Bauru Tênis Clube já formou uma bela geração de tenistas de alto nível e foi referência no tênis do Brasil
Matheus Martins Fontes em 23 de Março de 2010 às 06:41
Sede Náutica, às margens do Tietê |
É difícil imaginar que um clube do interior de São Paulo um dia tenha sido a principal referência de tênis no Brasil e imbatível nos interclubes. Na mesma época, de lá brotaram Roger Guedes, Júlio Góes, Celso Sacomandi, Renato Joaquim e Edvaldo Oliveira, cinco grandes nomes do tênis do Brasil. Sim, o tênis brasileiro deve muito ao Bauru Tênis Clube, que hoje ainda guarda um pouco das glórias do tempo em que os meninos de “Seu” Cláudio Sacomandi – treinador, pai de Celso – fizeram fama.
O BTC, como é conhecido, possui grande infraestrutura, espalhada por três sedes. A sede Social, a mais antiga, é responsável por grandes eventos, nobres tradições e festas das mais elegantes da cidade. A marina da sede Náutica, às margens do rio Tietê, é uma das paisagens mais belas do interior de São Paulo. E, por fim, o Clube de Campo, que, além de quadras poliesportivas, quiosques para churrascos, piscinas, campos de futebol, pistas de atletismo, salão de jogos, academia etc, tem amplo complexo de tênis, com 15 quadras (duas de piso rápido e 13 de saibro), sendo duas cobertas.
Foi pelas mãos de “Seu” Cláudio Sacomandi (ao centro na foto acima) que uma talentosa geração de tenistas surgiu no BTC e fez história no tênis nacional. Entre eles, seu filho, Celso (foto abaixo), um dos melhores juvenis do mundo em sua época |
Princípio
Com forte influência estrangeira, principalmente da colônia japonesa, o tênis, ao lado da natação, foi sempre a modalidade de destaque dentro do clube. A primeira quadra de Bauru foi construída pelo secretário do cônsul japonês, Kazukiyo Irie, em 1924, antes mesmo da fundação do BTC. Em 19 de agosto de 1926, foi inaugurado o Bauru Tênis Clube e, assim, nascia a sua primeira equipe.
Os anos foram se passando e, com eles, vieram os títulos, as primeiras conquistas de um clube que vivia o tênis no seu dia-a-dia. Bauru entraria no ciclo de hegemonia da modalidade no interior do estado, competindo com diversas cidades tradicionais, como Ribeirão Preto, Santos e Campinas. A equipe composta por Roberto Cardoso, Carlos Eduardo Cury, José Stockl e Luis Carlos de Barros César foi um verdadeiro divisor de águas para a história do clube bauruense – a agremiação deixava a posição de coadjuvante para se tornar um dos times mais fortes de São Paulo na década de 1960, quando triunfaram por 10 anos consecutivos nos Jogos Abertos do Interior e nos Jogos Regionais. “Bauru era simplesmente uma potência no tênis. Lembro que quando a equipe ia para os Abertos, as pessoas já contavam com o título de Bauru na modalidade, sabiam que o nosso time era muito forte”, analisou o bauruense Roger Guedes, tenista que viria a fazer sucesso na geração posterior.
Além disso, dois atletas se destacaram no cenário mundial. Foi o caso de Luis Carlos de Barros Cesar, que conquistou dois títulos mundiais universitários, em Dortmund, na Alemanha, e em San Sebastian, na Espanha. E Roberto Cardoso, considerado um dos melhores tenistas brasileiros naquela época, que integrou a equipe nacional da Copa Davis, em Helsinque e em Paris.
#Q#
A paisagem da marina do BTC é, sem dúvida, uma das mais belas do interior do estado de São Paulo |
A mão de Cláudio Sacomandi
Em 1950, o professor Cláudio Sacomandi, que seria encarregado de treinar a equipe juvenil, chegou ao clube bauruense. Ex-pegador de bola no Esperia, em São Paulo, Cláudio aprendeu a jogar tênis apenas observando as aulas no clube paulistano e teve um convite para trabalhar em Marília. Não muito depois, mudou-se para Bauru, onde formaria uma das equipes mais conceituadas e competentes que o clube já teve. “Quem tinha talento e força de vontade jogava com ele, mas quem pisava na bola ou não levava a sério, podia esquecer, ele não aceitava”, lembra Celso Sacomandi, que assumiu o posto de professor no clube anos depois de seu pai.
