Brasileiro já atendeu e trabalhou com vários tenistas Top mundial
Da redação em 23 de Setembro de 2021 às 23:59
O fisioterapeuta Fábio Oliveira conversou com a Revista Tênis e contou sua trajetória no circuito, saindo de torneios pequenos até os Grand Slams. Fábio trabalhou com vários atletas da elite do tênis mundial e segue em busca de conhecimento e muito trabalho na área da fisioterapia esportiva.
Oliveira atualmente faz um trabalho particular com o tenista moldavo Radu Albot, que já foi Top-30 do ranking ATP. O brasileiro fez parte da equipe do atleta em vários torneios pelo mundo e obteve muita experiência profissional e também de vida.
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Fábio também deu algumas dicas sobre prevensão de lesões para tenistas amadores. Confira abaixo o bate-papo exclusivo. Caso prefira, também gravamos um Podcast com Fábio Oliveira. Clique aqui para escutar:
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Na profissão de fisioterapeuta, como que o tênis surgiu na sua vida?
Eu morava em Portugal e havia um clube de tênis bem perto de casa. Eu queria que a minha esposa fizesse uma atividade física e, então eu marquei uma aula experimental para ela. No entanto, no dia da aula, ela desistiu e para não falhar com o clube, eu fui em seu lugar. Mas, eu fui sem muita expectativa de gostar, pois eu havia encerrado a minha carreira como atleta de taekwondo há pouco tempo, então eu, sinceramente, achava que o meu perfil esportivo não combinava com o tênis. Para a minha surpresa, eu adorei a aula e me matriculei no dia seguinte. A minha esposa nunca se inscreveu.
Para consolidar a minha entrada no tênis, eu fiz, em 2010, uma especialização em fisioterapia esportiva de elite com a Bwizer Portugal. A minha ideia era atuar com atletas profissionais de uma forma geral. No entanto, apesar de ser um curso que abrangia a fisioterapia em vários esportes, o ministrante do curso era um ex-fisioterapeuta da ATP, que estava atuando como “personal physio” de um tenista profissional. Então, o conteúdo do curso foi muito baseado na experiência dele no circuito profissional de tênis.
Foi um curso excelente! Eu completei o curso com uma boa base de como era a atuação do fisioterapeuta no tênis profissional e já estava satisfeito. Para a minha surpresa, no final do curso, o ministrante disse que eu tinha potencial para trabalhar no circuito profissional devido à minha desenvoltura técnica, meu engajamento acadêmico-científico associado à prática clínica, também por falar vários idiomas etc. Então eu me debrucei sobre as regras de atuação do fisio em torneios de tênis e comecei a procurar por torneios. Em um desses torneios conheci o Radu Albot.
Quais foram seus primeiros torneios e atletas com quem trabalhou?
Como em todo o segmento, nós começamos pelos níveis menores. Como eu morava na Europa, as minhas primeiras atuações foram em torneios Sub-12, Sub-14 e Sub-16 da Tennis Europe (Junior Tour). Nestes torneios, tive a oportunidade de atender várias crianças que hoje estão no Top100 e alguns no Top10 profissional.
Já no circuito profissional, a minha primeira atuação como fisio de torneios foi um WTA 50K em Ankara, na Turquia. É importante esclarecer que, como fisio de torneios, eu trabalhei apenas em torneios chancelados pela ITF World Tour, ATP challengers e seus correspondentes na WTA. Em 2020, eu recebi uma primeira sinalização da ATP, através do responsável pela fisioterapia da associação, sobre uma possível integração ao quadro de fisios da ATP, mas os planos estão avançando mais lentamente devido às incertezas causadas pela pandemia.
Como “personal physio”, eu trabalhei com apenas 3 atletas no circuito profissional: a eslovena Polona Hercog (#35, atual #60), o português Frederico Ferreira Silva (#174), e o moldávio Radu Albot (#77, maior ranking #39), com quem trabalho atualmente.
No circuito profissional masculino e feminino, quais foram os principais atletas que você atendeu?
No masculino, eu atendi à jogadores importantes para o circuito profissional atual quando eles ainda eram crianças ou adolescentes. Dentre eles destaco, Alexander Zverev, Stefanos Tsitsipas, Andrey Rublev, Alejandro Davidovich Fokina, Mikael Ymer, Casper Ruud, Laslo Djere, e outros.
Considerando as assistências prestadas durante o circuito profissional, não atendi à grandes nomes, visto que grande parte dos torneios aos quais atuei foram ITF Futures (antigo nome para os atuais ITF 15K) e challengers. A verdade é que a maioria desses jogadores ainda estão em busca do top100 ou 200 e muitos desistiram.
