O primeiro Imortal

Roger Federer? Pete Sampras? Rod Laver? Don Budge? O primeiro grande nome do tênis mundial talvez ainda seja o maior gênio de todos os tempos. Conheça a história de Bill Tilden

Felipe De Queiroz em 21 de Outubro de 2010 às 12:32


Com sua personalidade peculiar, Tilden foi o primeiro grande astro do tênis

AL STUMP, famoso repórter esportivo dos Estados Unidos, tentava encontrar Bill Tilden, a lenda do tênis. O jornalista buscava retratá-lo num perfil para a revista SPORT, quando foi interpelado por um amigo e excompanheiro de Tilden, que o alertou: "Você quer escrever sobre Bill? Ok. Só não faça a história parecer um obituário". "Fique tranquilo, não será um obituário", respondeu o repórter ainda à procura de Bill, esse já um senhor em vias de completar 58 anos.

O ano era 1951 e não é de se estranhar que o tom passadista com o qual muitos se referiam a William Tatem Tilden II já naquela época o irritasse. Já se passara mais de duas décadas do começo do reinado do famoso "Big Bill" no tênis e, uma vez que já não se podia ver Tilden em sua melhor forma, lembrar os dias de glória do tenista se tornara um passatempo de seus fãs. Um passatempo com intenção de homenageá-lo, mas que o incomodava.

Nascido na Filadélfia em 10 de fevereiro de 1893, Big Bill tinha tudo para explodir no esporte ainda na década de 1910. Em seus 20 e poucos anos, porém, ele não foi mais do que "apenas mais um". Este homem de traços retilíneos, cabelos curtos e lisos, sempre penteados para trás, e ombros de boxeador demorou a desabrochar.

Como os Estados Unidos, que atravessaram os anos 1910 envolvidos na I Guerra, para depois viverem na década seguinte seus "Anos dourados", Tilden tardou, mas vingou. Em 1919, Tilden chegou pela primeira vez à final do US Championships (atual US Open), contra aquele que viria a ser seu principal rival, seu xará, William "Bill" Johnston, ou "Little Bill". Tilden perdeu (6/4, 6/4 e 6/3), mas aquela aparição não apenas tornou seu rosto conhecido, como marcou o início de seus dias de domínio no tênis, uma hegemonia nunca vista.


RECORDES

De 1920 a 1926, reinou absoluto, em especial nos Estados Unidos. Em todos esses anos venceu o US Championships e, mais do que isso, permaneceu invicto em seu país; nas duas vezes em que disputou Wimbledon neste período (1920 e 1921), saiu campeão - naquela época, poucos atletas cruzavam oceanos para competir; foi considerado número um do mundo por uma década, de 1920 a 1930, ano em que partiu para o tênis profissional (até 1968, os principais torneios eram exclusivos aos amadores); além de ter colocado, em parceria com "Little Bill", os Estados Unidos no topo do tênis, ao conquistar Copa Davis por sete anos seguidos, tendo estabelecido o recorde de 13 vitórias consecutivas na competição - até 1980, o campeão defendia o título da Davis em uma rodada (chamada Challenge Round).

No US Championships foram 67 vitórias, sendo 42 em sequência. Em toda a carreira, 907 triunfos, contra 62 revezes, apresentando aproveitamento de 93,6% (o índice de vitórias de Rafael Nadal, atual número um do mundo, é de 82,3%). Herói na Davis, estrela em Londres e implacável jogando em Nova York, Tilden foi, todavia, mais que uma máquina de resultados. Ele foi um rebelde, uma celebridade mundial muito antes da era da globalização e das telecomunicações. Era um homem misterioso e, para muitos, o maior performista da história do tênis. Seu gosto por "atuar" em quadra o levou ao cinema, com algumas participações nos lmes mudos da época.

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Bill Tilden foi considerado número um do mundo durante uma década



AS LENDAS DOS ANOS 20

Nos dourados anos 20, época em que a história se reescrevia a cada momento, Tilden reescreveu a história do tênis, se colocando no patamar dos principais ícones do esporte dos Estados Unidos em sua época. A economia próspera e imponente da "América", em contraste com a europeia na mesma época, forjou um "way of life" exuberante, reFLetido na música, na cultura popular e também no esporte, que viu nascerem alguns de seus maiores ídolos. Num país rico, vivendo sob a égide da felicidade, o esporte ganhou importância, apelo e glamour, trazendo à tona ícones como Red Grange, do futebol americano, Bobby Jones, do golfe, Jack Dempsey - boxeador branco campeão dos pesos-pesados de 1919 a 1926, e grande orgulho nacional, num país ainda marcado pelo racismo - e Babe Ruth, astro maior do New York Yankees, até hoje considerado o maior nome da história do beisebol. Cada um destes atletas gurou como ícone da sociedade e do esporte, transcendendo os limites de cada modalidade.

Tilden não apenas se colocou junto a eles, como em alguns momentos esteve acima em termos de fama. Uma eleição realizada pela agência Associeted Press, em 1951, apontou os "Papas", por assim dizer, de suas modalidade. O tênis foi a única modalidade que se aproximou de aclamar o eleito por unanimidade. Embora concorresse com expoentes como a francesa Suzanne Lenglen, vencedora de 21 Majors, e o também norte-americano Don Budge, único tenista até então a vencer o Grand Slam (os quatro Majors no mesmo ano), em 1938. "Bill foi único gênio que este esporte já produziu", declarou Budge, o segundo melhor tenista até então, segundo o júri, que depositou 310 de 393 votos em Tilden.


