Guillermo Cañas

Depois de duas operações e uma severa punição por doping, o argentino tenta, mais uma vez, dar a volta por cima


EM 11 DE JUNHO DE 2005 a ATP punia por doping mais um tenista argentino e, pela primeira vez na história do esporte, um top ten. A punição a Guillermo Cañas, então número oito do mundo, foi a mais severa possível: dois anos de suspensão. Começava aí mais um drama na carreira de Cañas. No fim de 2000 o portenho já havia ficado quatro meses afastado do circuito devido a uma cirurgia no pulso esquerdo. Em sua volta, atingiu o top 20 pela primeira vez na vida. Três anos depois, mais uma operação, desta vez no pulso direito, lhe privou das quadras por cinco meses, mas mesmo assim conseguiu mais um notável retorno ao top 20. Por último, foi suspenso por doping, mas, confiante em sua absolvição, juntou forças para provar que estava sendo injustiçado. Um segundo julgamento lhe abrandou a pena e, apenas dois meses após este reinício, Cañas já estava entre os 150 do mundo. Nesta entrevista à Revista TÊNIS - concedida durante o Masters da Petrobras -, o persistente argentino conta, entre outras coisas, como foi a dura luta para retornar ao circuito após 15 meses.

Você esperava uma volta assim depois de tanto tempo?
Era o que queria. Tinha treinado todo esse tempo e me sentia jogando muito bem antes de começar. Mas sempre fica uma dúvida de como você vai responder em competição. Você pode estar treinando muito bem, mas quando tem que competir, às vezes não consegue fazer da mesma maneira. E depois de estar tanto tempo, 15 meses, sem competir, é difícil voltar. Mas agora estou contente de ter voltado desta maneira e feliz com estes resultados.

Achava que chegaria tão rápido próximo do top 100?
Tinha uma sensação de que sim. Me sentia jogando muito bem, quase no nível em que estava anteriormente. Estava treinando com todos os argentinos e estava jogando no mesmo nível deles. Mas é um prazer estar muito próximo do top 100 depois de jogar somente poucos torneios. Esta era uma de minhas pequenas metas. Minha grande meta é, ao fim de 2007, terminar dentro dos 20 primeiros.

Como foi a sua rotina quando estava suspenso?
Foi muito difícil seguir treinando da mesma maneira. Fisicamente, deixei de treinar somente três semanas. E tênis, jogava quando o pessoal estava na Argentina. Treinava com eles durante três, quatro semanas até que iam embora. E quando não havia ninguém em Buenos Aires, não tinha muita vontade e deixava de jogar duas, três semanas. Foi muito variado. Seis meses antes de voltar, aí sim comecei a treinar todos os dias, mas fisicamente não parei nunca.

Você já teve retornos assim antes. De onde vem essa vontade de jogar tênis? Nunca pensou em desistir?
Não. Nunca. O tênis me encanta. Amo o tênis. É meu trabalho e minha paixão. Adoro jogar, competir. Em nenhum momento passou pela minha cabeça o fato de abandonar. Tive dois retornos, 2001 e 2003, que foram duas operações na mão. Nas anteriores, o medo de deixar de jogar era o medo de não poder voltar após duas operações tão grandes. E desta vez isso não passou em nenhum momento. Sempre houve a motivação de que sabia que ia voltar. Não ia deixar toda minha carreira por isso.

Quando lhe informaram de que estava sendo investigado por doping?
Me informaram em Roland Garros, antes de começar. Depois de jogar, tive de esperar três dias para me confirmarem o que havia acontecido. Assim que confirmaram, deixei de jogar, não tinha mais vontade, e levei o fato até a imprensa. Não queria ocultar nada. Disse tudo no mesmo dia em que aconteceu, em uma coletiva de imprensa em Buenos Aires. Dei os passos do que ocorreu: que o médico havia errado, que ele me deu o remédio e que eu somente tomei o que ele havia me dado. Houve um julgamento na ATP, que não foi nada bom. Não aconteceu nada real nesse julgamento. Me acusaram de que eu havia feito de propósito e que tomei muitas vezes antes. No entanto, tive um controle (antidoping) negativo na semana anterior ao que deu positivo em Acapulco. Aí fomos ao CAS (Corte de Arbitragem do Esporte), num segundo julgamento. Começamos a buscar mais provas. Foi muito difícil encontrar tudo, mas estou contente de ter conseguido mostrar a verdade. Quando deram a última sanção, reconheceram tudo o que eu disse no primeiro dia. Você sempre fica um pouco dolorido depois de não ter nada a ver, ou muito pouco a ver, e sofrer uma sanção de doping por um erro cometido por outra pessoa. É muito difícil.

