Um novo tênis

Com um estilo único e habilidade fora do comum, Alexandr Dolgopolov surpreendeu a Austrália e encantou a Costa do Sauípe

José Eduardo Aguiar em 25 de Fevereiro de 2011 às 07:56

"SERÁ UMA REFERÊNCIA NO TÊNIS MUNDIAL". Foi com esta frase que Nicolas Almagro, campeão do Brasil Open, definiu o adversário que acabara de enfrentar na decisão do torneio. Em dois sets, o espanhol conquistou seu segundo título na Bahia e adiou o sonho do jovem ucraniano Alexandr Dolgopolov em conquistar o seu primeiro ATP da carreira. Mas estava claro, tanto para os jornalistas quanto para os torcedores presentes na Costa do Sauípe, assim como para o próprio Almagro, que será uma questão de tempo até que o garoto ganhe o mundo. Nos olhos do espanhol se via que, mesmo vencedor, ele sabia que nas próximas oportunidades o duelo certamente será muito mais complicado.

Com um estilo heterodoxo e completamente fora dos padrões, este tímido jovem de 22 anos, natural da gelada Kiev, na Ucrânia, é difícil de ser descrito - para não falar impossível. Seria ele um jogador de fundo de quadra, com longos golpes de topspin? Seria um competidor agressivo, que agride o adversário a todo o momento? Ou será que ele prefere deferir slices e mais slices e, sempre que possível, chegar à rede para definir as suas jogadas? Dolgopolov não se encaixa em nenhum desses perfis, mas, ao mesmo, se encaixa em todos. Faz sentido? Não? Talvez esse seja o seu segredo.

O TÊNIS CORRE NAS VEIAS

Jovem ucraniano tem um estilo fora dos padrões

Filho de Olexandr Dolgopolov, o vice-campeão do Brasil Open jogou os primeiros anos de sua carreira profissional com o seu nome de batismo, Olexandr Dolgopolov Jr. Por problemas de pronúncia, preferiu passar a ser chamado de Alexandr Dolgopolov, grafia mais fiel à alcunha da qual se acostumou a escutar desde pequeno. E foi justamente do "berço" que veio a paixão pelo tênis, acostumado a acompanhar o pai - ex-tenista profissional - por diversos torneios. Alguns poucos como jogador, outros muitos como técnico, já que o veterano Olexandr, pouco após "pendurar as raquetes", passou a treinar o compatriota Andrei Medvedev, ex-número quatro do mundo.

E o pequeno Alex, mais conhecido como Sascha pela família e amigos, passou a conviver com o tênis e fazer parte dos bastidores do circuito profissional. E os que presenciaram esse momento garantem: o garoto sempre pareceu muito à vontade. Uma espécie de "mascote" dos tenistas, dividiu quadras de treinos com nomes como Andre Agassi e Boris Becker, além, claro, de servir como boleiro nas atividades de seu pai e o pupilo Medvedev. O contato com a raquete, naturalmente, começou cedo, assim como seu talento a impressionar os olhos de quem tinha a oportunidade de o ver arriscar os primeiros golpes.

SURPRESA NA AUSTRÁLIA
Passaram-se duas décadas e lá estava o mesmo Alex, ou Sascha, agora com 22 anos e um longo cabelo, impressionando a todos durante a disputa do Australian Open, em janeiro deste ano,com vitórias improváveis contra Jo-Wilfried Tsonga e Robin Soderling. Mas mais surpreendente do que o resultado era a feição nos rostos de duas das maiores estrelas do tênis mundial na atualidade. "O que esse garoto está fazendo?", certamente devem ter se perguntando o francês e o sueco, atônitos com as loucuras realizadas pelo desconhecido adversário dentro de quadra.

Um repertório incrivelmente vasto de golpes, variações de velocidade e efeitos poucas vezes vistas em uma quadra de tênis, um adversário gelado como as frias águas do Mar Negro, que banha a costa da Ucrânia. Um menino singular, único, dotado de um talento visivelmente acima da média e sedento por ser cada vez mais lapidado.

