A dura e exemplar trajetória de Rogério Dutra Silva até a quadra central do US Open 2013
Por Suzana Silva em 22 de Setembro de 2013 às 00:00
UM GAROTO FRANZINO, que aos 10 anos, saía de casa em Parelheiros, às 3h40 da madrugada, para treinar tênis já nos indica o paradoxal tamanho da vontade. O menino cresceu e, aos 29 anos, vivencia a jornada em busca de melhores posições no ranking mundial. Dentre tantas aventuras, o desempenho corajoso diante de 23 mil pessoas – sem contar os milhões pela televisão – neste US Open, enfrentando ninguém menos do que Rafael Nadal.
A cabeça erguida, a garra e a vontade de lutar com o futuro campeão do torneio até a última bola do jogo emocionam. Ele saiu “mordido”, parecendo falar: “Rafa, me aguarde para o próximo confronto, você vai ver só...”. A pergunta que fica é: o que podemos aprender com esse destemido brasileiro?
Sabe aquela atitude dos jogadores do Santos, na final do Mundial de Futebol no Japão contra o Barcelona em 2011? Aquele derrotismo, aquela apatia, e falta de vontade contra um adversário superfavorito? Nada a ver com a atitude do valente brasileiro frente a Nadal: ele jogou concentrado do começo ao fim, tentando resolver a equação de retornar os serviços com efeito extremo “ao contrário” do rival canhoto, e de lidar com as bolas pesadas com topspin do fundo de quadra.
Mas deixando de lado um pouco o jogo contra Nadal, vale lembrar que antes de enfrentar o Touro, esse brasileiro precisou provar que merecia essa chance. Teve que passar por três jogos do qualifying, sendo o último uma pedreira, decidido no tiebreak do set final. Em seguida, enfrentou o canadense Vasek Popisil. Saiu perdendo por 2 sets a 0. Conseguiu vencer o terceiro no tiebreak, teve sua reação interrompida pela chuva e foi concretizar a vitória no tiebreak do quinto set com 12 a 10 no desempate, depois de salvar sete match-points, após mais de 4 horas de jogo.
Rogério Dutra Silva, filho de Eulício Teodózio da Silva, e sobrinho de José Teodózio da Silva, Cícero Teodózio da Silva, Sebastião Teodózio da Silva e de Deoclécio Teodózio da Silva, traz na veia a tradição de dedicação e humildade do clã Teodózio. Na primeira entrevista que seu pai Eulício deu nos anos 1970, eram 11 os Teodózios dedicados à prática e ao ensino do tênis. Hoje já somam 40. Aos sete anos, Rogerinho foi iniciado na arte da família.
Nossa curiosidade para descobrir o que o pai-professor fez de especial para conseguir um resultado tão positivo com seu filho levou a Revista TÊNIS a um bate-papo no próprio Clube de Campo do Castelo, em Interlagos, onde Eulício joga até hoje, aos 65 anos. O que tem no DNA de Rogério e, mais importante, o que foi feito pelo pai que contribuiu para esse DNA se manifestar?
Rogério era franzino para a idade, começou a jogar torneios federados com 10 anos, quando ainda tinha a altura da rede – hoje mede 1,78 m – e precisava compensar a falta de força e tamanho com muita inteligência. Alguns de seus adversários da época o descrevem como “maduro para a idade, consistente, alguém que não dá ponto de graça, e que joga o tênis porcentagem” (Thiago Cunha, que o enfrentou no Tênis Clube Paulista aos 12 anos), e “ele não errava, era irritante, não dava moleza de jeito nenhum” (Luciano Mendes, que o enfrentou no próprio Castelo aos 13).
Os dois adversários da adolescência o consideravam um jogador justo, tranquilo, que não fazia catimbas, que jogava e pronto. Rogério não reclamava consigo mesmo se errasse alguma bola, mesmo as fáceis. Era concentrado do começo ao fim.
Mas a inteligência e tranquilidade para jogar têm uma bela pitada de ajuda do pai. Eulício o incentivava a jogar com todos os tipos de adversários que apareciam no clube: adultos, crianças, jovens; “baloeiros”, ofensivos, conservadores; gordinhos, magrinhos, musculosos; homens e mulheres. E, descobrir como vencer cada um desses adversários não desenvolve a inteligência?
O pai foi seu professor até os 14, 16 anos, quando Rogério começou a praticar em academias, que poderiam lhe proporcionar um treinamento mais forte e organizado. Apenas nessa fase a preparação física formal foi incluída em seu programa, o que, segundo Eulício, foi o grande “buraco” em seu desenvolvimento. Mas, inspirado por Guga, Rogério decidiu se tornar um profissional de tênis, e qualquer buraco não irá impedi-lo.
Eulício, que quando jogador teve vitórias importantes sobre Thomaz Koch e chegou a ser pré-convocado para a equipe da Copa Davis em 1972, sempre enfatizou a variação de jogadas durante a formação de Rogério. Para se ter uma ideia, Rogério foi campeão brasileiro da categoria 14 anos, com a tática de sacar e subir à rede. O pai ensinou de tudo ao garoto: slices, curtinhas, bate-pronto, lobs... Hum...
Mas, como acontece com qualquer criança que depende do ranking para sobreviver no esporte, alguns fundamentos foram sacrificados no processo, como o saque e o backhand mais ofensivo – e com o técnico Larri Passos ele melhorou ambos. Segundo Rogerinho, Larri é o segundo Eulício, pois os dois são treinadores severos, que primam pela repetição dos golpes para se chegar a melhoras consistentes.
E, como Eulício se comportava durante os jogos de Rogerinho em torneios infanto-juvenis? “Ah, eu via o jogo e sofria calado de longe, e conversava com meu filho bem depois, quando ele estava mais calmo”. As conversas eram principalmente sobre aspectos técnicos, e são até hoje. Aquele swing volley que Rogerinho errou no primeiro set contra Nadal deixou o Eulício-professor bem bravo.
Os empurrões que Eulício-pai precisou dar em Rogério foram poucos. Seu filho se joga nos torneios disputados em terras distantes para buscar pontos com a mesma coragem com que, ainda criança, tomava ônibus sozinho de madrugada – como quando jogou no Cazaquistão e chegou à semifinal do Challenger de Almaty, em 2008.
Sem patrocínios fixos – apenas com apoio para passagens fornecido pela CBT/Correios – sem técnico ou equipe de apoio para viajar com ele, sem família acompanhando de perto, sem tradutores. Palavras? Arrojo, raça, inteligência, valentia, espírito guerreiro. Ou melhor, sem palavras.