O técnico Cláudio era um grande incentivador de seus pupilos, mas cobrava deles muito empenho, assim o talento viria junto com uma das armas que ele mais pregava: a dedicação. Assim, a formação de campeões seria apenas uma questão de tempo. “Foi nas mãos do meu pai que o BTC foi considerado um dos melhores do Brasil”, acrescenta o filho, Celso. A equipe que passou a treinar e representar Bauru nas grandes competições daquele período era composta Roger Guedes, Julio Góes, Renato Joaquim, Edvaldo Oliveira e, claro, Celso Sacomandi. Além disso, o feminino seria também bem representado, por Regina e Cecília Joaquim e Márcia Cury, conquistando inúmeros campeonatos brasileiros e sul-americanos.
Era uma equipe que dispensava comentários. “No começo dos anos 80, Bauru chegou a ter cinco tenistas entre os 10 melhores do Brasil no adulto. Nos torneios do circuito Satélite, o clube entrava com todos eles na chave. Então, era um feito que ninguém acreditava, afinal a gente era de um clube do interior e com apenas três quadras para treinar”, recorda Celso, um dos que se destacaram no cenário internacional.
Além disso, nos campeonatos brasileiros e por diversos interclubes, Bauru, como era de se esperar, atropelava os adversários, incluindo clubes de outros estados. “Num campeonato brasileiro em Joinville, a equipe de Bauru fez tantos pontos para o estado de São Paulo, que o presidente da CBT chegou a parabenizar o ‘estado de Bauru’ por esse feito, você acredita?”, brincou Celso.
Personalidades
Os alunos do “Seu Cláudio” mostraram que a fórmula de seu professor realmente funcionava com quem mostrava vontade de trabalhar. Júlio Góes, conhecido como “Meca”, de pegador de bolas passou à carreira profissional e disputou Roland Garros, Wimbledon e US Open, e também representou o Brasil na Copa Davis, chegando a ser número 68 do ranking em 1985. “Certa vez, uma revista italiana chegou a mencionar que o tenista que jogava o tênis mais bonito, elegante e com a mecânica impressionante era o Meca. O tênis com ele não era aquela correria, não era uma coisa lógica, ele tinha uma leveza, uma facilidade muito grande para jogar”, lembra celso, um dos seus parceiros de treinamento. Outro tenista bauruense que se destacou no cenário mundial foi roger guedes. Ele foi várias vezes campeão brasileiro e sul-americano, mas, o que marcou a sua carreira juvenil foi o título do Banana Bowl na categoria 18 anos, em 1971. “Veio todo o pessoal de fora (o torneio foi disputado em ribeirão Preto). deu tudo certo para mim. Venci sem perder um set. na final, ganhei do argentino guillermo aubone”, recorda guedes. como profissional, ele chegou a estar entre os 90 melhores do mundo ao final da década de 1970.
Edvaldo Oliveira, também ex-pegador de bolas, e renato Joaquim foram mais dois integrantes da talentosa safra do “Seu cláudio”. Tornaram-se dois dos melhores tenistas juvenis brasileiros, com diversos títulos nacionais. atualmente, Oliveira é o treinador do talentoso Thiago alves.
