Numa década dominada por grandes estrelas, o corpo (força física) se tornou determinante nas vitórias
Matheus Martins Fontes em 20 de Maio de 2013 às 12:39
Foto oficial do ATP Finals 2010 em Londres. Nadal, Djokovic, Federer e Murray passaram a dominar o circuito masculino
QUANDO LANÇAMOS a primeira edição da Revista TÊNIS nas bancas, em maio de 2003, o tênis, como um todo, vivia uma fase de transformações. Gustavo Kuerten lutava por dias melhores após a primeira cirurgia no quadril, Agassi já passava da casa dos 30, Federer, sem levantar nenhum Grand Slam, já aparecia no top 10 e Serena era número 1.
Ao relembrar o top 10 dos dois rankings naquele começo de mês, reparamos que o circuito masculino, nessa lista, continha nomes que foram ou chegariam ao topo e tornaram o tênis uma taça cheia de possibilidades. Exemplo mais concreto dessa concorrência foi o saldo dos quatro Grand Slams ao final do ano - com quatro vencedores diferentes (Agassi, Ferrero, Federer e Roddick) e, até o ano passado, a última temporada que teve tal estatística. Quanto às mulheres, não foi muito diferente. Serena vinha de um 2002 mágico com quatro Majors (o chamado "Serena Slam"), mas encontrou naquela temporada as resistências da baixinha Henin em Roland Garros e no US Open, de Clijsters no Masters do final do ano e, ainda por cima, da rivalidade familiar diante da irmã Venus.
Dez anos mais tarde, as listas das entidades revelam poucos "sobreviventes" que marcaram território naquela data. Federer e Serena são os únicos. Só que, hoje, são poucos aqueles que conseguem manter um nível tão elevado para ficar no mesmo patamar dos dois, agora veteranos. Para facilitar, é só olhar os números atuais nos Majors e comprovar que, raramente, os títulos saem das mãos do top 4, entre homens e mulheres. Entretanto muitos fatores influenciaram para esse panorama se apresentar dessa forma na geração atual.
Por isso, nada melhor do que buscar a ajuda dos verdadeiros personagens, jogadores, técnicos, especialistas etc, para compreender o que é mais exigido em um atleta de ponta hoje em comparação há 10 anos, e por que poucos conseguem se sobressair e fazer parte de um grupo de elite cada vez mais oligárquico. Além, é claro, de rememorar alguns fatos inesquecíveis do tênis internacional e nacional, e arriscar uma previsão do que será do nosso esporte com essas novas exigências.
O tênis se destaca por ser uma modalidade de extrema complexidade, em que o atleta é submetido a uma sequência de esforços explosivos - chegar em bolas "impossíveis", resistir por várias horas dentro de quadra, lidar com as limitações do corpo - por um longo período e, mesmo depois disso tudo, deve encontrar uma maneira de se recuperar para a partida seguinte.
Na última década, vimos que a ATP determinou a diminuição da velocidade dos pisos, tornando o circuito mais uniforme. Com isso, jogadores de saibro, por exemplo, quase não tiveram problemas de ficar no fundo de quadra também nas velozes quadras de grama. Os pontos começaram a ser disputados e também definidos da base, reduzindo drasticamente o número de tenistas que mantinham um estilo de jogo de rede.
Portanto, criou-se a necessidade de o jogador ser, acima de tudo, um grande atleta para suportar a intensidade que a prática do esporte alcançou. Para José Nilton Dalcim, editor do site Tenisbrasil, a preponderância do estilo do fundo de quadra por grande parte dos tenistas acarretou em uma maior dependência do condicionamento físico. "Ao apostar mais nos golpes do fundo, os tenistas tiveram que investir nos músculos. Mais braço para forçar o saque, mais perna para trocar dezenas de bolas. O tênis assistiu a uma supervalorização do preparo físico, que deu velocidade e resistência jamais vistas aos jogadores em toda a história".
