Depois de uma temporada abaixo das expectativas, Thomaz Bellucci começa 2014 reconquistando a confiança e também os torcedores brasileiros
Por Arnaldo Grizzo em 17 de Março de 2014 às 00:00
FEVEREIRO DE 2008. Thomaz Bellucci, aos 20 anos, era um jovem promissor. Tinha acabado de se intrometer entre os 200 primeiros do ranking da ATP. No ano anterior, tinha saído do nível Future e passado a disputar, com sucesso, os Challengers. O bom momento lhe valeu um convite para a chave principal do Brasil Open. Naquele ano, porém, o clima no torneio era quase de velório, pois Gustavo Kuerten faria sua última participação, e poucos se importaram com a derrota do garoto em dois sets rápidos para o equatoriano Nicolas Lapentti.
A derrota também pareceu pouco influenciar Bellucci, que, nos meses seguintes, deu uma arrancada rumo ao top 100. Sua sequência foi tão boa que passou o quali de Roland Garros e, por azar (ou talvez sorte), cruzou com Rafael Nadal logo na estreia. Ele fez um excelente primeiro set contra o espanhol e, apesar de ter perdido em três sets, teve suas qualidades reconhecidas pelo Touro e pela imprensa mundial.
No ano seguinte, Bellucci já tinha garantido sua vaga no Brasil Open. E, dos seis brasileiros na chave, era disparado a melhor aposta. Foi com aquela espetacular campanha no torneio de 2009 que o jovem tinha tudo para marcar a sua história e a sua relação com a exigente torcida nacional. Ele venceu jogos duros, sob intensa pressão, sem baixar a guarda, mostrando toda a sua garra para a plateia que o empurrou rumo à final. Na decisão, faltou pouco para ele e a torcida desbancarem Tommy Robredo. Não deu, foi vice. Mas sua “imagem” de herói, de um tenista que “se entrega”, como a torcida (especialmente a de futebol) gosta, estava feita. Não era um Fernando Meligeni, que se atirava na quadra, dava o sangue, mas era um valente.
E para que isso ficasse ainda mais gravado na mente dos seus fãs, durante o ano, ele não conseguiu se manter entre os 100, no entanto, ainda assim, com perseverança, furou o quali do torneio de Gstaad, na Suíça, para vencer seu primeiro ATP na carreira. Aos 21 anos, era um começo animador. No ano seguinte, em 2010, no auge da forma, esteve muito perto de ingressar entre os 20 primeiros do mundo. Venceu o ATP de Santiago e, cansado, não conseguiu ir bem na Costa do Sauípe. Compreensível. Voltou a jogar contra Nadal em Roland Garros, desta vez, porém, nas oitavas de final. Em 2011, vitórias sobre Fernando Verdasco, Tomas Berdych, Andy Murray e um jogo épico contra o “invencível” Novak Djokovic ainda revelaram novos sinais do potencial de Bellucci.
Ao lado de Larri Passos, acreditava-se que o jogo de Bellucci fluiria. O ex-treinador de Guga incutiria na cabeça do brasileiro aquela vontade, aquela crença de que ele poderia derrotar os melhores do mundo. E isso deu parcialmente certo durante o primeiro semestre de 2011. No segundo, época em que o jovem sempre tinha uma visível queda de rendimento desde seus primeiros anos, a fórmula não funcionou.
No início do ano seguinte, Bellucci tinha tudo para recuperar a forma – apesar de o rompimento com Larri Passos no final de 2011 ter sido apontado com um fracasso. Foi aí que veio o Brasil Open. Cabeça de chave número 4, ele tinha tudo para fazer uma grande campanha no torneio e ganhar confiança para o restante da temporada. Na estreia, complicou-se contra Ricardo Mello, mas venceu. Seria um sinal de alerta? Nas quartas, conseguiu, graças ao empurrão da torcida, uma virada incrível contra o embalado argentino Leonardo Mayer. No dia seguinte, fatigado pela carga emocional da partida na noite anterior, viu o italiano Filippo Volandri empatar o jogo e, diante de uma torcida incrédula, virar a partida, impedindo nova final do brasileiro. A derrota em si não pareceu tão ruim, porém, a imagem que Bellucci inconscientemente passou, diante de 8 mil torcedores no Ginásio do Ibirapuera e mais alguns milhares que assistiram à partida em casa, não foi a melhor.
