Saiba como transformar este fantasma em um agente motivador do seu jogo
Elson Longo em 19 de Dezembro de 2016 às 15:17
Jogadores do mundo inteiro, independentemente do nível de jogo, participam de alguma forma de competição. Desde ligas regionais, torneios internos de clube, estaduais ou o circuito ATP, as competições quase sempre desembocam em algum tipo de classificação. Este “ranking” acaba sendo usado para promoções, selecionar os cabeças de chave e tem um papel muito importante na motivação dos jogadores. O envolvimento com o ranking faz com que o tenista compita com maior frequência, busque aprimorar seu jogo com aulas e treinamentos e crie maior vínculo com a modalidade.
Apesar de o ranking dar um sentido à competição e participação dos tenistas, existe uma faceta, muitas vezes oculta, que acaba prejudicando a performance dos jogadores, criando uma forte pressão na hora de competir, levando tenistas a experimentar emoções negativas e se privarem da alegria de jogar. Quando estendemos esse cenário ao tênis juvenil, vemos, da mesma forma, que o ranking transborda os limites da quadra e pode atingir pais e treinadores, tornando o processo fortemente carregado emocionalmente.
Como rankings e classificações são partes estruturais e fundamentais dos pilares do tênis, os jogadores devem aprender a interpretar e incorporar esses elementos no seu painel competitivo, sem, contudo, permitir que isso possa ser um fator de pressão e de perda de qualidade em quadra. Vamos então propor algumas diretrizes importantes para que o ranking seja um agente motivador no seu tênis e não se personifique como cobrança, pressão e culpa.
Lembre-se, o tênis é um jogo. Torne-o impessoal. Para cada jogador, existe sempre um plano de jogo. O foco deve estar nesse plano estratégico e não na pessoa que está do outro lado. Se é famoso, se está bem ranqueado, se você gosta dele ou não… Realmente, conectar-se com o adversário, e não com o jogo, é perigoso. Quando nos desconectamos dos aspectos pessoais, livramo-nos de boa parte das possibilidades de tornarmos o jogo emocional. Quanto mais racional estivermos, com a mente calma, melhor serão nossas chances. Jogue sempre com a bola.
Ter uma correta filosofia esportiva no tênis é fundamental. Quanto mais nos centramos nos resultados, mais olharemos o ranking, os pontos, a classificação. Isso vai gerar pressão e responsabilidade. Devemos lembrar que qualquer resultado no tênis depende de você, do seu adversário e de condições externas (juiz, condições climáticas, golpes de sorte, entre outros). Criar expectativas e vínculos com algo que você não é capaz de controlar é um caminho certo para a frustração. Por isso, é fundamental ver as coisas de outra maneira. Estar conectado com seu rendimento. Ter um plano de melhoras e ir, a cada passo da temporada, buscando aperfeiçoar esses aspectos. Esses são elementos que apenas dependerão de você, portanto, estão sob seu controle. Valorizar a entrega em cada treino e jogo, por em prática na competição as jogadas que está buscando melhorar, ter respostas mentais mais adequadas durante o jogo, são alguns dos muitos aspectos que o tenista pode buscar. Quando um jogador sobe seu nível, os resultados irão acontecer naturalmente: são consequência. Foque no seu rendimento e deixe os resultados aparecerem.
O jogador que está conectado com o ranking, que valoriza e acredita nas posições e números que ali aparecem, está permitindo que, antes que o jogo seja iniciado, fatores externos induzam seu rendimento. Quando ele enfrentar um jogador de ranking superior, criará uma expectativa negativa, sentirá que é inferior e que tem uma difícil tarefa pela frente. Durante a partida, essa indução aparecerá de maneira mais contundente caso o jogador esteja à frente do tenista melhor ranqueado no placar. Ele experimentará forte ansiedade de jogar em vantagem, pois a percepção de vitória aparecerá sempre como algo não natural, contrário às suas referências. É comum ver jogos assim, em que subitamente o jogador pior ranqueado começa a jogar sem ímpeto, de forma passiva, esperando, e acaba permitindo a reação do outro. Expressões como: “respeitou”, “amarelou”, “tremeu”, são comuns nesse tipo de situação. Mas a origem disso tudo está na forma como esse jogador vê o tênis e a si próprio dentro dele. O caso análogo ocorre quando esse mesmo jogador enfrenta um tenista de ranking inferior. Ele pensa que vai ganhar e não pode perder. Novamente, já cria uma indução antes da partida. Há grande chance de ele jogar tenso, golpear para não errar (em vez de golpear para acertar), ser conservador e ter dificuldade em deixar seu jogo fluir. Caso ele fique atrás do placar, terá emoções negativas, de autocondenação, podendo se desestruturar e até perder o jogo. Aqui vemos a que ponto essas induções são perigosas: o jogador não consegue jogar livremente nem com quem está acima e nem com quem está abaixo. Cria muros invisíveis e desperdiça seu bom tênis entre as paredes que ele próprio construiu.
Outro risco de ser regido pelos números do ranking é que nem sempre ele traduz o real do nível do jogador. Há aqueles aficionados que sempre buscam uma sequência de torneios distantes e mais fáceis para melhorar seu ranking, ganhando de jogadores sem nível e construindo uma classificação irreal. Por outro lado, existe aquele jogador muito forte que, por opção, ou algum outro fator, joga pouco e não apresenta um bom ranking. Dessa maneira, quem se baseia no ranking vai criar uma expectativa e será surpreendido em quadra. E nada mais contundente que isso. Portanto, voltamos a dizer o quanto é vantajoso ter uma mente calma, livre de arbítrios, focada apenas em conceber e realizar um plano de jogo, procurando dar o seu melhor em todos os quesitos. Isso torna tudo mais simples, menos emocional e com maiores chances de abraçar seu melhor rendimento.