Com isso, os jogadores correm mais riscos de sofrer com problemas físicos e devem, como prevenção, adaptar sua técnica para não se despedirem antes da hora prevista devido às lesões. Marcos Daniel deixou o tênis profissionalmente em 2011 devido a um problema no ombro e, hoje, como técnico, aponta que os atletas estão sendo exatamente mais cuidadosos na preparação antes dos jogos. "Houve evolução também na parte de prevenção e tratamento de contusões. Os jogadores tomam precaução em vários aspectos, na parte de nutrição, por exemplo, como Rafael Nadal e Novak Djokovic. É visível que ambos estão andando sobre uma linha fina para poderem tirar o máximo do seu potencial", declara o gaúcho.
Larri Passos, ex-técnico de Guga, corrobora a opinião de Daniel e afirma que a influência de fenômenos na preparação física, como Nadal e Djokovic, por exemplo, requer que os jovens da nova geração tenham que pensar numa estratégia de preparação muito antes do seu desenvolvimento por completo. "Já tem que pensar no menino quando tem 15 anos. Não adianta ser só um grande corredor, hoje ele terá que ter uma bola vencedora, uma bola de peso, saber contra-atacar. O tênis mostra hoje que teremos que trabalhar bastante na preparação do jogador para que ele consiga chegar lá na frente".
Pode-se ver isso nitidamente também no feminino, em que a média de idade das melhores jogadoras está aumentando, ou seja, cada vez menos as jovens promessas têm causado problemas às veteranas. "As 'geniazinhas' precoces, inspiradas em Martina Hingis, Maria Sharapova, Jennifer Capriati, estão tendo que esperar seu melhor momento na carreira para despontar no ranking e vencer torneios grandes. Isso está relacionado à maior evolução da parte física. As veteranas, com melhor físico e mais maduras, sofrem menos com as pressões de enfrentar tenistas mais jovens, com ranking mais baixo e emergentes", explica Carlos Omaki, especialista sobre a evolução do jogo entre as mulheres, que vê nas atletas atuais uma maior longevidade e maturidade, resultando em maior controle das emoções.
Federer reinou absoluto de 2004 a meados de 2008. Nesse tempo, poucos se atreveram a desafiá-lo
Para Rafael Westrupp, técnico que acompanha o mineiro André Sá em alguns meses da temporada, a evolução física foi, de fato, o grande divisor de águas desses últimos 10 anos e ajudou o tênis a quebrar paradigmas em todos os aspectos do jogo. O psicológico foi um deles e somente aqueles que conseguem manter a tranquilidade nos momentos decisivos se sobressaíram na década. "Bjorn Borg já ressaltava que o tênis é 95% mental. O excelente condicionamento físico reflete em autoconfiança e consequente melhora no padrão mental de cada um deles", confirma o catarinense.
Por isso, o tênis masculino, desde 2003, viu alguns nomes se tornarem absolutos ao longo de vários anos, como aconteceu com Roger Federer, que ficou mais de quatro temporadas ininterruptas no topo do ranking e deixou grande parte do seu legado, entre títulos e recordes, nessa faixa que se estende até hoje, com direito a comparações com outras lendas do esporte. "Todos falavam da semelhança dele com o Sampras muito pelo estilo de jogo clássico, os títulos, a quantidade de Grand Slams, mas, conquistando Roland Garros em 2009 e fechando a sua coleção, mostra que Federer está um nível acima. Em minha opinião, é o melhor jogador de todos os tempos", diz o duplista Bruno Soares.
Federer foi sinônimo de excelência técnica, mas também de antecipação (devido ao preparo). Porém, em 2005, surgiu Rafael Nadal para dar uma nova dimensão aos termos velocidade e preparo físico. Muitos questionaram a passividade do espanhol no começo da carreira, mas, com o tempo, ele ganhou em técnica e mais ainda no físico. "Rafa era o símbolo máximo do binômio força e resistência. Quando as quadras ficaram mais lentas, Nadal aumentou sua soberania com empenho e consistência. Em 2008, ainda disputou a hegemonia com Federer, mas ousou ganhar do suíço até mesmo na grama. E foi apenas em 2010 que Rafa atingiu o ápice de sua forma", analisa Dalcim.