O sonho australiano acabou nas quartas-de-final. Mas a jornada de Alexandr Dolgopolov em Melbourne não havia sido em vão. Não era Alex que comemorava a chance de ter o seu rosto conhecido em todo o mundo. Era o mundo que agradecia a chance de conhecer o inédito jogo deste simples e talentoso ucraniano.

#Q#

ESTRELA NA BAHIA
A grande surpresa do Australian Open chegou como principal atração à Costa do Sauípe. Mesmo com um jeito mais tímido, comedido, foi ganhando a simpatia do público nos primeiros jogos, muito mais pelo seu jogo do que por sua personalidade. Uma vitória arrasadora sobre Ricardo Mello na semifinal não diminuiu a simpatia do público, que estava ao seu lado durante a decisão.

Dolgopolov usa e abusa do surpreendente slice de forehand

O primeiro título de ATP da carreira não veio em terras baianas. Mas nem por isso a passagem do ucraniano pelo Brasil deixou de ser marcante. Em entrevista exclusiva à Revista TÊNIS, o garoto mostrou simpatia e humildade, mas apresentou uma timidez para falar de tênis que não se reflete dentro de quadra. Embora as palavras sejam mais comedidas do que seus golpes, fica claro que ele sabe aonde quer e, principalmente, aonde pode chegar.

"Eu acho que consigo bater bem todos os golpes, faço tudo que preciso em quadra. Consigo bater spins, slices, mais até do que outros jogadores. Então acredito que tenho uma boa vantagem", confessou o talentoso tenista. "Se eu souber usar essas qualidades, creio que os outros jogadores não vão saber exatamente o que vou fazer em quadra".

E é justamente essa imprevisibilidade que torna Dolgopolov um jogador tão perigoso. "Ele tem um estilo de jogo bem diferente de todos os outros jogadores. Quando saca, a gente praticamente não joga. Quando devolve, sempre pressiona, às vezes, com slices, às vezes, com bolas mais altas. Às vezes, arrisca de direita, outras vem forte de esquerda. Está sempre variando muito as jogadas", descreve Mello, que, mesmo embalado por três grandes vitórias, não conseguiu segurar o ascendente ucraniano.

Conhecido pela tranquilidade em quadra, o campineiro se impressionou também com esta outra qualidade do rival, frio como os mais fiéis representantes do leste europeu. "Ele não se assusta com as situações, joga sempre muito solto, parece que não está preocupado. Pode jogar com torcida contra, casa cheia, mas parece que está jogando sozinho. A soltura dele me impressionou".

Sem soberba, o mais novo top 30 do tênis mundial não faz por mal, mas fala como se todas essas impressões fossem normais. "Faço muitas coisas no treino e tento fazer durante as partidas. No momento estou tentando reencontrar meu jogo no saibro, então vou tentando fazer os golpes que me vêm à cabeça", afirma, deixando claro que o mais importante é "estar sempre livre e relaxado dentro de quadra".

O QUASE INÉDITO SLICE DE FOREHAND
Treinado pelo pai desde criança, Dolgopolov, além de viver e respirar o tênis, sempre teve o seu progenitor como espelho. "Meu pai me construiu como jogador e como pessoa. Ele sempre me treinou desde os cinco anos, sabia exatamente o eu tinha que fazer. Ele foi me construindo como jogador durante os 18, 19 anos em que trabalhamos e viajamos juntos", conta, lembrando-se dos dias em que via o velho Olexandr, um técnico rígido e trabalhador, oferecendo seus ensinamentos a Medvedev.

Convivendo de perto com as maiores estrelas do tênis do mundial, era de se imaginar que o ainda jovem ucraniano tivesse seus ídolos e referências no tênis, assim como qualquer amante de tênis comum. Mas, como já deve ter ficado claro, "comum" não é a palavra mais adequada para se referir a Alexandr Dolgopolov. "Não tenho ídolos no tênis, apenas amo o jogo. Não foi ninguém que me inspirou, foi o tênis que sempre me inspirou. Assisti bastante Medvedev, mas não posso dizer que ele me inspirou a jogar".