Em contrapartida, no circuito profissional feminino, eu pude prestar assistência à várias atletas de peso. Simona Halep, Elina Svitolina, Belinda Bencic, Kiki Bertens, Caroline Garcia, Kristina Mladenovic, Monica Puig (campeã olímpica), Magda Linette, Teliana Pereira, são algumas das jogadoras assistidas por mim durante torneios profissionais.
Teve alguma lesão muito específica ou situação de muita dificuldade na recuperação de algum atleta?
Tive 2 situações inesquecíveis. A primeira foi um caso de síndrome de Burnout (também chamada de síndrome do esgotamento profissional) em um atleta de 14 anos em um torneio de categoria 1 (um nível fortíssimo do Junior Tour Tennis Europe). Era o cabeça #1 (Top5 do ranking europeu) e estava perdendo a sua final. Na metade do 2º set, ele estava extremamente agitado, ansioso, inquieto, ofegante, sem postura na cadeira, braços moles, uma mistura de comportamento. O árbitro de cadeira me chamou para assisti-lo por ter notado que o comportamento do jogador aparentava não estar normal e ele não se levantava no fim do change over. De fato, foi uma situação bem complicada e assustadora. Eu acionei a médica do torneio, que não estava no local, e até ela chegar eu tive de fazer um grande esforço para mantê-lo lúcido e calmo. Em conjunto com a médica, nós decidimos interromper a partida (também com o consentimento do pai do jogador). Ele foi medicado e se recuperou bem.
O segundo caso, foi uma luxação de um dos dedos do pé. Em consequência de um erro durante a partida, o jogador chutou o rodapé de concreto da tela de proteção e começou a sentir fortes dores. Quando eu cheguei à quadra, ele já tinha desistido do jogo porque não conseguia se locomover. Constatei que o 2º dedo estava muito menor do que o hálux (popularmente conhecido como dedão) e por baixo havia uma protuberância. Como o médico não estava no local e o jogador urrava de dor, eu tive de fazer a redução (nome técnico para o procedimento de reposicionamento de um osso em sua articulação). A dor diminui instantaneamente e o jogador foi direcionado ao hospital... e ele foi andando.
Qual o maior desafio que você já teve na carreira?
O meu maior desafio da carreira foi logo após a minha graduação. Enquanto os meus colegas de classe falavam em montar consultórios, clínicas e tal, eu só pensava que eu estava desempregado.
Vou resumir porque a história é longa. Depois da minha graduação, eu fiz estágio em um clube de futebol profissional no Rio de Janeiro. Mas, os fisioterapeutas no clube não me davam muito espaço. Havia comentários de que outros estagiários teriam sido indicados por pessoas importantes e, portanto, teriam preferência sobre mim. Daí eu decidi ir para a Europa em busca de aprimoramento técnico-profissional. Fui para a Alemanha, iniciei um mestrado, nesse período trabalhei como distribuidor de panfletos e recolhedor de copos em eventos. Depois fui para Portugal, morava em uma academia de taekwondo. Morava, treinava e dormia no tatame. Daí, iniciei um outro mestrado na Universidade de Coimbra. Enquanto isso, trabalhei como garçom, operador de telemarketing e era fisioterapeuta voluntário em um clube de futsal amador. Foram cerca de 4 anos para encontrar o meu caminho na fisioterapia esportiva.
Aos poucos as coisas foram se estabilizando. Juntei algum dinheiro e consegui investir em algumas especializações em fisioterapia oferecidos pela Bwizer, em Portugal. Vi uma oportunidade no tênis e decidi que ia investir na minha carreira no tênis. Deu certo, mas não foi nada fácil!
Entrar, sem manter, e subir no circuito profissional é muito difícil, pois a grande maioria dos torneios já têm os seus parceiros e encontrar uma porta de entrada não é tão fácil quanto parece.
O que sua vivência enquanto atleta de alto rendimento contribuiu para o seu trabalho com atletas de alto-rendimento no tênis?
Por mais que sejamos excelentes profissionais em nossas áreas, a emoção de uma vitória ou a frustração de uma lesão, só o atleta sabe... só quem já experimentou essas sensações conhece. Dessa forma, eu considero que toda essa minha vivência esportiva como atleta de alto rendimento me credencia a entender melhor os sentimentos, as emoções e as sensações oriundas dos altos e baixos que o esporte proporciona.
