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Entrevista: Marcelo Zormann fala sobre saúde mental, época de ouro no juvenil e a difícil transição para o profissional

Em momento de pausa na carreira, tenista relembra bons tempos como juvenil e analisa chances brasileiras na Davis


Foto: ©João Pires/Fotojump

Marcelo Zormann ocupa atualmente a 325ª colocação no ranking de duplas e a 924ª em simples e é considerado há um bom tempo como uma das promessas do tênis brasileiro. O paulista de 22 anos, entretanto, não entra em quadra desde agosto deste ano, quando precisou dar uma pausa em sua carreira para cuidar de sua saúde mental.

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Diagnosticado com depressão, Zormann revelou há pouco mais de um mês sua luta pela recuperação. De lá para cá, o tenista que foi medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos da Juventude em 2014 ao lado de Orlando Luz e foi nome presente nos duelos do Time Brasil na Copa Davis como sparring, tem optado por uma rotina mais comum para os jovens de sua idade. De volta à Linds, sua cidade natal, ele voltou a estudar e a jogar seu game preferido, o Counter Strike, e iniciou o tratamento com uma terapeuta.

Nas duas últimas semanas, Marcelo visitou seus amigos na gira de Futures brasileiros. Em entrevista exclusiva para a Revista Tênis, Zormann falou de sua nova rotina, da experiência em competições por equipes e suas previsões para o duelo entre Brasil e Bélgica, pela vaga na 'nova' Copa Davis. Marcelo também comentou sua visão sobre os cuidados dos tenistas com saúde mental e deu dicas valiosas para os novos jogadores.

Como foi a sensação após vencer os Jogos Olímpicos da Juventude? É diferente representar o país numa competição como essa?

É uma sensação única. São pouquíssimas as competições que a gente joga representando o nosso país. Acho que mesmo sendo os Jogos da Juventude, acaba tendo um valor menor [para ou outros]. Às vezes as pessoas tem uma visão diferente do torneio em si, mas é um torneio gigante. Por conta de ser de quatro em quatro anos e ser juvenil, com máximo de idade em 18 anos, mostra o valor que a gente tem que dar para ele [o título de duplas ao lado de Orlandinho].

Querendo ou não, você precisa ter um pouco de sorte por conta do ano em que você nasceu e também porque é muito difícil classificar. Ter ganho foi uma sensação maravilhosa. É uma sensação única ganhar uma medalha olímpica, ouvir o hino do seu país sendo tocado e ver a bandeira subindo, com todo mundo ali, te prestigiando. Foi bacana demais e eu sou muito grato. O mais legal ainda foi ter passado isso ao lado Orlando, que é como se fosse um irmão para mim. Foi simplesmente demais.

Orlando Luz e Marcelo Zormann, campeões dos Jogos Olímpicos da Juventude em 2014. Foto: Paul Zimmer/ITF

Sem contar também a experiência com outros atletas, com outras delegações, poder estar em uma Vila Olímpica e ver a abertura. É algo realmente impressionante. Na volta nós fomos homenageados no Prêmio Brasil Olímpico, onde são premiados os melhores atletas de cada categoria. Os medalhistas de ouro [nos Jogos da Juventude] subiram no palco, com todos os melhores atletas do Brasil assistindo e depois nos aplaudindo de pé. Isso faz parte da conquista e é algo que tenho só a agradecer e valorizar.

Quanto a Copa Davis: Quais suas lembranças do duelo fora de casa contra a Bélgica? Como você vê as chances do Time Brasil para o próximo duelo, em Uberlândia?

Todos os encontros de Copa Davis que eu fui, desde o primeiro, quando tinha 16 anos, foram únicos. A energia do time, aquela sensação de união, de estar todo mundo junto trabalhando para no final conseguir a vitória. Qualquer jogador que já tenha jogado em casa, ou fora de casa, tem a consciência que é uma competição diferenciada pela energia do público e da equipe, de todo mundo estar unido. Só tenho a agradecer por todas as convocações.

