A aposentadoria precoce de Justine Henin lembra o quão duro é a carreira profissional
Gustavo Pereira em 28 de Agosto de 2008 às 11:50
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Em qualquer disputa esportiva, há sempre dois obstáculos: o seu limite e seu adversário. Contra o segundo, é mais fácil de lidar. Você faz uma jogada e o oponente responde, até que um seja o vencedor. Mas, em determinado ponto, nosso corpo falha em acompanhar o que nossa mente deseja fazer. Por isso, é muito difícil para qualquer atleta admitir que chegou a hora de se aposentar. Afinal, são anos dedicados ao esporte. Dores, treinamentos, viagens para longe da família. Às vezes, o desgaste nem é físico, é mental. Você pode se tornar seu maior inimigo e a pressão que colocamos em nós mesmos é suficiente para que o fim seja antecipado.
E, em maio deste ano, o mundo do tênis foi pego de surpresa mais uma vez. Pouco antes de completar 26 anos, a belga Justine Henin, então número um do mundo, convocou a imprensa para anunciar sua aposentadoria. Ela queria viver a vida fora do tênis. Era a primeira vez que um tenista deixava o esporte no topo do ranking. Mas, apesar de todo o espanto causado pelo anúncio de sua retirada precoce, a belga não é a primeira e provavelmente não será a última a deixar o esporte ainda perto de seus anos de auge.
O exemplo mais clássico de como a pressão física e mental do tênis pode desgastar um atleta é o caso do sueco Bjorn Borg. Especialistas acreditam que nunca houve carreira tão breve e tão brilhante no tênis moderno. Em 1981, com apenas 25 anos, ele já havia conquistado o título de Roland Garros por seis vezes, sendo quatro em seqüência. Em Wimbledon, foi campeão cinco vezes consecutivas. Mas naquele ano, Borg perdeu para o novato norte-americano John McEnroe na decisão do Aberto inglês. Pouco mais de dois meses depois, eles se enfrentaram novamente na final do US Open e McEnroe voltou a levar melhor.
O sueco saiu da quadra antes da cerimônia e deixou o complexo de Flushing Meadows sem falar com a imprensa. As derrotas para McEnroe em Wimbledon e no US Open confirmaram que Borg não era mais o número um do mundo e sua alegria de jogar parecia ter terminado. Em 1982, disputou apenas a competição em Monte Carlo. Assim, em janeiro de 1983, anunciou que estava se aposentando, aos 26 anos. "Já não estou sentindo tanto prazer de estar em quadra. Quero fazer outras coisas, quero viver", disse.
Fora das quadras, Borg passou por diversos problemas. Tentou lançar uma linha de roupas e não teve sucesso. Teve dois casamentos frustrados e rumores dizem que sofreu uma overdose em 1989, o que levantou a suspeita de que o sueco teria tentando se suicidar. Ele ainda tentou voltar às quadras em 1991, 92 e 93, mas, sem contar com a mesma rapidez de pernas, perdeu todas as partidas e parou de vez. Contudo, Borg não foi o único sueco a deixar o tênis precocemente. Mats Wilander, como seu antecessor, também era um prodígio. Em seu primeiro ano como profissional, 1982, venceu Roland Garros. Seis anos depois, tornou-se número um do mundo ao ganhar três Grand Slams na mesma temporada (Australian Open, Roland Garros e US Open). Porém, atingir o primeiro posto parece ter desmotivado Wilander, que, em 1991, aos 27 anos e com sete títulos de Major no currículo, resolveu tentar a vida fora das quadras. "Eu era muito ruim como número um", disse o sueco. Dois anos depois, contudo, ele retornou ao circuito com algum sucesso e deixou tudo novamente em 1995.
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Recentes |
Mats Wilander parou e retornou. Kim Clijsters deixou as quadras aos 23 anos. Martina Hingis se aposentou duas vezes antes dos 27 |
Como a Suécia, a Bélgica também ostenta duas aposentadorias precoces de atletas top, já que em maio do ano passado, Kim Clijsters, com 23 anos, deixou as quadras. Sua preocupação era a saúde de seu corpo, debilitado pelos anos no circuito. A belga ainda pensava em montar sua família e ter filhos. "Teria sido fácil disputar alguns torneios para ganhar um pouco de dinheiro. Mas a saúde e o prazer são mais importantes do que isso", explicou. Como Henin, Cljisters também foi número um do mundo. Em apenas oito anos como profissional, ela ganhou o US Open e outros 34 títulos em simples.