Eu sempre estive envolvido com o esporte competitivo. Durante toda a minha infância joguei futsal competitivo, e na adolescência iniciei no taekwondo, onde fiz uma carreira competitiva bastante intensa. Fui atleta de taekwondo por mais de 10 anos e, apesar do taekwondo ser um esporte amador, eu consegui chegar ao nível competitivo mais alto daquela época. Disputei diversas competições nacionais e internacionais, integrei a Seleção Brasileira Universitária, e disputei algumas seletivas olímpicas. Encerrei definitivamente a minha carreira de atleta de alto rendimento, quando percebi que eu já não teria chances de disputar os Jogos Olimpícos de Pequim 2008.
Eu realmente acredito que a minha experiência como atleta de alto rendimento me ajuda a compreender as necessidades de cada atleta com quem trabalho, além de facilitar a elaboração e personalização dos planos de reabilitação totalmente ajustados à realidade do atleta.
Qual seu principal objetivo e sonho?
O meu objetivo é me consolidar cada vez mais no circuito profissional de tênis, ampliar a rede de atletas sob os meus cuidados e ajudar aqueles fisioterapeutas que queiram atuar no circuito profissional de tênis com alta qualidade. Já o meu sonho é participar dos Jogos Olímpicos. Eu me inscrevi como voluntário no Rio 2016, mas infelizmente não fui selecionado nem mesmo para as entrevistas iniciais.
Você acha que com avanço da tecnologia os atletas poderão jogar por mais anos com menos lesões?
Acredito que sim! O avanço tecnológico tem apresentado um papel cada vez mais importante no desempenho e saúde esportiva, principalmente no que se refere à otimização do tempo e na redução de equívocos. Muitas vezes, nós, profissionais do esporte, seguimos uma linha de tratamento ou treinamento e, depois de algum tempo, vemos que o tratamento não está evoluindo como esperávamos. Faz parte do processo, eu entendo... mas não deixa de ser tempo perdido. No tênis, essa perda de tempo é um agravante, visto que cada semana é extremamente importante para um jogador profissional.
A tecnologia já tem contribuído para um melhor entendimento dos aspectos físicos exigidos no tênis, além de nos permitir estabelecer métodos que otimizem a recuperação física do atleta. Desta forma, é bem possível que o avanço da tecnologia contribua cada vez mais para o aumento da longevidade competitiva dos tenistas. Como exemplo atuais destaco Roger Federer, Feliciano Lopez, Ivo Karlovic e outros.
Neste sentido, as perspectivas são altamente otimistas para os tenistas profissionais, e também para todos os profissionais que trabalham com tênis, desde que eles consigam se adaptar às novas tecnologias, aos novos métodos de tratamento e treinamento que vêm surgindo, e, claro, se baseiem em evidências científicas.
Por fim, quais as recomendações você daria para os tenistas amadores prevenirem lesões?
Encontrar a fórmula mágica que previne todas as lesões esportivas, é o nosso sonho! Mas a ciência tem nos mostrado que isso é impossível, principalmente no esporte competitivo, é impossível! Então, nós devemos concentrar os nossos esforços na redução de fatores que aumentam as chances de ocorrência das lesões associadas à prática do tênis.
A minha recomendação primária é “treine de forma inteligente”. Mantenha um condicionamento físico adequado para o seu nível de jogo, mas estabeleça um bom equilíbrio entre carga de treino, evolução do desempenho técnico e repouso. Treinar como se não houvesse amanhã para evoluir mais rapidamente, definitivamente, não é a melhor estratégia.
Evite aumentar a carga de treino abruptamente. É recomendável que esse aumento seja gradual, levando em consideração a carga da última semana e, se possível, a do mês. Um profissional qualificado é necessário para lhe ajudar nesta tarefa.
Como o tênis é um esporte muito imprevisível, pense bem antes de se inscrever em mais de uma categoria de competição: simples, duplas e duplas mistas. Você poderá atingir o seu limite físico por estar participando em várias categorias e, assim, você estará mais susceptível às lesões.
Preveja alguns dias de recuperação antes de iniciar uma competição, imediatamente após um jogo intenso, ou após uma participação longa em um torneio. Busque sempre melhorar a qualidade do seu sono, esteja bem hidratado, e alimentado durante os treinos/jogos.
Crie o hábito de realizar uma rotina de exercícios pré-treinos e jogos, que inclua aquecimento funcional (com gestos utilizados no tênis) e alongamentos. Eu recomendo à todos os tenistas terem, em sua raqueteira, tubos ou bandas elásticas para execução desses exercícios.
Finalmente, mas não menos importante, tenha um fisioterapeuta sempre por perto. Peça-o para validar se as medidas preventivas você tem adotado estão sendo realizadas da forma correta.