Na Bélgica, não foi muito legal. Os caras acabaram jogando muito bem, principalmente os dois que entraram para jogar duplas e  acabaram com a série de vitórias consecutivas do Marcelo e do Bruno. Mas tirando o resultado, foi algo sensacional. Eles nos receberam muito bem. A união do time é ainda maior porque a delegação é menor, por ter de viajar e o custo ser alto. Isto é uma coisa positiva quando se joga fora de casa.

Marcelo Zormann ao lado de Thiago Monteiro descansando após os treinos para o duelo entre Brasil e Bélgica pela Copa Davis de 2016. Donos da casa, os belgas aproveitaram o apoio da torcida para vencer os brasileiros em Ostend. Foto: Cristiano Andujar/CBT

Eu vejo uma chance bem boa para o time brasileiro agora em Uberlândia, contra a Bélgica de novo porque até lá tem mais dois meses então o [Thiago] Monteiro pode chegar ali muito bem, por conta de ter mudado recentemente o centro de treinamento, ter se mudado para a Argentina. Tem também uma questão de adaptação, querendo ou não isso demora um certo tempinho para se encaixar, para o treinador e o preparador físico te conhecerem melhor. Até você também criar certa relação, por mais que você já conheça antes os caras, tem essa relação diferente de jogador com o treinador. Então ele vai fazer essa pré-temporada lá, com certeza deve ir para a Austrália.

Principalmente no alto nível, a parte mental é muito importante. No tênis ela engloba 60%, 70% do jogo, da carreira. Realmente o circuito é muito duro.

Tem a parte do [tenista] número dois. Não sei se o [Thomaz] Bellucci joga, mas até lá ele pode ter se reencontrado em quadra. [Jogar a Davis] também pode ser uma coisa que ajude ele a retomar a confiança, a ganhar e tudo mais. Aqui no Brasil não me lembro do Bellucci não ter jogado bem, muito pelo contrário, a recordação que eu tenho é de contra a Espanha em São Paulo. Eu tava lá, foi sensacional. Ele basicamente carregou o time. Ganhou as duas de simples em dois jogos de cinco sets. Ele sempre nos representa muito bem.

E a dupla não tem nem o que comentar, basicamente é um ponto garantido. Dessa vez acho que não deve ter nenhuma surpresa, mesmo se não joguem o Marcelo e o Bruno não jogar, mas acredito que eles devam jogar, por ser em Minas Gerais eles vão querer ainda mais jogar, por ser ali, perto de casa e da família. Então é praticamente um ponto garantido.

Zormann (de boné) comemora a vitória da dupla brasileira formada pelos mineiros Marcelo Melo e Bruno Soares no duelo contra a Espanha em 2014. Confronto levou o time nacional para o Grupo Mundial. Foto: Marcello Zambrana/CBT

Como é o seu dia a dia nos últimos tempos? Você tem feito o acompanhamento com a terapeuta? Se sim, como isso vem te ajudando?

Basicamente eu não tenho feito muita coisa. Tenho estudado, corrido bastante e andado de bicicleta. Jogo também CS (Counter Strike) no computador. Tenho saído com alguns amigos, reencontrado o pessoal em Lins, fiz novas amizades também. Estou fazendo coisas mais tranquilas, tentando passar mais tempo com minha família, com meu pai, minha irmã, com minha namorada, que são pessoas muito próximas de mim, que eu gosto bastante e acho que podem me ajudar a melhorar a cada dia.

Tenho feito acompanhamento com a terapeuta. É um negócio sensacional, está sendo um trabalho maravilhoso. Foi muito importante principalmente no começo, quando eu parei [de jogar], estava com bastante dificuldade, passando por um momento muito difícil. Agora eu estou bem mais tranquilo.