Ainda em 2007, a suíça Martina Hingis anunciou que estava se aposentando. Essa, na verdade, era a segunda parada da tenista. Em 2002, a "Swiss Miss" abandonou o tênis com somente 22 anos, mas sérios problemas no tornozelo. A mais jovem número um da história largava o esporte com cinco Majors de simples conquistados e nove em duplas (completou o Grand Slam de duplas em 1998). Em 2006, voltou ao circuito e chegou ao top 10, porém, em 1º de novembro de 2007, garantiu que estava deixando o tênis de uma vez por todas. Hingis foi pega em exame antidoping em Wimbledon. Seu teste deu positivo para cocaína, fato que a suíça negou. "Testei positivo, mas nunca usei drogas. Sinto que sou inocente, mas não quero brigar com as autoridades antidoping. Devido a minha idade e aos meus problemas de saúde, decidi me retirar do tênis profissional", afirmou, ainda aos 27 anos.
Físico |
Rene Lacoste, Anna Kournikova e Tracy Austin deixaram o tênis após sofrerem com lesões |
Foram problemas físicos que afastaram um dos grandes nomes do tênis feminino dos anos 70. A norte-americana Tracy Austin era um fenômeno do tênis juvenil e foi sensação tão logo começou a competir profissionalmente. Em 1979, aos 16 anos e 9 meses, ela se tornou a mais jovem a vencer o US Open. No mesmo ano, ela interrompeu a incrível seqüência de 125 jogos invictos de Chris Evert. Todavia, em 1983, com 21 anos e sérios problemas nas costas, sua carreira estava acabada. Austin ainda tentou voltar em 1994, mas sem êxito.
Problemas de saúde também impediram que o francês Rene Lacoste fosse adiante. Nascido em julho de 1904, ele começou a jogar tênis somente com 15 anos e o pai, um rico fabricante de automóveis, só deixou que ele se dedicasse ao esporte se conseguisse alcançar seus objetivos dentro de cinco anos. Caso contrário, o garoto deveria deixar as competições.
Lacoste fez parte dos "Quatro Mosqueteiros", que ganharam a Copa Davis pela primeira vez em 1927, num dos maiores momentos do tênis francês na história. Ele ainda venceu sete Grand Slams em simples e três em duplas. Depois de ganhar Roland Garros em 1929, ele abandonou as quadras devido à sua saúde precária. Menos traumatizante foi o afastamento da russa Anna Kournikova do circuito profissional. Ela nunca conquistou um título de simples na carreira, mas ajudou o esporte a ganhar visibilidade mundo afora. Uma contusão nas costas fez com que a russa não disputasse qualquer evento da WTA desde 2003, quando tinha somente 22 anos. Curiosamente, seu último jogo foi diante de uma brasileira. No pequeno torneio de Charlottesville, Kournikova foi surpreendida por Bruno Colósio em três sets. Dois anos depois, disse durante uma entrevista que voltaria ao circuito desde que estivesse 100% fisicamente.
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Mental |
Gabriela Sabatini, Marcelo Saliola e Margareth Smith Court tiveram problemas para suportar a vida no circuito |
O Brasil também tem u m caso famoso de aposentadoria precoce. Em 1988, Marcelo Saliola tinha apenas 14 anos, mas conseguiu vencer uma partida no Challenger de Itu, SP, e se tornou o mais jovem tenista a aparecer no ranking da ATP. Sua carreira prometia ser grandiosa, mas a pressão da família e as duras rotinas de treinos foram demais para o garoto.
"Todo mundo só pensa na parte bela do tênis: o jogador beijando um cheque de US$ 250 mil. Mas isso é a cena rara. A cena comum é uma vida de privações, de momentos solitários e de total desapego pela família e pelos amigos. Ele não agüentava isso", disse o técnico Marcelo Meyer, que treinou Saliola por oito anos.
Em 1991, Saliola chegou ao topo de sua carreira. Estava entre os 250 melhores e havia derrotado o espanhol Emilio Sanchez, então número 12 do mundo, no torneio de Brasília. Após o duelo, gritou: "Se pisar de novo numa quadra de tênis, eu vomito". Em seguida, disputou apenas mais um torneio e abandonou a carreira aos 17 anos. Já havia feito muito em pouco tempo. Mas nunca realizou algo prazeroso.