Quando a dicotomia, Federer e Nadal, estava instaurada, Novak Djokovic - que cansou de estar à sombra dos dois - ousou se interpor. Ele sempre teve a técnica necessária, porém, faltava-lhe algo. Em 2011, a sequência de 43 vitórias consecutivas e os 10 títulos só naquela temporada, incluindo três Grand Slams, provaram que o sérvio aprendeu muito bem a lição: fortalecer a parte física. "Estar completamente refeito para o dia seguinte após uma maratona, manter a cabeça fria no momento crucial não eram mais exclusividades de Nadal. Foi a receita adotada por Djokovic em 2011 e o caminho do sucesso para Andy Murray, devendo se repetir em 2013", completa Dalcim.
Tênis feminino segue o modelo do masculino, com tenistas cada vez mais rápidas e fortes
As mulheres pareciam fadadas a seguir a mesma trilha dos homens e tinham em Serena o modelo de como o tênis estava sujeito à força física. No entanto, ao contrário do que houve na ATP com o "fenômeno Federer", não ocorreu uma hegemonia evidente de uma jogadora nos primeiros anos desse período, muito por conta da concorrência com outras tendências hoje raras no circuito, como a variação com slices e o estilo clássico com um backhand de uma mão de Amelie Mauresmo e Justine Henin.
Em 2004, o mundo se chocou com a bela Maria Sharapova desbancando o reinado de Serena em Wimbledon com apenas 17 anos. A jovem seria, talvez, a primeira desse espaço de tempo a trazer de volta componentes que sempre atraíram os fãs para a modalidade - a beleza, a graça e contraste entre delicadeza e força.
Com seguidas lesões de Serena e Sharapova, a modalidade acompanhou um de seus piores momentos, já que não tinha mais suas referências e deu espaço para outros destaques relâmpagos como Svetlana Kuznetsova, Anastasia Myskina, dentre outras. "Isso permitiu que jogadoras bem menos qualificadas atingissem feitos grandiosos, e elas tinham pouco glamour", complementa Dalcim.
Jelena Jankovic, Ana Ivanovic, Dinara Safina e Caroline Wozniacki foram outros exemplos de atletas que empolgaram, mas perderam terreno para as "veteranas". Dessa forma, Serena, já com 31 anos, completou a década novamente como a figura central do tênis feminino e tem, aparentemente, apenas a mesma Sharapova, e agora Victoria Azarenka, em seu caminho nessa modalidade que busca por uma reposição de estrelas. "É notável que as meninas estão cada vez mais fortes e rápidas, seguindo o modelo de jogo imposto pelas irmãs Williams há tanto tempo. A maior preocupação com o circuito da WTA tem sido a carência de estrelas. Serena e Maria Sharapova ainda seguram a barra fora das quadras, algo que sempre foi essencial para o feminino estar em evidência", enfatiza Dalcim.
"As meninas estão cada vez mais rápidas e com golpes sempre mais potentes. O saque com topspin e o slice vêm sendo incorporados ao jogo rapidamente e o voleio já faz parte do prato do dia. Jogadoras completas vão se desenhando no horizonte. O legado de Federer também pode usar saia",
avalia Elson Longo
Enquanto isso, no Brasil, uma década atrás, Guga vinha batalhando para se manter no top 20, um ano depois de sua primeira cirurgia no quadril. No fim da temporada, ele fez parte do time rebaixado para a segunda divisão da Copa Davis e que mergulhou numa crise sem precedentes na temporada seguinte. O ex-número 1 do mundo liderou boicote contra a gestão do ex-presidente Nelson Nastás. Assim, a equipe brasileira foi parar na terceira divisão do torneio ao fim de 2004. Essa temporada também marcou, provavelmente, os dois últimos lampejos da carreira do tricampeão de Roland Garros - o bi do Brasil Open e o triunfo sobre Federer em Paris ainda são inesquecíveis.
A partir de 2005, o Brasil precisou recomeçar. Na Davis, foram necessárias sete tentativas para retornar ao Grupo Mundial em uma rota marcada por várias decepções e trocas de comandantes, desde Fernando Meligeni até o atual João Zwetsch. O treinador gaúcho ficou em destaque no circuito quando, em 2008, orientava Thomaz Bellucci, jogador que se tornou logo a principal esperança do País, que já tinha tentado "reviver" as memórias de Guga torcendo por Flávio Saretta, Ricardo Mello, Marcos Daniel, Thiago Alves, que passaram rapidamente pelo top 100.