Este talvez seja o maior erro que alguém pode cometer, pois pode comprometer toda a temporada. Um calendário deve ser feito pensando em desenvolver o tênis de um jogador. Direcionar as escolhas de torneios sempre buscando competições obsoletas para pontuar e subir no ranking criará uma falsa classificação. Além disso, o jogador se priva de competir nos eventos onde estão os bons adversários. Perde a chance de jogar com os melhores, que é um elemento fundamental para o desenvolvimento do jogo e para criar linhas de trabalho. Quantas vezes vemos o jogador de federação indo para terras distantes quando tinha um torneio perto de casa? Jogadores juvenis não participando de eventos importantes para jogar torneios menores? Profissionais indo para países perigosos e remotos tentando pontuar? É a mesma peça de teatro com cenários diferentes: não se está pensando em rendimento, e sim em resultado. Como foi dito anteriormente, ser guiado pelos resultados invariavelmente tornará o processo emocionalmente carregado, dentro e fora da quadra e a performance será prejudicada.
Não importa qual seu nível de jogo e pretensões, há um caminho mais fácil para atingir o sucesso, qualquer seja seu objetivo no tênis:
Dia após dia, vemos jogadores menos ranqueados vencendo tenistas melhores classificados. Apesar de isso acontecer, as muralhas do ranking continuam vivas na mente da maioria dos tenistas. Devemos nos perguntar, cada vez que um evento como esse acontece (a “zebra”), o que ocorreu? Porque não deu a lógica, o esperado? As respostas a essas perguntas abrem as portas da muralha.
Devemos entender a estrutura de uma partida de tênis no seu aspecto estatístico. Supondo que o jogador A tenha melhor ranking que B e que, portanto, deve vencer, sempre há uma probabilidade de o resultado ser inverso. Se B conseguir implantar o plano de jogo correto contra A, levará a partida para uma zona de desconforto de A, onde suas qualidades serão inibidas pelo plano tático. Caso isso aconteça, haverá um número maior de oportunidades em pontos decisivos para B (game points, break points) e, se B, nesses pontos decisivos, conseguir vencê-los (muitas vezes contando inclusive com a sorte ou distrações de A), abrirá uma vantagem no placar. Nessa situação, A pode apresentar certa ingerência mental de jogar abaixo de um jogador menos ranqueado e ceder novas oportunidades para B. Caso elas sejam aproveitadas, B vencerá. Durante cada passo desse processo (plano tático, criar e aproveitar oportunidades, queda de rendimento do jogador mais forte), a probabilidade de B vencer foi aumentando até finalmente ele concretizar a vitória. Vemos que uma partida de tênis é muito delicada e tudo pode mudar rapidamente: uma bola, uma marcação, um erro, um acerto inesperado pode mudar o curso de um jogo. O tênis é permissível demais para colocarmos qualquer tipo de ranking à frente de nossas próprias habilidades e possibilidades.
É muito importante termos a consciência de que tudo pode acontecer nos dois sentidos: temos meios para ganhar partidas incríveis, mas somos amplamente vulneráveis a perder jogos impensáveis. Por isso, uma filosofia correta, centrada em nossas habilidades e um estado de alerta constante quando estamos competindo é fundamental. Da mesma forma que se pode derrubar, pode-se tropeçar. Nada melhor que adentrar o universo competitivo entendendo cada jogo como um jogo, um microcosmo singular, com suas características, detalhes e amplos encaminhamentos. Jogo por jogo e ponto por ponto, investindo seu melhor em cada momento, não importando onde você está e muito menos em quem está do outro lado da rede.
Quando os jogadores se deparam com a lista de jogadores que estarão competindo em certo evento, é fácil ver que, em sua maioria, reagem mostrando certa inibição. É compreensível: ver tantos nomes com ranking melhor que o seu induz qualquer um a pensar que não poderá sair vencedor. Essa ideia, se ganhar força, seguramente impossibilitará o jogador de vencer o torneio. É mais que conhecido que chegamos onde acreditamos poder chegar. Os jogadores devem saber olhar corretamente essa lista amedrontadora. Em uma chave de 32 jogadores, você jogará com apenas cinco tenistas daquela lista. Apenas cinco até a final! De uma hora para outra, aquele monte de nomes transforma-se em apenas cinco e tudo fica mais claro. E isso é matematicamente respaldado. Desses cincos, devemos lembrar que, muitos deles, virão cansados de confrontos duros com outros nomes da tal lista. Da mesma forma que uma partida vai lhe oferecendo oportunidades, um torneio também vai, e a mesma permissividade de um jogo também existe em um torneio. Capitalize sua oportunidade.
Um certo provérbio chinês diz: “Aquele que nada espera é invencível”. A chave para grandes resultados é ter uma mente calma, livre de emoções, centrada no presente, no aqui e no agora. Liberte sua mente do pré-julgamento, da indução. Foque-se na tarefa, nos meios e em capitalizar cada oportunidade. Esteja em comunhão com suas habilidades e com o ponto que está jogando. A consciência de que grandes resultados não são perseguidos, eles apenas virão até você, é que abrirá as portas para seu maior potencial. Tanto em quadra como na vida, cada um acaba escolhendo o que pode e quer ser. Afaste-se do preconceito de resultado em função de alguma classificação. O tênis sempre estará além disso, como cada jogador também pode estar. Ser ou não ser… eis a questão.