E, em 1966, também devido ao estresse da competição, o mundo parecia ter dado adeus à tenista que se tornaria a maior vencedora de Majors na história do esporte. A australiana Margareth Smith Court, que no início daquele ano venceu seu 12 título de simples em Grand Slams, no Australian Championships (futuro Australian Open), anunciou sua aposentadoria aos 24 anos, após perder a semifinal de Wimbledon para Billie Jean King. A pressão e a solidão do circuito a sobrecarregavam. Assim, ela abriu uma loja de roupas, mas, um ano depois, estava de volta ao tênis profissional e, em 1970, se tornaria a segunda mulher a completar o Grand Slam. Houve outras interrupções pelo caminho, porém a australiana seguiria competindo até os 34 anos. No fim, somou 62 títulos de Major na carreira, entre simples, duplas e duplas mistas, recorde até hoje.
Se Margareth Smith Court retornou, o mesmo não se pode dizer de Gabriela Sabatini. Aos 26 anos, ainda em 29º lugar no ranking da WTA e um título do US Open no currículo, a bela argentina decidiu que sua vida não seria mais dentro do tênis. "Só sei que chegou um momento em que não desfrutava do tênis. Levantava de manhã e pensava: 'Tenho que treinar'. E não queria. Foi muito difícil. Senti uma grande necessidade de viver", revelou Sabatini, que, desde 24 de outubro de 1996, raramente pegou na raquete e se dedicou à carreira de empresária. No entanto, a pressão psicológica pode ser mesmo um fator determinante e o caso do japonês Jiro Satoh é emblemático. Em 1934, aos 26, o jovem se suicidou ao se jogar do navio que o transportava para disputar torneios na Europa. O motivo: não ter conseguido levar o Japão à vitória na Copa Davis no ano anterior.
Acaso |
As carreiras de Monica Seles e Maureen Connolly foram prejudicadas por acidentes |
A história da norte-americana Maureen Connolly também é triste, mas não tem nada a ver com a parte mental. Com apenas 16 anos, ela conquistou o título do US Championships (que se tornaria o US Open na Era Aberta) em 1951. Em 1952, conseguiu o bicampeonato e também triunfou na grama de Wimbledon. Em 1953, uma temporada perfeita. Maurren conquistou os quatro Grand Slams, que, antes dela, somente Don Budge havia conseguido. Em sua campanha nos Majors daquele ano, "Little Mo" perdeu apenas um set. Assim, foi a primeira mulher a vencer os quatro Slams em uma só temporada.
Mas, um ano depois, quando estava com 19 anos, a carreira da norte-americana chegou ao fim. Maureen andava de cavalo, dado por seus admiradores de San Diego - cidade onde ela nasceu -, quando um caminhão se chocou e esmagou a perna direita da tenista. "Sabia imediatamente que nunca jogaria novamente", disse Connolly. O acidente aconteceu em 20 de julho, duas semanas após sua conquista do tricampeonato consecutivo em Wimbledon.
Se não fosse por isso, especialistas acreditam que Maureen Connolly teria sido a maior tenista de todos os tempos. Após a recuperação, a norte-americana continuou dando aulas, mas nunca mais competiu. E o destino continuou sendo cruel com ela, que foi diagnosticada com câncer em 1966. Três anos depois, morreu ainda jovem, aos 34 anos.
Também trágico e espantoso foi o "acidente" com a iugoslava Monica Seles, em abril de 1993, em Hamburgo. Quando assumiu o posto de número um em 1991, aos 17 anos, ela encerrou um ciclo de domínio de quatro anos da alemã Steffi Graf. Naquela temporada, ela venceu três Grand Slams (Austrália, França e Estados Unidos). No ano seguinte, repetiu a façanha, acrescentando a final na Inglaterra. No começo de 1993, havia conquistado o Australian Open pela terceira vez seguida. No entanto, nas quartas-de-final de Hamburgo, Seles vencia a búlgara Magdalena Maleeva, por 6/4 e 4/3. Na virada do game, um fanático torcedor de Graf, o alemão Guenther Parche, esfaqueou a iugoslava logo abaixo do ombro esquerdo. Isso não encerrou a carreira da jovem, que voltou à ativa depois de dois anos e quatro meses (em 1995), mas limitou suas possibilidades. Em 1996, ela ganhou seu último Grand Slam, novamente na Austrália e continuou no circuito até 2003, mas sem o mesmo sucesso de antes.
A história do tênis ainda guarda outros inúmeros casos de tenistas que abandonaram suas carreiras ainda muito jovens. Isso mostra que, seja física ou mentalmente, todos temos limites. No esporte profissional, sempre há um preço a ser pago pelo sucesso e a aposentadoria faz parte da carreira de qualquer atleta. Cada um tem seu tempo, mas, seguramente, ela chega para todos, cedo ou tarde.