Certezas

A trajetória de Beatriz Haddad Maia, a jovem que ainda vai dar muitas alegrias ao tênis brasileiro

Por Arnaldo Grizzo em 16 de Julho de 2015 às 00:00

 

“Se tudo der errado, ela ainda vai ser 30 do mundo”, já dizia um treinador há mais de cinco anos. Aos 19 anos, Beatriz Haddad Maia ainda está um pouco longe do top 30 no ranking da WTA, mas apareceu, nesta temporada, entre as 150 melhores do mundo. Quando dará o próximo passo? Quando estará entre as top, lugar em que todos, inclusive ela, imaginam ser o seu destino? Ao que parece, isso não está tão distante.

Desde os 12 anos, talvez até antes, Bia é apontada como a grande promessa do tênis feminino brasileiro. Na época, já vencia todas as meninas de sua idade e também boa parte das mais velhas. Assim, liderou os rankings brasileiros de todas as categorias. Desde a mais tenra idade, seu tênis já mostrava potencial para sonhar com o profissionalismo.

“Com 11, 12 anos, decidi que o tênis ia ser o que eu queria para a vida”, diz a jovem, com serenidade. “Com 13, 14 anos, tive certeza absoluta, quando fui treinar e morar em Camboriú com o Larri (Passos)”, completa. A certeza não era só dela, era de todos à sua volta. Na época, o tênis feminino brasileiro estava em baixa, sem grandes expoentes. Bia rapidamente se tornou a melhor aposta.


Aos 11 anos, Bia já sabia que o tênis seria o seu futuro. Aos 14, teve certeza quando foi treinar na academia de Larri Passos, que abriu uma exceção para a jovem (já que em sua academia só treinavam homens)

Família de tenistas

Mas, muito antes de cair nas mãos do ex-treinador de Guga, o destino de Bia parecia traçado. Nascida em 30 de maio de 1996, a menina teve contato com o esporte desde antes de sair da barriga da mãe, Lais, já que ela e a irmã, Telma, são professoras de tênis. “Na barriga da minha mãe, eu já jogava, com certeza”, brinca a garota.

Aos sete anos, a menina já fazia judô, tênis, natação, futebol, passava o dia no clube Sírio, em São Paulo. Sob a supervisão de sua mãe e tia e também do treinador Candinho (Cândido Ceroni), ela foi se desenvolvendo. Passou pelos olhares do técnico Carlos Omaki, depois foi convidada para participar de um projeto no clube Pinheiros e, por fim, teve contato com Larri. No entanto, em um primeiro momento, o gaúcho não a aceitou em seu grupo de treinamento.

“A Confederação entrou em contato comigo para oferecer alguns centros de treinamento. Quando falaram que poderia ir para o Larri, eu disse: ‘Quero ir para lá’. Fui treinar uma semana e ele falou que só treinava homem. Voltei para a casa chateada, mas depois ele chamou meus pais para conversar de novo. Eu queria muito então ele abriu uma exceção. Estou lá até hoje, apesar de eu não treinar com ele agora”, revela.

Desde o ano passado, Bia passou a treinar com Marcus Vinícius Barbosa, o Bocão, que fazia parte da equipe da academia de Larri e segue muito dos métodos de seu mentor. “Bocão é um cara 70% Larri. O trabalho dele é muito voltado à formação do Larri. Por isso escolhi ele. Ele nasceu e cresceu com o Larri e eu não queria mudar, porque sentia muita confiança nesse trabalho”, afirma a jovem.

Apesar disso, ela revela que a passagem por diferentes treinadores a ajudou. “Cada treinador tem uma mentalidade diferente, assim como cada jogador. Tive a sorte e a oportunidade de conhecer muitas pessoas, ver cabeças diferentes e ver o tênis de maneiras diferentes. Muitas vezes, um detalhezinho de um voleio que o Bocão me fala hoje, eu lembro de um professor que tive, algo que a minha mãe me falava. Isso é muito legal porque você abre a cabeça para outras áreas que muitas vezes um par de olhos não vê. Isso me ajudou muito. Tenho certeza de que as escolhas que tomei foram as corretas. Hoje estou feliz com a minha equipe”, diz.

"Fiquei com medo de não voltar a jogar"

Ela conta ainda que sua parceria com o ex-treinador de Guga não prosseguiu porque ele estava viajando muito, principalmente para acompanhar a austríaca Tamira Paszek, que na época tinha ranking bem diferente da brasileira. Ou seja, as agendas não se encontravam. Além disso, Bia, que voltava de contusão, sentia que precisava de alguém mais presente.

Fim precoce?

“Fiquei com medo de não voltar a jogar”, admite a jogadora, lembrando de uma passagem complicada de sua curta carreira. Em julho de 2013, Bia era uma das estrelas de um Challenger realizado em Campinas. Ela disputava uma partida contra a argentina Andrea Benitez na quadra central e vencia por 4/1 quando houve um acidente que, por pouco, não comprometeu seu futuro no tênis.

“A quadra estava molhada. Meu pé escorregou e cai em cima do meu ombro direito. Fiquei três meses sem jogar porque fraturou. Depois, por ter ficado parada todo esse tempo, perdi a musculatura da coluna e, por isso, operei a coluna. Emendou tudo. Foram sete meses difíceis”, recorda.