Bellucci mostrou evolução técnica e mental em seus jogos diante da torcida brasileira, que voltou a apoiá-lo
Extenuado, física e mentalmente, ele não demonstrou a “entrega” que tanto agrada os fãs. Pior, seu corpo e rosto davam claros sinais do quão esfalfado estava. No entanto, a torcida não entendeu assim. Ela captou esses sinais como descaso. Onde já se viu um jogador não se animar com 8 mil pessoas gritando seu nome, empurrando-o? Bellucci saiu vaiado de quadra, atônito, sem entender o porquê. E aí começou a birra.
Ele ainda venceu mais um ATP, novamente em Gstaad naquele ano, mas a fama de não se “doar” em quadra só cresceu. Para muitos, se nem mesmo Larri conseguiu “dar um jeito”, estava claro que não havia jeito. O semestre final da temporada 2012 foi fraco, como de costume, e, para piorar, o início de 2013 não ajudou.
Bellucci então reapareceu no Brasil Open como cabeça de chave, com chances de enfrentar Nadal na semi. Fez mais uma vez um jogo sofrível na estreia e, na rodada seguinte, lá estava seu algoz do ano anterior. Era a chance de mostrar que todos estavam errados a seu respeito. A partida foi perfeita... para que a torcida criasse ainda mais antipatia diante do comportamento do brasileiro, que jogou assustado, incapaz de lidar com sentimentos e golpes. E, assim, o restante do ano foi tão terrível para Bellucci, incluindo lesões no abdômen e ombro, que ele saiu do top 100.
Seria o fim? Em outubro de 2013, Bellucci resolveu contratar o espanhol Francisco Clavet. Juntos, eles voltaram ao nível dos Challengers. Venceram um e fizeram final em outro. Agora era esperar 2014.
Bellucci decidiu começar o ano no quali do Australian Open, uma aposta alta. Deu certo, furou e alcançou a segunda rodada, perdendo para o favorito Jo-Wilfried Tsonga, mas jogando bem. Depois, novo quali, em Viña del Mar. Passou, mas perdeu na estreia. Em Buenos Aires, sofreu com uma infeção e desistiu na primeira do quali. Aqui, estava garantido nas chaves do Rio Open e Brasil Open com convites.
Logo na estreia na capital carioca, sua relação com a torcida brasileira começou a mudar. Fez um jogo tenso contra o colombiano Santiago Giraldo, conseguindo uma virada espetacular que culminou com um choro emocionado em rede nacional de televisão. Seria um sinal de descontrole?
Não, era apenas um desabafo de alguém que estava sendo “perseguido” pela torcida e que, ao querer seu apoio, não sabia direito como agir. Ganhou voto de confiança dos fãs e arrancou mais uma virada na segunda rodada no Rio. Parou nas quartas diante do intransponível David Ferrer, mas parte de sua meta estava cumprida. Ganhou confiança no jogo e na torcida.
Agora era hora de reconquistar os paulistas. Quis o destino que a estreia no Brasil Open fosse novamente contra Giraldo. Perfeito. O script se repetiu, o público o embalou e o levou à semifinal. Mas, mesmo liderando o jogo contra Federico Delbonis no terceiro set, Bellucci não venceu. Perdeu três games rapidamente e viu o sonho de alcançar a final em casa adiado mais uma vez.
Mas e a reação da torcida? “Saio feliz. Dei meu máximo em quadra e a torcida viu isso”, comemorou o tenista que admitiu: “Tentei inspirar o público a torcer para mim. Isso foi uma das coisas mais felizes que fiz nessas duas semanas. Minha postura em quadra pode ter melhorado e isso fez a torcida ficar mais do meu lado, não desistir em nenhum momento”.
Tão ou mais importante do que “ganhar a torcida”, Bellucci também parece ter evoluído como tenista. Clavet vem trabalhando sua mente e, como todo bom técnico espanhol, incute na cabeça de seu jogador a precisa estratégia de “não dar pontos de graça”. Sendo o backhand o ponto mais vulnerável de seu pupilo, também está focando aí. Mas uma frase que para muitos passaria despercebida, vinda da boca de Bellucci, é fundamental: “Muitas vezes ganhei não jogando meu melhor tênis”. Ganhar sem jogar bem é a principal qualidade dos vencedores. E o brasileiro parece que finalmente entendeu isso.