Nunca existiu um tenista com um serviço tão devastador quanto Tilden

Tilden foi o primeiro grande herói dos Estados Unidos no tênis e, além de um campeão incontestável, se imortalizou como lenda, mitificado por seus feitos, por aquilo que contam os que o viram. Em parte devido à sua personalidade e também graças à sua grande supremacia no tênis, Big Bill não ligava tanto para seus resultados. Seus troféus de Major, símbolos de sua glória, todos desapareceram das mãos e da estante do campeão. Um a um, eles foram doados a amigos e parentes, para os quais a simbologia por trás daqueles artefatos provavelmente tinha muito mais valor. Era como se ele não precisasse de símbolos que lhe dissessem quem era o melhor, ele já tinha certeza disso.

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O MELHOR MESMO "SENIL"
Certeza que não se apagou com o tempo. Se nos anos 1920 Tilden duelou e triunfou diante de grandes tenistas como Bill Johnston (a rivalidade entre eles foi uma das mais memoráveis do tênis) e os franceses René Lacoste, Jean Borotra e Henri Cochet, anos depois, já um homem de meia idade, seguiu alcançando vitórias, ainda mais signi cantes e impressionantes. Em 1940, em Edimburgo, na Escócia, enquanto viajava fazendo exibições, Tilden enfrentou o maior tenista do mundo naquele momento, Don Budge, então com 24 anos. O jogo tinha grande apelo por opor grandes campeões, do passado e do presente, mas definitivamente eram bem poucos os que não apostavam numa vitória do jovem Budge. E foram bem poucos mesmo os que não acabaram estupefatos com a surra que o velhinho deu no número um do mundo. "Fui humilhado em três sets por um homem de 47 anos", confessou Budge, que deixou claro que estava no topo de sua forma física naquela noite. Mais do que isso, diversos relatos dão conta de que mesmo após completar 50 anos, Tilden continuava a dar trabalho, quando não vencia as novas caras do tênis.

A vitória sobre Budge enriqueceu ainda mais o mito por trás deste homem que superou amplamente os limites do esporte, se tornando, para alguns, maior que o próprio tênis. Implacável também fora das quadras, era por vezes arrogante e intolerante. Sua personalidade era irascível de tal modo que ele chegou a abdicar de jogar Wimbledon por conta de desavenças com USTA. "A Associação de Tênis é tão abominavelmente mesquinha, que vai pagar apenas US$ 1.000 das minhas despesas", disse Tilden ao presidente dos Estados Unidos, Warren Harding, que lhe questionara sobre sua ausência no tradicional torneio.

Com sua personalidade estilo "tô nem aí", Tilden, além de desdenhar de troféus, falava com o presidente dos Estados Unidos como se tratasse com algum amigo qualquer, sem ocultar seu humor ácido e sua língua aFIada. Intimidade essa que vinha de longe. William Tatem Tilden II nasceu em meio à riqueza e acostumado a lidar com os mais diletos membros da sociedade. Ele tinha, por exemplo, lembranças de jogar quando criança no jardim de casa com um convidado de seus pais - o presidente Teddy Roosevelt.

"Sempre me pareceu que boas maneiras, bolas bem colocadas e a fleuma de elegância ficavam bem em seus lugares, mas que vencer era o mais importante", dizia Tilden. Ideia essa que se expressou bem em seu jogo, revolucionário e agressivo, como seu jeito de ser.



SUAS ARMAS

"Nunca houve um tenista com serviço tão devastador como Tilden, nem tampouco existiu alguém com um segundo serviço tão traiçoeiro", descreve o jornalista Bud Collins, em seu livro Total Tennis. "Nenhum jogador teve combinação mais forte de forehands e backhands, suplementados por golpes de slice como ele", prossegue o autor. Seu jogo completo não apenas o fez dominar o esporte por quase uma década, como influenciou gerações futuras do tênis. Quando seus contemporâneos jogavam saque-e-voleio, Tilden, que tinha 1,89m, já dominava o jogo de fundo, como fazem os campeões de hoje, além de encarar o tênis como uma partida de xadrez, desconcertando por incontáveis vezes seus oponentes com lobs e deixadas (armas utilizadas, por exemplo, na vitória histórica contra Budge, em 1940).


Bill Tilden possuía todos os golpes. Em uma era de jogadores de saquee- voleio, ele dominava também o jogo de fundo, sendo um verdadeiro all-court player


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Desse modo, aliando força e inteligência, Tilden venceu 10 torneios Grand Slam em simples, sete nos Estados Unidos e três em Wimbledon, mais cinco em duplas e seis em duplas mistas, contabilizando 21 troféus de Major. Seu recorde individual permaneceu intocado até os anos 1960, quando o australiano Roy Emerson chegou a 12 títulos do Grand Slam.

Tilden imprimiu um novo nível de competitividade ao jogo de tênis, mas nunca perdeu a capacidade de encantar as plateias. Ao entrar em quadra, se tornava um artista, um criador de obras de arte. E foi justamente isso o que o tênis sempre foi para ele: uma inspiração. O jogo que dava sentido à sua vida era sua maior alegria. "A única coisa que tenho medo é de ficar entediado", disse ele certa vez. "Quando 45 edição 85 a capacidade de aproveitar a vida acaba, é hora de morrer".

Sua carreira foi longa, mas sua vida nem tanto. Em 1953, aos 60 anos, morreu. Menos de dois anos depois de seu amigo advertir o repórter sobre o "obituário". Tilden não cultivava o passado, amava a vida presente e não queria ser tratado como peça de museu. Quanto a isso, pelo menos, ele não tinha com o que se preocupar. Mesmo hoje não há por que falar dele em tom de obituário. Basta olhar o tênis contemporâneo. Quem vive o tênis sabe: "Big Bill" não morreu e não morrerá.

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