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Ricardo Ayres/Photocamera
Antes de ser suspenso, Guillermo Cañas havia passado por duas cirurgias na mão

Quando lhe informaram, achava que seria suspenso?
Não sabia nem o que havia acontecido. Era algo de quase cinco meses antes. A primeira coisa que pensei foi nas vitaminas que estava tomando. Mandamos checá-las novamente e não deu nada. Lembrei que havia ido ao médico. Isso foi a única coisa anormal que aconteceu. Aí começamos a encontrar as coisas. O médico do primeiro julgamento mente. Na segunda sanção está escrito que o médico mente. Ele disse que não havia me atendido, mas há provas de que sim. Bem, houve muitas coisas irregulares, mas as aceitaram no primeiro caso. Nunca pensei que ocorreria esta sanção. Mas depois começaram a encontrar a verdade como deveriam.

Você acha que houve preconceito, por conta dos outros casos contra os argentinos?
Meu caso foi completamente diferente de todos os outros, argentinos ou não, pois foi o último caso de quem inventou o sistema antidoping da ATP (o australiano Richard Ings). Foi seu último caso e o primeiro de um top 10. Então, ele se retirou com uma sanção máxima a um top 10. Acho que foi algo que ele precisava fazer. Ele não quis encontrar a verdade. No primeiro julgamento da ATP, eles erraram em tantas coisas que foi o último caso que a ATP julgou. Depois, tudo passou para a ITF. Por isso foi muito diferente de todos os anteriores e posteriores contra jogadores argentinos.

Como as pessoas lhe tratavam? Como um culpado?
A verdade é que não. Sempre tive apoio da maioria. Sempre há gente que pensa mal, mas sempre fui muito claro em toda minha carreira. No primeiro dia em que me interei, informei a todos. Depois de me sancionarem e dizerem o contrário do que havia dito, as pessoas continuaram acreditando em mim. Os jornalistas seguiram sustentando a minha história. Às vezes, é difícil acreditar na palavra de um contra a de todo um poderio como a ATP. Mas lutei até não poder mais para conseguir a verdade e a consegui. Meu maior prazer foi voltar a sentar em uma coletiva de imprensa e dizer que o que havia dito no primeiro dia era verdade, e que tinha provas, e que percebessem que os que mentiam não era eu e sim outros.

"Às vezes, é difícil acreditar na palavra de um contra a de todo um poderio. Mas lutei para conseguir a verdade e a consegui"

Quando começou a jogar tênis?
Comecei com cinco, seis anos. Meu pai é louco por tênis, começou a jogar quando nasci e me colocou uma raquete na mão. Ele é o principal responsável por eu estar jogando.

Qual a profissão dele?
Durante muito tempo, teve um supermercado. Faz oito anos que decidiu viver de rendas das coisas que tem e agora está jogando tênis todos os dias. Ele ia vir ao Rio (de Janeiro) esta semana, mas está jogando o masters de veteranos na Argentina e não pôde. Aí você percebe o quanto é apaixonado por tênis.

Quando decidiu que seria tenista?
A primeira grande decisão foi aos 13 anos. Pedi à minha mãe para que me mudasse de colégio, para treinar mais. Minha mãe me disse que se seguisse estudando, não haveria problema.

A Associação Argentina lhe ajudou?
Não. Nenhum de nós teve a sorte de ter apoio da Associação Argentina. Estou falando por todos da minha geração, que são muitos. Por sorte somos muitos! Nem Gaudio, nem Puerta, nem Zabaleta. Acho que hoje a associação tem um centro mais formado para apoiar um pouco mais, mas não na época em que me criei.

E como há tantos argentinos top 100?
A Argentina tem uma grande história tenística, tem uma grande paixão de trabalho e acho que toda nossa geração tem uma competitividade muito sã entre a gente. Isso é muito bom para crescer e melhorar. E no momento em que não tínhamos apoio de ninguém, começamos a nos apoiar entre a gente. Quando um podia viajar com o preparador físico, tratávamos de nos juntar a ele. Desde o primeiro momento começamos a ser muito profissionais e isso ajudou muito. Hoje somos quase todos formados e cada um tem seu grupo de trabalho, mas acho que o fato de um começar a ir bem, o outro sente que também pode ir. Esta competitividade sã entre a gente ajudou o tênis argentino a ter, em um momento, quatro top 10. E acho que segue sendo uma grande potência no mundo do tênis.

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Você já jogou contra Sampras e Federer. Quem é o melhor?
É difícil dizer. Contra Sampras joguei em um momento em que ele não estava em sua plenitude. Contra Federer, aí sim, foi desta maneira. Acho que são jogadores muito similares e muito diferentes. Sampras, por tudo o que conseguiu, era um jogador incrível. Mas acho que Federer é o tenista mais completo que há na história e creio que se ele seguir assim um pouco mais, pode bater os recordes de Sampras tranqüilamente.

Você sonha em ser número um?
É difícil conseguir algo que muito poucos podem conseguir. Acho que é um sonho quando você é pequeno. Ser número um, ganhar um Grand Slam, a Copa Davis, são sonhos grandes e muito poucos têm o prazer de alcançá-los. Não é minha motivação. Minha motivação é completamente diferente. Hoje é voltar a estar entre os 20, seguir melhorando e voltar a ser top 10. E quando chegar a esta meta, você sempre vai querer melhorar. Estive em oitavo no mundo e sei que ainda tenho muito mais para dar.