Bellucci carregou a responsabilidade de ser o nome de destaque do País desde a aposentadoria de Guga em 2008 e se tornou o segundo melhor brasileiro ranqueado na história, com o 21º lugar obtido em 2010. No entanto, o País não viveu torcendo apenas por Bellucci nos grandes torneios. Desde que Marcelo Melo e André Sá chegaram à semifinal de Wimbledon em 2007, as duplas ganharam notoriedade. Com Bruno Soares, Minas Gerais se tornou uma referência na modalidade. O Brasil passou a ter chances de vencer em qualquer lugar do mundo à medida que os três entravam nas chaves. Em 2012, Bruno se igualou a Guga, Maria Esther Bueno e Thomaz Koch como os únicos brasileiros campeões de Grand Slam ao faturar o US Open em duplas mistas.
"Sempre procuro ser um exemplo para as futuras gerações, com uma imagem de um cara que batalhou muito por tudo isso que conquistei. Vencer o US Open foi a realização de um sonho, foi a coisa mais marcante da minha carreira. Vai além de uma conquista pessoal, são momentos que eu via pela TV quando era pequeno e tenho, agora, a chance de pôr meu nome na história", relata Soares.
No juvenil, tivemos, pela primeira vez na história, um brasileiro levantando um troféu de Grand Slam em simples com o alagoano Tiago Fernandes no Aberto da Austrália de 2010. Pouco tempo depois, ele voltaria às manchetes ao liderar o ranking júnior. Outros expoentes nos dão esperanças para o futuro como Guilherme Clezar, Thiago Monteiro e Beatriz Haddad Maia, por exemplo.
"A safra atual não sinaliza um grande nome a médio prazo. É bem provável que Nadal, Djokovic, Federer e Murray continuem a dominar as quadras por mais tempo ainda",
aponta José Nilton Dalcim
Diante desse panorama, como prever o que será do tênis na próxima década? Fato é que a parte física dos jogadores será exigida igual ou mais do que antes, considerando-se a longa duração dos jogos nesses últimos anos. Dessa forma, a recuperação tem que ser aperfeiçoada e, consequentemente, o esporte tende a continuar sendo dominado pelos músculos, braços fortes e pernas resistentes.
Para quem já tem essa preocupação, será necessário aprimorar a técnica para definir as jogadas mais rapidamente, como faz Nadal desde que ficou um longo período afastado com uma lesão no joelho. Assim, essa pode ser uma tática oportuna tanto para homens quanto para mulheres, a de encurtarem a duração das trocas de bola, pavimentando um melhor caminho para a rede.
O treinador de São Carlos, Elson Longo crê que a tendência no feminino é que o pelotão de elite venha tentar aprimorar ao máximo as diferentes excelências para jogar um tênis ainda mais completo. "As meninas estão cada vez mais rápidas e com golpes sempre mais potentes. O saque com topspin e o slice vêm sendo incorporados ao jogo rapidamente e o voleio já faz parte do prato do dia. Jogadoras completas vão se desenhando no horizonte. O legado de Federer também pode usar saia", avalia.
Por sua vez, Dalcim não vê com tanto entusiasmo, no masculino, o surgimento de nomes interessantes que façam frente ao "quarteto fantástico", que ainda está muito distante dos demais. Mas, assim como Longo indica no feminino, a tática de variação do jogo e um maior deslocamento para a frente podem ser caminhos alternativos para que os homens possam beliscar um lugar no top 10 ou até um resultado expressivo nos Grand Slams: "A safra atual não sinaliza um grande nome a médio prazo. As maiores promessas podem ser o búlgaro Grigor Dimitrov ou o canadense Milos Raonic, que executam justamente um estilo de potência - com destaque para o saque e o forehand - e habilidade junto à rede. Porém ainda é muito difícil imaginá-los tão alto no ranking. É bem provável que Nadal, Djokovic, Federer e Murray continuem a dominar as quadras por mais tempo ainda", completa Dalcim.
No cenário brasileiro, se conseguimos sobreviver ao fim da Era Guga, e atualmente temos bons representantes em simples, duplas e uma safra promissora no juvenil, é momento de aproveitar a série de eventos grandiosos no País - os quatro torneios que teremos a partir de 2014, além das Olimpíadas - para dar fomento à modalidade.