“Num campeonato brasileiro em Joinville, a equipe de Bauru fez tantos pontos para o estado de São Paulo, que o presidente da cBT chegou a parabenizar o ‘estado de Bauru’”
Celso Eugênio Sacomandi, filho do “Seu Cláudio”
#Q#
Um bom juvenil
E um personagem que ainda tem uma influência muito grande dentro do clube é celso Eugênio Sacomandi, filho do “Seu cláudio”. começou a jogar tênis aos seis anos e, desde pequeno, mostrou-se interessado no esporte mais por falta de opção. “acabei jogando tênis por causa do meu pai. Ele era professor, e não tinha televisão, nem internet, então não tinha nada para fazer. Por isso, ficávamos no clube, nas quadras, atrapalhando o cara que queria molhar a quadra. acho que ele devia odiar a gente (risos)... Ninguém mandava treinar, a gente jogava o dia inteiro no clube, jogávamos 12, 15 sets por dia, nas férias principalmente. E meu pai era rígido na disciplina apenas. Por isso que falo que não foi uma fórmula secreta, mas uma mistura de falta de opção mesmo, mas também com uma grande visão do meu pai, que não deixava a gente ficar sem treinar por muito tempo”, conta Celso.
O filho de Cláudio, contudo, não foi brilhante em sua carreira profissional, alcançando um modesto lugar entre os 350 melhores do ranking. Parou de jogar profissionalmente com 23 anos, mas já se dizia mental e fisicamente desgastado. “Desde os 12 anos que jogava, ganhava e tinha muita cobrança, aquilo cansava para caramba. Como eu era bom no juvenil, então a expectativa de todos em mim era que eu ganhasse qualquer jogo, era obrigação. Agora, se eu perco, vai acontecer isso, aquilo. Tudo desgasta o jogador. E quando fui para o profissional, sentia que não podia ir mais além do que eu jogava, as derrotas já não serviam como aprendizado, estava perdendo a garra. E numa situação de ficar no grupo dos 500, 400 e não sair dali, prefiro parar do que continuar assim”, analisa.
Mas, certamente, sua trajetória como juvenil foi impressionante. Fã do australiano Rod Laver e do sueco Bjorn Borg, Celso venceu por sete vezes seguidas o Campeonato Brasileiro, nas categorias de 12, 14, 16, 18 e 21 anos; foi campeão sulamericano, campeão mundial por equipes de 18 anos (ao lado de Cássio Motta), e venceu por duas vezes o Banana Bowl nas categorias de 13/15 anos em 1971 e dos 16 anos, em 1975. “A primeira vez em que ganhei o Banana foi em cima do Ricardo Ycasa na final. Depois, ganhei do Eduardo Bengoechea na final dos 16. Fui duas vezes vice-campeão do Orange Bowl em simples, dos 14 e 16 anos, e nas duplas também dos 16 e 18 anos, essa última ao lado do Cássio”, lembra Celso, que chegou a compor o seleto grupo dos 10 melhores tenistas juvenis daquela época. Além disso, jogou contra lendas do tênis como John McEnroe (que até hoje o considera um grande amigo), Yannick Noah, Ivan Lendl e Jose Luis Clerc.
Legado
Todos esses feitos não tiram, no entanto, o espírito de trabalhador que herdou de seu progenitor. Atualmente, Celso coordena a escolinha de tênis do BTC ao lado de cinco professores. “Hoje em dia, o clube está mais voltado ao sócio e não tem mais aquela filosofia de competição da nossa época. São realizados dois torneios federados por ano, um em cada semestre para ajudar a molecada que está começando”, diz Sacomandi, que ainda não vê florescer no clube os mesmos talentos de outros tempos.
Mas, para que o clube e também o Brasil voltem a formar mais jogadores, devese começar um trabalho na base, com incentivo aos mais novos e promissores, e é claro, com a fórmula do “Seu Cláudio”: a dedicação em primeiro lugar. “A gente sempre acredita que vai acontecer alguma coisa. Mas procuro passar a experiência que a gente teve para tentar aparar as arestas. Na nossa época, o caminho era bem mais difícil, hoje o passo é mais curto e não precisa ter golpe apenas, uma boa direita ou esquerda, tem que trabalhar a cabeça, o psicológico. Ser disciplinado é o primeiro passo para você sobressair nesse esporte”, acredita o treinador. A seriedade que marcou os tenistas de Bauru deve servir de exemplo aos clubes de todo o Brasil.
#Q#