Embora alguns possam entender essas declarações como despretensiosas e arrogantes, a verdade é que, vendo de perto, nota-se a sinceridade nas palavras do jovem. Não ter um ídolo e uma fonte na inspiração não significa que ele se considere mais ou menos do que ninguém e muito menos que ache que nenhum jogador é digno de sua admiração. A verdade é que, como um completo apaixonado pelo esporte que pratica, ele sabe que ninguém foi e nunca será maior do que o tênis, a sua maior paixão e o significado de sua vida.

#Q#

SONHO GRANDE COMO O SEU TALENTO
Um gênio indomável dentro de quadra, Dolgopolov mostra, apesar da timidez, muita personalidade fora dela. Em Melbourne, pouco depois de mandar para casa dois dos principais favoritos ao título, o garoto, sem medo, contou aos milhares de microfones do Grand Slam australiano que sonha um dia ser número um do mundo. Objetivo, claro, de 10 em cada 10 crianças que começam a empunhar suas raquetes em qualquer canto do planeta. Mas a diferença é que, nas palavras do ucraniano, percebe-se que ele realmente acredita e, principalmente, confia nesse destino.

"Sim, claro!", responde Alex ao ser questionado se pode enfrentar de igual para igual nomes como Federer, Nadal, Djokovic e Murray. "Tenho jogo para fazer isso. Claro que não posso afirmar hoje que vou vencê-los com certeza, mas acho que tenho potencial e espero poder usá-lo para um dia ser tão bom quanto acredito que posso ser. Tive alguns problemas de lesões e agora estou evoluindo e um dia espero enfrentar esses jogadores em iguais condições. Esse é meu sonho e lutarei para isso".

Mas afinal, já que a confiança parece ser uma das principais características do europeu, quais qualidades ele acredita que serão fundamentais na busca de seus grandiosos objetivos? "Creio que a parte física, já que hoje o jogo depende muito do físico. As bolas estão cada vez mais rápidas, os ralis cada vez mais longos. Acho que se conseguir usar ainda melhor a parte física, sacar um pouco melhor, estar mais rápido um pouco em quadra, posso enfrentar esses caras. Estou trabalhando para isso", declarou.

Durante o Australian Open, Dolgopolov ganhou apelido de "The Dog"

Conhecido como "The Dog" (O Cachorro) pelos colegas de circuito, o tímido Dolgopolov cai na gargalhada para nos explicar o porquê do curioso apelido. A origem vem da música "Who Let the Dogs Out" (Quem soltou os cachorros), da banda Baha Men. Pela extensão de seu sobrenome e a semelhança sonora de "Dog" e "Dolgo", os demais tenistas passaram a brincar com a música e usar a abreviação do nome do ucraniano no refrão. O novo hit de sucesso nos bastidores, principalmente durante o Australian Open, passou a ser o "Who Let the Dolgo Out", cantado a cada vez o jogador atropelava um de seus adversários.

A questão que fica agora não é mais "Quem soltou Dolgo?", como sugere a música parodiada, mas sim "Quem conseguirá prendê-lo?". Pelo ritmo em que as coisas caminham, leia-se sua rara habilidade e estilo único, o novo "pitbull" do circuito ainda fará muitos estragos antes de ser parado. E os tops que se cuidem!

#Q#

TÊNIS É DIVERSÃO
Jack Reader, o técnico bonachão de Dolgopolov, defende o estilo "relax" do ucraniano

Quem passava pelas quadras de treino da Costa do Sauípe durante a disputa do Brasil Open 2011 se impressionava com um sujeito alto, de cabelos longos e desarrumados, e estilo boêmio, sorridente e brincalhão. Nos corredores do complexo, o tênis dava lugar às sandálias e o estilo à vontade e displicente surpreendiam.

