Saiba por que o sofrimento é uma das essências para o sucesso dos tenistas espanhóis
Por Chris Lewit em 26 de Janeiro de 2015 às 00:00
A Espanha terminou 2014 com cinco tenistas top 20, 12 no top 100, 17 no top 200, totalizando 96 jogadores ranqueados na ATP. Ninguém tem mais atletas tão bem classificados que o país ibérico, nem mesmo Estados Unidos, França, Itália e Alemanha, que são os únicos que possuem maior quantidade de tenistas no ranking masculino do que eles. Qual o segredo de tamanho sucesso do tênis espanhol?
Em seu livro “Os segredos do tênis espanhol”, lançado recentemente, o treinador Chris Lewit mapeou alguns pontos importantes do treinamento realizado pelos jogadores da Espanha depois de visitar alguns dos principais centros de excelência no país europeu, além de conversar com os melhores técnicos de lá. Em sua obra, Lewit apontou sete caraterísticas, divididas em capítulos. O primeiro fala sobre “Trabalho de pernas, movimentação e equilíbrio”, depois vem “Construindo uma bola pesada: desenvolvendo a velocidade da raquete”, “Paciência e Consistência”, “Defesa”, “Condicionamento físico”, “Sofrimento” e “Treinadores lendários e seus legados”.
"Para que um tenista possa jogar bem, ele precisa sofrer"
Pato Alvarez
A Revista TÊNIS teve acesso ao um dos capítulos mais interessantes do livro, cujo título “Sofrimento” já diz muita coisa. A obra, em inglês, pode ser adquirida on-line no site da Amazon.
A seguir, confira a tradução livre do trecho.
Depois de visitar academia atrás de academia e entrevistar treinador atrás de treinador, fiquei estupefato como todos ressaltaram o mesmo princípio: sofrimento.
Sofrimento, para os espanhóis, significa força mental, perseverança e um espírito de luta. É parte da cultura do tênis e cada jovem tenista espanhol deve aprender a lutar e sofrer no saibro – nunca desistir. Rafael Nadal demonstra essa força mental talvez melhor do que qualquer outro profissional. Às vezes, parece que ele gosta de sofrer! Mas todos os profissionais espanhóis são ensinados a serem lutadores que nunca desistem em quadra.
Se um espanhol for seu oponente, você pode ser mais alto ou mais forte, mas saiba que está numa briga de rua e que o rival não vai se cansar ou desistir. Seja no treino ou no jogo, a mesma disposição de sofrer é exigida pelos treinadores espanhóis de seus pupilos. Como disse Albert Costa, “estou tentando fazê-los pensar diariamente que precisam realizar algo mais. Se eles forem ao limite em um dia, no dia seguinte terão que ir um pouco mais além. Todo dia eles precisam ir além. Quando eu jogava, era um lutador. Sabia que tinha um tênis de boa qualidade, mas, quando estava treinando, estava sempre indo ao limite. Toda vez que você pisa na quadra precisa fazer algo mais, ou tentar melhorar algo”.
Tenistas espanhóis são ensinados a serem lutadores, mas também a serem esportistas humildes. Há beleza na resistência, humildade e integridade que tipificam a mentalidade espanhola. José Higueras, que era um verdadeiro lutador em quadra, acredita que a disposição de sofrer e lutar é um dos elementos-chave em falta nos juvenis norte-americanos. De fato, a USTA tem enviado esquadrões de elite de seus jogadores para a Barcelona Total Tennis (a academia líder na Espanha) para aprender como treinar e, mais importante, sofrer da forma espanhola.
Sofrimento, para os espanhóis, significa força mental, perseverança e um espírito de luta
"Se um tenista não está disposto a sofrer, a se sacrificar, é impossível vencer"
Sergi Bruguera
Quando os treinadores espanhóis me disseram com bastante sinceridade: “Ensinamos os jogadores como sofrer”, primeiro perguntei se eles estavam falando sério. Mas eles são muito sérios em termos de treinamento duro e de elaboração de exercícios para desafiar a coragem e o espírito de luta do jogador. A filosofia de Sergi Bruguera é: “Se um tenista não está disposto a sofrer, a se sacrificar, é impossível vencer”. Quando perguntei-lhe como tenta alcançar isso com seus jogadores, disse-me: “Nós os forçamos”. Bruguera sugeriu passar de 4 a 5 horas diariamente com seus jogadores (forçando-os física e mentalmente). Ele recomenda uma infinidade de drills: “Mais, mais, mais. É mais difícil para o treinador e para o tenista, mas o resultado, no final, é melhor”.
