devem se preocupar com a técnica assim que estiverem iniciados. O ideal é chegar aos 14 anos com padrões técnicos superiores e bem consolidados. Depois dessa idade, os trabalhos técnicos são mais trabalhosos e custosos para o jogador. 3. É preciso lembrar que a técnica sofre grande transformação quando o jogador esta sob pressão competitiva. Um golpe tecnicamente correto pode traduzir-se em uma ação motora diferente e fora do padrão quando o jogador enfrenta um momento de muita tensão ou ansiedade durante a partida. Culpar o golpe é buscar a solução no lugar errado: deve-se melhorar as habilidades mentais do jogador. É a velha história da dupla-falta no último game do set, que erroneamente vende a imagem de que o saque não é bom. A técnica costuma pagar a conta dos erros, mas, em situações de competição, o vilão – que saiu sem pagar – quase sempre é o aspecto mental. 4. Procure desenvolver o jogo como um todo. Atenção à parte física, à aquisição e melhora das habilidades mentais e, principalmente, aprender e evoluir no universo tático do tênis. Esse conjunto, o global, é preponderante ao definir o nível de um jogador. Afinal, na complexidade do tênis, no fim das contas, não é preciso ter uma técnica perfeita para jogar. |