Zormann durante os treinos para o duelo contra a Espanha em 2014. Foto: Marcelo Zormann, Foto: Marcello Zambrana/CBT

[O tratamento com profissionais] É algo fundamental não só para quem está entrando em depressão, está com ansiedade e tal. Para quem está passando por um problema muito sério, está com muita dificuldade, teve alguma decepção, alguma perda. Eu acho que é um negócio que nem que você vá apenas uma vez, todo mundo deveria testar, porque você sai de lá renovado. É uma pessoa que está ali, um especialista, que consegue entender esse tipo de emoções, o que faz você estar com aquelas emoções e sensações.

Também é uma oportunidade de você botar tudo para fora sem ninguém te julgar. Ali é completamente confidencial, qualquer coisa que você tá passando, qualquer tipo de problema, você pode falar e ninguém vai te julgar. Querendo ou não, por mais próximo que uma pessoa seja acaba tendo algum tipo de julgamento. [O tratamento] está sendo bem legal e importante para a minha recuperação.

Você acha que falar de saúde mental é ainda um tabu no mundo do tênis? Há uma tendência de crescimento na procura do trabalho de profissionais do ramo, como psicólogos e coaches por parte dos tenistas?

Não, eu não acho que é um tabu no tênis. Muito pelo contrário. Hoje em dia, dificilmente os tenistas de alto rendimento, ou qualquer tenista que está buscando a competição, desde o juvenil, ou mesmo do infanto-juvenil, os meninos de 12 a 14 anos, procuram por profissionais na área psicológica.

Principalmente no alto nível, a parte mental é muito importante. No tênis ela engloba 60%, 70% do jogo, da carreira. Realmente o circuito é muito duro. Tem essa questão das viagens, ficar longe da família e tudo mais. São coisas que se você está em um momento difícil é pior ainda, se não está ganhando jogos, tudo mais, acaba afetando mais ainda. Na realidade às vezes é até o contrário. A criança é muito nova e o pai já quer ir atrás de coaching, de psicóloga, tem até uma parte mais exagerada.

Zormann ainda levará um tempo para definir se irá retomar a carreira. Foto: ©João Pires/Fotojump

Acho que não é um tabu. Como falei, dificilmente um profissional não passou, ou está em um tipo de trabalho de coaching, um trabalho para a parte mental. O próprio jogo em si é realmente desgastante. Você faz um jogo de três sets duro é muito desgastante, você precisa lidar com emoções o tempo todo, pressão de momento do jogo, de ganhar.

Que dica você daria para os tenistas mais novos que estão iniciando a transição para o profissional?

A dica que eu tenho para dar é ter paciência e trabalhar muito duro. O tênis é um esporte muito duro. Não dá para se basear nos garotos da Next Gen, eles são realmente diferentes, fora da curva. Esse não deve ser o exemplo a ser seguido.

Se você pegar ali o top 100, deve ser um número muito pequeno. Quantos garotos têm abaixo de 25 anos, por exemplo? É um número muito pequeno, com certeza deve ser coisa de 30%, acho que 30% ainda estou chutando alto. Eu não sei exatamente esse dado, mas é por isso que digo que tem que ter paciência e saber que o tênis é um esporte de paciência e saber que o tênis é um esporte de longo prazo.

Zormann jogou no último dia 3 a chave de duplas do Future de Ribeirão Preto. Ao lado de Luís Britto. Os dois lutaram bastante, mas acabaram derrotados pelos compatriotas Alex Blumenberg e Carlos Severino por 2/6, 7/6 (3) e 11-9. Foto: ©João Pires/Fotojump

Porque demora mesmo, tem questão física, a questão do amadurecimento. O próprio Federer ganhou o 20º Grand Slam e estava super feliz, falou que era o título mais importante da carreira dele. O próprio Nadal jogando um absurdo agora, o Djokovic voltou e está a máquina que ele sempre foi. A verdade é essa, até para os grandes demora para o cara alcançar o auge e maior sucesso da carreira. Tem que ter paciência, saber disso, seguir trabalhando e acreditando no processo, pois é um esporte com resultados de longo prazo.

Por Guilherme Souza e Vinicius Araujo

Publicado em 19 de Novembro de 2018 às 20:17


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