Este é Jack Reader, técnico australiano que vem dividindo seus ensinamentos com Dolgopolov desde e o início de 2009. Ex-tenista profissional e professor de bateria nas horas vagas, Reader está longe de ser um treinador comum. "Na primeira vez que vi Alex, ele tinha uns 16, 17 anos, e pensei: ´Esse garoto, o que ele consegue fazer com a raquete, não se parece com ninguém, nunca vi nada igual´", conta o divertido Jack.

Sem medir as palavras, Reader coloca a nova sensação do tênis mundial em um patamar elevado na história do tênis, pelo menos no que diz respeito ao talento. "Tive sorte de estar em quadra com Agassi, Coria, Arias, McEnroe, Federer. E Alex não perde para nenhum deles em termos de habilidade com a raquete na mão", afirma o técnico, não sem antes fazer questão de ressaltar o que mais o encanta no jovem ucraniano. "Ele não me lembra ninguém. E é isso que eu gosto, Alex é Alex, verdadeiramente único. E é por isso que acordo às 6h para treiná-lo. Estamos tentando treinar para encontrar o melhor Alex. O tênis está ficando muito sério, muito chato. E é isso que não quero para ele".

Seriedade. Essa é uma palavra que, visivelmente, não faz parte do repertório de Jack Reader, um técnico que, embora ainda encontre resistências dos mais conservadores, tem tudo para revolucionar a maneira como se enxerga o esporte. "Acho que tenho ajudado bastante ele a se sentir livre. Falo: ´Vai, faça isso. Seja você mesmo, seja livre, se divirta´", conta Jack, orgulhoso do que os dois vêm realizando. "Acho que as pessoas, quando assistem Alex, se divertem mais que na maioria dos jogos. Se as pessoas estiverem se sentindo bem, estamos fazendo um bom trabalho".

"Tive sorte de estar em quadra com Agassi, Coria, Arias, McEnroe, Federer. E Alex não perde para nenhum deles em termos de habilidade com a raquete na mão"

Após passar mais de 18 anos sendo treinado e lapidado pelo próprio pai, um sujeito regrado, rígido e disciplinador em seus conceitos sobre tênis, Dolgopolov resolveu "respirar novos ares" no início de 2009.
"Estávamos um pouco cansados um do outro, 24 horas sempre juntos, viajando, falando sempre sobre tênis em casa, sobre táticas. Isso foi desgastando nossa relação", confessa o tenista.

Alex procurava justamente um técnico fora dos padrões e, com a ajuda de um agente, encontrou Reader. Nos 12 primeiros meses, as dicas e conselhos do australiano eram via internet, após Reader acompanhar os jogos do ucraniano em sites.

Se Dolgopolov credita sua ascensão à parte física, muito bem trabalhada por Reader desde que estão juntos, para o treinador, o estilo diferente e inovador do ucraniano é que vem fazendo a diferença. "Ele não se importa muito com o que os outros pensam, é muito imprevisível. É muito difícil de ler o seu jogo, é muito diferente dos outros jogadores, ele muda o ritmo o tempo todo", conta o técnico, dividindo os méritos com o velho mentor Olexandr. "O pai dele realizou um trabalho fantástico".

O singular jogador pode virar uma referência no tênis, assim como profetizou o campeão do Brasil Open Nicolas Almagro? "Acho que é algo natural. As crianças em minha academia já falam: ´Nossa, olha o slice que eu bati, parece-se com o do Alex´. E elas já começam a se divertir em quadra. E é disso que eu gosto, porque são crianças, não podem levar as coisas tão a sério", orgulha-se Reader. O sonho de se tornar número um do mundo, contado por Alex aos jornalistas, pode se tornar realidade? "O mais importante é que ele seja o número um no olho das pessoas", filosofa o boêmio treinador.

Perfil/Entrevista

Mais Perfil/Entrevista