"Acho que a esta geração faz falta ganhar uma copa Davis... Depois disso já estará tudo alcançado"

O que falta para a Argentina ter um número um? Que Federer e Nadal parem?
Não acho. Hoje Federer é um número um incontestável e Nadal um dois muito acentuado. Mas acho que, tirando eu, dois jogadores argentinos, para mim, podiam estar lutando pelo número um. Em seu melhor momento, Coria podia ter lutado. E acho que Nalbandian tem talento para alcançá-lo. É preciso muitas coisas para você chegar a ser número um: vontade de ser, vontade de deixar muitas coisas para ser, sorte de conseguir... Hoje Nadal é um jogador incrível, que ganhou muito mais do que muitos outros números um, e nunca pode ser o primeiro. E nessa conjuntura nunca pode chegar, pois enfrenta um Federer quase imbatível em sua melhor época.

Guillermo Cañas
Nascimento: 25 de novembro de 1977, Buenos Aires, Argentina
Altura e peso: 1,85m e 86 quilos
Destro
Profissional desde 1995
Família: Pais Luiz e Mirta. Irmã Maria Fernanda jogou pouco tênis e hoje organiza festas em dois salões do pai. Ela deve ter um filho em janeiro, será o primeiro sobrinho de Cañas.
Primeiro professor: Valerio. Dava aulas em Aldrogué, próximo ao centro de Buenos Aires, Foi quem me ensinou a jogar tênis. Comecei a jogar em uma parte ao sul de Buenos Aires, no mesmo lugar onde Gaston Gaudio começou.
Ídolo: Nenhum. Quando pequeno, Ivan Lendl.
Técnico atual: Gaston Etlis
Melhor ranking: 8º lugar em simples (6 de junho de 2005) e 47º lugar em duplas (15 de julho de 2002)
Títulos: Casablanca (2001), Chennai e Masters Series de Toronto (2002), Xangai, Stuttgart e Umag (2004)
Vices: Orlando (1999), Stuttgart, 's-Hertogenbosch e Vienna (2001), Casablanca e Stuttgart (2002), Vienna (2004)
Prêmios na carreira: US$ 3.806.695

E o que falta para a Argentina ganhar a Copa Davis?
Sorte. Estivemos perto este ano. Na Copa Davis, além de ter jogadores, tem que ter sorte. Argentina é um rival quase imbatível em casa e um rival difícil de ganhar fora. Por isso acho que temos todas as chances. Tivemos má sorte nos últimos anos. Se os Estados Unidos ganhassem da Rússia (na semifinal deste ano), jogaríamos com eles em casa e aí era quase certo. Por isso acho que a Argentina tem que ter mais sorte no sorteio, como aconteceu com a Espanha na primeira vez que ganharam - jogaram quatro jogos em casa. A Argentina tem, no entanto, muito mais mérito nesta final, por tê-la alcançado jogando partidas incríveis fora de casa.

Esta geração já merece um título na Davis?
É o último que falta para a nossa grande geração. Me coloco nela porque acho que contribuí muito. Fui o primeiro a chegar a top 10 depois de tanto tempo. Acho que a esta geração faz falta ganhar uma Copa Davis e acho que depois disso já estará tudo alcançado. Pois conseguiu ganhar Masters Series, Grand Slam, Masters Cup.

Você sonha ganhar qual torneio?
Roland Garros. Acho que este é o que todos queremos ganhar. É o torneio de que mais gosto e acho que é a maior meta da minha vida, além da Copa Davis.

Você jogou sete vezes com Guga e nunca ganhou? Por quê?
Ganhei uma. A primeira, em um Challenger em Mendoza. Depois perdi todas. Acho que todas foram em um momento em que Guga estava jogando muito bem e eu não joguei meu melhor. Não gostava do jogo dele, não me caía bem. E sempre tive que jogar em saibro, que é a melhor superfície dele.

Vocês treinaram juntos por um tempo, com Herman Gumy. Acha que Guga é capaz de voltar a jogar em alto nível?
O esforço que Guga está fazendo, o esforço que ele coloca no dia-a-dia para voltar a jogar entre os melhores, tem todo o meu respeito, pois sei como é difícil. Tem minha apreciação, minha admiração, além de ter sido número um do mundo - que é algo que não se compra e não se mente. Além disso, é um companheiro, um amigo nos últimos tempos. Uma pessoa que ganhou tudo. Acho que pode voltar a estar bem fisicamente e estar novamente aí. E eu seria uma das primeiras pessoas que me admiraria que Guga voltasse ao seu melhor, porque o vi passar por tantos momentos... Seria um grande prazer que possa voltar a jogar novamente bem.

Arnaldo Grizzo

Publicado em 15 de Janeiro de 2007 às 14:07


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Artigo publicado nesta revista