Um mundo de contradições

Da neve ao sol escaldante. Otávio Della conta como, em uma semana, saiu do frio canadense ao calor colombiano acompanhando o circuito feminino ao lado de Roxane Vaisemberg

Da redação em 24 de Abril de 2007 às 14:56

EM FEVEREIRO, pleno verão no hemisfério sul, embarquei numa viagem para Saguenay. Uma cidadezinha de pouco menos de 150 mil habitantes no estado canadense de Quebec, onde a língua oficial é o francês. Nessa época do ano, o inverno no norte do Canadá é de congelar os ossos. A temperatura média beira os 15 graus negativos, ou até menos. Alguns podem pensar: "Que lugar estranho para passar as férias. Se era para ver neve, não seria melhor ir para os Alpes?" Antes fosse... Na verdade, estava acompanhando a tenista Roxane Vaisemberg, de 17 anos, top 500 no ranking mundial.

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Fomos participar de um torneio da Federação Internacional de Tênis (ITF) com US$ 50 mil em premiação. No circuito feminino, este é um evento de médio porte, que reúne atletas entre as posições 200 e 500 do mundo. O campeonato é disputado numa academia com cinco quadras cobertas de carpete. Um piso muito rápido e pouco conhecido dos brasileiros. Todas as pessoas que trabalham na organização são voluntárias. Na maioria, aposentados. Todos fãs do tênis, que ajudam nas diversas tarefas.

Alguns são motoristas. Levam e trazem as tenistas do hotel para o clube e viceversa, várias vezes por dia. Sempre com um sorriso no rosto. Outros trabalham na marcação das quadras para treino. Outros no placar dos jogos. Na alimentação. Enfim, todos ajudam de alguma maneira. Conheci um médico, que tirou férias naquela semana somente para poder estar perto das jogadoras, sentir o clima de um torneio.

Apesar de ser apenas um evento pequeno se comparado aos grandes torneios da WTA, ele é importante para a cidade. As escolas levam seus alunos para acompanhar os jogos. Todo o pessoal na cidade sabia do evento. Acompanhavam os resultados. Conheciam algumas tenistas. Fui trocar dinheiro em um banco, que também era o patrocinador da competição, e em todas as paredes havia cartazes de divulgação. A atendente me perguntou das tenistas. Queria saber se o evento estava bem organizado. Ela se mostrou interessada e com vontade de ir à academia acompanhar a canadense Aleksandra Wozniak, que ia jogar naquela noite. A jovem, nascida em Montreal, foi uma juvenil de sucesso e já figurou entre as 100 primeiras colocadas do ranking profissional. Ela era cabeça-de-chave número um e perdeu nas semifinais.

Um fato curioso neste torneio foi o enorme número de pais que acompanhavam as filhas. A maioria tenta fazer o papel de treinador. Entram na quadra. Dão instruções e treinos. Alguns mal sabem segurar na raquete, mas são bons de "grito". Dão inúmeras duras nas meninas. Exigem o máximo das filhas, mesmo quando a jogada está perdida.

Vi pais "treinadores" de diversos países. Japonês, russo, argentino, romeno, canadense, alemão, americano, ucraniano, letão... Enfim, todos com um mesmo sonho: ser um pai de uma nova Sharapova e se tornar milionário com as possíveis conquistas das filhinhas.

Além de Roxane, a única brasileira que também se arriscou no frio e nas quadras rápidas canadenses foi Maria Fernanda Alves. Ambas passaram pela estréia, mas perderam nas oitavas- de-final.

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Roxane Vaisemberg e Nanda Alves (à direita) com as colegas Agnes Szatmari (à esquerda), da Romênia, e Bettina Jozami, da Argentina

DE VOLTA AO SOL

Terminada a participação no Canadá, a próxima etapa era Bogotá, capital colombiana. De menos de 10 graus negativos e neve por todos os lados, passamos a mais de 30 positivos e uma "lua" para cada um. Aqui cabe um aparte. Imprudente, sentei-me ao sol para tirar o gelo da semana anterior. Posso dizer que senti os efeitos desta uma horinha de descuido durante vários dias depois...

Mas os contrastes não param por aí. Antes estávamos em um país de primeiro mundo, em uma cidade pequena, porém organizada e limpa, em um torneio simples. Em Bogotá, contudo, como em toda capital, partes da cidade denotam a realidade mais dura dos países do sul. No entanto, engana- se quem pensa que a competição lá segue esta "linha de pobreza".

O torneio, realizado pela WTA (associação feminina de tenistas profissionais), tem premiação de US$ 175 mil. Com isso, a chave principal aceita jogadoras apenas entre as 200 melhores do ranking. Se, em termos de prêmio, o evento na Colômbia é três vezes maior que no Canadá, quando se trata de população, a cidade colombiana é quase cinqüenta vezes maior, aproximadamente sete milhões de habitantes. E, enquanto o município canadense fica às margens de um rio, no nível do mar, Bogotá está a mais de 2.600 metros de altitude.

O clube é belíssimo e tem 25 quadras de saibro. O torneio oferece hotel cinco estrelas para todas as jogadoras da chave principal e alimentação para todos os envolvidos com as tenistas. Um bom público acompanhava os jogos. A estrutura do torneio é de primeiro mundo. Existe uma quadra central com capacidade para 2.500 pessoas e todas as quadras de jogos possuem arquibancadas. Os patrocinadores são vários e expõem seus produtos. Há ainda uma boa praça de alimentação. Tudo isso garante bons jogos, diversão e conforto.

Roxane Vaisemberg suporta o frio canadense em Saguenay

O torneio era televisionado diariamente. Jornais, revistas e sites especializados estavam presentes. Chamou a atenção o placar on-line de todas as quadras. Era só entrar no site do torneio que os resultados estavam lá, atualizados ponto-a-ponto. O forte calor, a altitude e adversárias experientes foram as maiores dificuldades que as brasileiras enfrentaram. Várias tenistas do País estavam no qualifying. Além de Roxane, Jenifer Widjaja, Letícia Sobral, Larissa Carvalho e Joana Cortez também jogaram. Infelizmente, ninguém se classificou para a chave principal.

Neste nível de torneio não vi muitos pais, mas, sim, vários treinadores de verdade, que estavam trabalhando, achando a melhor forma de montar uma estratégia de jogo, dando treinos corretos e conversando com suas pupilas. Nos eventos da WTA o profissionalismo manda. As jogadoras são extremamente profissionais e sabem que, para atingirem o melhor de seu jogo, precisam fazer tudo certo, ou seja, treinar, fazer preparação física, cuidar da alimentação, dormir e acordar cedo etc...

Na sala dos jogadores, além de frutas, bebidas e água, o que mais se vê são tenistas com seus computadores portáteis. Todas tinham o seu e usavam para se divertir ou se inscrever, pela internet, nos próximos eventos. Pude "conhecer" o laptop de Joana, Larissa e Jenifer. Joana me dava informações sobre torneios fazendo uma pesquisa rápida no site da WTA. Larissa matava a saudade de casa e dos amigos revendo fotos. E Jenifer queria passar mensagem para os pais dizendo que havia vencido o primeiro jogo no qualifying do torneio colombiano. Também tinha levado o meu notebook, mas, como eu não tinha wireless, fiquei na mão...

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