Os drills espanhóis, clássicos e longos, com repetições de 20 a 60 bolas ou mais – sem parar – são uma das formas clássicas de os treinadores forçarem seus atletas a aprender disciplina e nunca desistir. Não há nada como bater sua 30a bola – pernas queimando, pulmões em brasa – apenas para perceber que você ainda tem 30 mais batidas para fazer no exercício! Isso ensina a sofrer melhor do que qualquer outro drill que conheço.
Apesar de alguns treinadores aplicarem drills com apenas cinco ou 10 bolas, é o sofrimento que vem da resistência em drills de 20 ou mais bolas que cria a força mental que os técnicos espanhóis buscam.
Na Espanha, obviamente, a corrida e o condicionamento são outras importantes formas de ensinar jogadores a aprender como sofrer. Corridas de longa distância e em elevações são duas maneiras para realmente simular a dor e o sofrimento que ocorre em um jogo de cinco sets em Roland Garros.
Desde os primeiros anos, os tenistas são ensinados, através de drills e condicionamento físico – e também de jogos sobre o lento piso de saibro – que uma partida de tênis é uma luta de vida ou morte, que ele nunca pode desistir e que deve abraçar o sofrimento. Este então se torna o modo de vida para os espanhóis e eles têm essa tremenda força de vontade que podem explorar durante longas e árduas partidas.
Questionei-me se o sofrimento vem da cultura espanhola em si. Perguntei a muitos treinadores como o tênis espanhol se tornou associado ao sofrimento. Emilio Sanchez enfaticamente mencionou que o país sofreu por décadas sob um regime totalitário, portanto talvez haja uma conexão aí. O tema do sofrimento é também parte central na religião católica dominante por lá.
Muitos técnicos apontaram que as quadras de saibro ensinam um jogador que sofrer é necessário para vencer. Um amigo mencionou as obras de Goya, que retratou o sofrimento como um tema constante em seu trabalho. Talvez haja uma conexão cultural, alguma sustentação histórica para essa filosofia masoquista? Não tenho a resposta completa. Mas sofrimento é o termo mais simples para explicar como os tenistas espanhóis aspiram a ser os lutadores mais fortes mentalmente de um torneio.
Quando perguntei a Pedro Rico, ex-treinador do ascendente Carlos Boluda, sobre os espanhóis estarem mais dispostos a sofrer, ele disse: “Não, eles não estão dispostos a sofrer. Eles amam sofrer. Se eles saírem de quadra com seus tênis e suas meias encharcados de saibro, mesmo que tenham perdido – isso é ainda melhor –, eles estarão felizes”.
O espírito lutador e a disposição para sofrer são as características da mentalidade espanhola.
"Os tenistas espanhóis não estão dispostos a sofrer. Eles amam sofrer"
Pedro Rico
Treinadores, pais e jogadores podem aprender com a forma com que os espanhóis ensinam seus tenistas a sofrer. Mais importante, entender a resistência do treinamento, em quadra ou fora dela, tem um valor tremendo e deve ser usado para desenvolver a força mental e concentração, não apenas para os benefícios físicos mais óbvios.
Treinos de resistência se tornaram fora de moda nos últimos anos com os técnicos dando mais importância para trabalhos com sprints curtos para imitar a equação de descanso/trabalho em uma típica partida de tênis. Os treinadores argumentam que muito trabalho de resistência pode fazer com que os jogadores fiquem lentos – na verdade, desenvolve mais fibras de contração lenta nos músculos. Mas os anos de sucesso do treinamento espanhol provaram que esse medo é exagerado e que drills de longa duração e corridas em distância ainda são meios valiosos de treinamento, tanto para a parte física, quanto especialmente para benefícios mentais.
Treinadores, pais e jogadores podem trabalhar para desenvolver sistemas de valores fortes, enfatizando os principais componentes psicológicos do método espanhol:
Mais informações em: www.secretsofspanishtennis.com
Drills para aprender a sofrer
*Confira o drill em: |
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