O debute de Bellucci

Roland Garros não teve só a despedida de Guga. O bom desempenho de Thomaz Bellucci contra Rafael Nadal também chamou a atenção dos brasileiros que esperam por um novo alento

Arnaldo Grizzo em 2 de Julho de 2008 às 13:07

#R#

SEMANA DE QUALIFYING em Roland Garros. Pouco púlbico, poucos jornalistas, tudo ainda começando e por montar. Os jogos ocorrem nas quadras secundárias e só algumas das principais estrelas do torneio podem treinar na Philippe Chatrier, Suzanne Lenglen e até mesmo na quadra um, dois e três. Os qualifiers se digladiam nas outras.

Seguem-se os dias. O sorteio da chave acontece e os jogadores do quali já estão nas últimas rodadas, com a faca nos dentes para garantir um lugar e mais de 14 mil euros no bolso. Aí a torcida já começa a aparecer, o número de jornalistas aumenta e a infra-estrutura do torneio está quase toda pronta.

Na sexta-feira, 23 de maio, último dia do quali, um grande número de brasileiros se reúne na quadra 10. Os gritos de incentivo são ouvidos de longe. Não é Guga que está treinando, é Thomaz Bellucci, garoto de 20 anos, que luta por uma vaga na chave principal. A cada ponto que o canhoto da cidadezinha de Tietê, no interior paulista, anota sobre o experiente tcheco, Tomas Zib, de 32 anos, seu técnico, preparador físico e a numerosa torcida brasileira vibram. Apesar de o garoto controlar boa parte do jogo, seu staff e amigos mais próximos estão tensos. No entanto, a partida termina e todos podem relaxar. O jantar certamente será por conta do moleque que irá participar da chave de um Grand Slam pela primeira vez.

Orgulhoso e tímido, Bellucci sai da quadra e é rodeado pelos que acompanharam sua partida. Em meio a um pequeno tumulto, ele ainda responde aos jornalistas. Um deles diz: "Há chance de você pegar o Nadal, o que acha?" Meio sem pensar, mas sem debochar, ele responde: "Se for, vamos para cima". Pouco tempo depois, lá aparecia o nome dele ao lado do espanhol. Azar? Sorte?

"Liguei para minha mãe e ela não acreditava. Achou que era brincadeira", revelou o brasileiro. "Fiquei contente de poder jogar um jogo importante logo na minha primeira vez, mas também penso que podia ter pego uma chave mais fácil", concluiu. Podia mesmo e, se acontecesse, é provável que ele conseguisse um bom resultado. Vindo de três títulos de Challengers e 21 vitórias em 22 jogos sobre saibro, o garoto já era visado pela mídia. O mais novo top 100 do Brasil prometia muito.

ISOLAMENTO E ESPERA
A partida foi marcada para segundafeira, 26 de maio, na Phillipe Chatrier - obviamente - mas uma chuva "londrina" caiu insistentemente sobre Paris e cancelou a rodada. Na terça, São Pedro também resolveu não dar trégua. Mesmo assim, nos poucos instantes em que as gotas pararam de cair, a organização fez o possível para colocar o jogo na quadra central já no fim da tarde. Visivelmente contrariado, Nadal entrou. Seu oponente, nervoso.

O aquecimento termina. Nadal começa sacando. Ponto de Bellucci. O game chega a ficar 30 iguais, mas o espanhol fecha. O brasileiro saca. Perde o ponto. Nadal tem 15/30. Mas Bellucci mantém o serviço. A chuva volta. O espanhol sacode a cabeça em sinal de desaprovação à atitude da organização de colocar o jogo em quadra mesmo com a ameaça das nuvens e vai embora. Bellucci também pega as coisas e sai, bem mais aliviado após apenas nove minutos de partida.

Alguns jornalistas procuram o brasileiro para pegar algum depoimento. O jovem, contudo, segue protegido pelo técnico, Leonardo Azevedo, e mantém distância da mídia. E, segundo Bellucci, não só dela. "O Leo não me deixou falar muito com ninguém para não tirar o foco", contou. Dias antes, o treinador estava irritado: "Pô, estão ligando até no hotel". É o preço de despontar no País que dias antes dava o definitivo adeus a Guga. Assumindo o papel de assessor, Leo pediu calma com o garoto e regulou as entrevistas. Mas nem precisava, o menino é tímido e pouco fala. Se os saques e forehands saem fácil de sua canhota poderosa, as palavras pouco fluem de sua boca.

No dia seguinte não há sinal de chuva. As arquibancadas estão lotadas. Parte da torcida exibe bandeiras vermelhas e amarelas com touros desenhados. A criançada grita: "Rafa!" A imprensa espanhola está toda reunida na tribuna para ver a estréia do tricampeão de Roland Garros. A brasileira também. A partida recomeça e os brasileiros riem aturdidos. Surpreendemente Bellucci quebra o saque de Nadal. Mas o espanhol logo volta à carga e se recupera prontamente. O brasileiro segura o "Touro". Porém, no 12º game, sacando em 40/15, ele vacila e, com uma duplafalta, entrega o primeiro set.

#Q#

Sem se abater, Bellucci mantém o ritmo e a segunda parcial segue empatada até 3/3. Nesse momento, a força mental do espanhol e a pouca experiência do brasileiro voltam a fazer diferença e a quebra define o set. O terceiro começa com Bellucci sacando em 40/15, mas sendo quebrado. Já sem condições de reagir, o garoto anota apenas um game e Nadal segue para a defesa de seu título. Esta seria a partida mais dura do tetracampeão de Roland Garros até a semifinal contra Novak Djokovic.

ELOGIOS
Eram tantos os jornalistas brasileiros e espanhóis que estavam interessados em falar com Bellucci que, além de estrear a quadra central logo em sua primeira participação no Grand Slam francês, ele também estrearia a principal sala de entrevistas. A mídia espanhola ficou curiosa sobre o rapaz, mas um jornalista italiano, interessado no sobrenome Bellucci, roubou a cena e brincou com Thomaz sobre seu possível parentesco com a belíssima atriz Monica Bellucci. Além disso, ficou desapontado ao saber que ele não possuía dupla cidadania: "Então você não pode jogar por nós". No fim, o jovem resumiu sua aventura parisiense como "uma experiência magnífica". Logo em seguida, foi a vez de Nadal tomar o lugar do brasileiro na sala. O que ele achou do garoto? "Ele é um jogador com grande potencial. Pode estar entre os tenistas top. Tem bom serviço, bom forehand, bom backhand, o que é muito importante. Talvez ele precise melhorar a mobilidade e posicionamento em quadra, mas, no resto, ele tem potencial para ser um grande jogador", comentou Rafa.

Se Nadal falou está falado? Talvez. Uma semana depois, Sid - apelido que Marcelo Melo colocou em Thomaz por sua semelhança com o bicho-preguiça pré-histórico do filme Era do Gelo - conseguiu uma grande vitória sobre Tomas Berdych, número 13 do ranking na ocasião, no Challenger de Prostejov, na República Tcheca. As boas campanhas fizeram Bellucci entrar para o top 70 e assumir a primeira colocação entre os brasileiros. Até onde ele vai? Tomara que até onde Nadal previu.

Perfil/Entrevista

Mais Perfil/Entrevista