Depois da queda em Campinas, ela voltou a jogar em outubro, em Macon, nos Estados Unidos, quando sentiu as dores na coluna. “Voltei no voo do Estados Unidos dormindo e não estava sentindo a perna direita. E até hoje ela ainda não é igual à esquerda. Fiz a ressonância de última hora, na emergência, e meu medico falou: ‘Você vai operar amanhã de manhã com um amigo meu’. Eu fiz um escândalo, chorava, estava desesperada, falava que nunca mais ia jogar. Meus pais me tranquilizaram, fomos para o hospital. Eu não dormia, tinha muita dor”, lembra.

Ela conta ainda que, antes de ser operada, encheu o médico de perguntas. “Até hoje ele acha que sou louca, pois fiz um questionário: seu nome, altura, peso, de onde veio... Foi um momento muito, muito, muito louco. Eu estava desesperada, mas o cara é 10. É uma cirurgia de coluna, que mexe com nervos e uma pessoa que não tivesse experiência podia me deixar sem andar, então devo muito a ele e ao fisioterapeuta que cuidou de mim”, diz aliviada.

"Ainda não sou o que quero ser. Mas Acho que posso estar lá, posso ganhar de qualquer uma"

Ao ser questionada se tem medo de executar algo em quadra, medo de se machucar novamente, Bia é enfática: “Não. Confio em tudo o que faço e nas pessoas com quem trabalho. Se me mandarem dar cambalhota, eu dou. Se falar que tenho que saltar, salto”. No entanto, acompanha de perto sua saúde periodicamente. “Ontem mesmo já fiz check-up de tudo. Está tudo certo. Os parafusos estão todos no lugar”, brinca ao falar dos exames feitos no mesmo dia em que voltou ao Brasil logo após várias semanas de torneio na Europa recentemente.

Momento ruim ou bom?

Não é fácil para uma pessoa tão jovem ficar afastada de suas atividades por tanto tempo, mas Bia diz que os sete meses parada foram proveitosos: “Foi um momento que mudou totalmente minha cabeça. Não digo que perdi sete meses, digo que ganhei, pois a gente acha que o tênis é só bater na bola, mas entender seu corpo, os cuidados, a prevenção, às vezes é mais importante. E ainda teve o apoio do meu maior time, das pessoas que sempre estiveram do meu lado, que é minha família. Aí você vê o quanto é importante estar com eles”.

Depois da cirurgia, Bia voltou às quadras no Rio Open de 2014 e, desde então, vem colecionando bons resultados e avançando no ranking. Seu melhor momento, aliás, foi exatamente na capital carioca, neste ano, quando alcançou as quartas de final da competição. Na ocasião, ela teve tudo para derrotar a cabeça de chave número 1, Sara Errani, top 20, mas acabou deixando a oportunidade escapar muito devido à falta de experiência. Ela dominou a adversária, vice-campeã de Roland Garros em 2012, mas não foi capaz de fechar a partida. No terceiro set, debaixo de um sol de mais de 40o, sentiu cãibras generalizadas e teve que desistir da partida.

“Você tem que respeitar [a adversária] dentro da quadra? Tem, mas tem que mostrar, tem que acreditar e achar que sou melhor e vou ganhar”

O que ficou disso? “Noites de sonho”, ri. “Penso na partida até hoje e ainda dói. Tentei esquecer. Guardei o que foi bom. Levei pelo lado positivo da coisa. Podia ter ganho, podia ter ido melhor, mas assim é o tênis. Vou ter 1001 oportunidades de jogar de novo com outras meninas boas, então tem que saber perder, não dá para ficar frustrada. Frustração é uma palavra muito forte. Só tenho 19 anos e bola para a frente. Jogo de tênis é assim, só acaba no aperto de mão. Então é aprender. Isso é experiência”, afirma.

Pressão ou inspiração?

Bia sempre foi mais desenvolvida que as meninas de sua idade e hoje tem um porte atlético invejável, com 1,85 m. Apontada desde muito pequena como uma possível grande estrela, ela parece não se incomodar com isso. “Gosto quando as pessoas reconhecem. Ter seu trabalho valorizado é uma coisa muito legal. Não levo isso como pressão. Ao contrário, acho que as pessoas que acompanham e torcem estão querendo o meu melhor, fico feliz por isso”, conta.

Mais do que isso, ela se mostra extremante consciente para uma garota tão jovem. “Ainda não sou o que quero ser. Sou uma pessoa em formação. Tenho 19 anos. Acredito que o auge é perto dos 22. Então tenho ainda dois anos para concretizar o meu jogo e tenho certeza que tenho muito ainda para crescer e muito ainda para mostrar do meu jogo. Com 19 anos, estou com meu melhor ranking. Vejo as meninas lá fora e não vejo nada de diferente. Acho que posso estar lá, posso ganhar de qualquer uma – se conseguir manter essa rotina e fazer as coisas certas. Claro que hoje tenho muita coisa a evoluir, tenho os pés no chão, mas tenho que acreditar”.

“Um exemplo disso é a Lucie Safarova (atual vice-campeã de Roland Garros), que não estava entre as favoritas. Ela mostrou que pode. Ela foi um exemplo para mim, pois é canhota também. Você tem que respeitar dentro da quadra? Tem, mas tem que mostrar, tem que acreditar e achar que sou melhor e vou ganhar”, finaliza. Se ela acredita, todos acreditam.

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