Nossa rainha na terra da Rainha

Após 50 anos do primeiro título, Maria Esther Bueno é reverenciada no All England Club

José Eduardo Aguiar em 22 de Julho de 2009 às 13:28

"Fui homenageada com três estátuas, um selo dos correios e títulos cívicos, o que acredito ser melhor do que ganhar uma vaca como Federer"

Roupas brancas, reverência a membros da Família Real na Quadra Central, primeiro domingo de folga, lendas do tênis nas arquibancadas, muito, mas muito morango com chantily consumido nas duas semanas de disputa (mais de 26 mil quilos). Este é Wimbledon, o mais tradicional de todos os torneios de tênis. Se há um lugar onde a nostalgia fala alto, onde as tradições e costumes reinam até hoje, este lugar é, sem dúvida, o All England Club.

Elegância, glamour, eficiência, tradição. São muitas as características que marcam este templo do esporte mundial. Porém, é a gratidão e reconhecimento aos eternos campeões que faz de Wimbledon o torneio mais querido e renomado do circuito. E essa lista de eternos campeões - com nomes como Rod Laver, Bjorn Borg, Pete Sampras, Fred Perry, John Newcombe, Roger Federer, Margaret Smith Court, Chris Evert, SteffiGraf, Martina Navratilova, entre tantos outros - conta com uma brasileira: Maria Esther Andion Bueno.

Há exatos 50 anos, mais precisamente em 1959, a paulistana entrava para a história do tênis. Então com 19 anos - apenas na segunda vez que jogava em Wimbledon -, ela venceu a norte-americana Darlene Hard por 6/4 e 6/3, em rápidos 43 minutos de partida. Sua graça e leveza em quadra lhe renderiam o apelido de "Bailarina". Era o primeiro título de Grand Slam da carreira de Maria Esther em simples, e o primeiro de uma tenista sul-americana.

Não se pode dizer que a brasileira era um rosto totalmente desconhecido do público inglês, já que no ano anterior, em sua estreia no All England, havia conquistado o troféu de duplas ao lado da já consagrada norte-americana Althea Gibson. Porém, o título da jovem tenista foi uma surpresa na época. Com status de estrela, chegou à São Paulo com toda a pompa que uma verdadeira campeã de Wimbledon merece, com direito a desfile em carro de bombeiro e tudo mais.

No mesmo ano, Maria Esther ainda conquistaria o torneio de Forest Hills (equivalente ao US Open, na época), colocando-se definitivamente entre os maiores nomes do tênis na atualidade. Em toda a carreira, foram 589 títulos como profissional, sendo 19 em torneios de Grand Slams (sete de simples, 11 de duplas e um nas duplas mistas). Em seus anos de auge, a brasileira foi uma grande estrela. Seu jogo completo e plástico encantava o público, mas ela também chamava a atenção pela ousadia dos uniformes. O mais famoso designer de moda de tênis da história, Ted Tinling, faria vestidos especiais para ela, abusando em ousadia e sensualidade para o puritanismo da época. Tudo em Maria Esther, desde o estilo de jogo até o uniforme, era de vanguarda.

Esquecimento?
Porém, como todos os atletas, a "bailarina" estava sujeita a problemas e contusões. Ao todo, foram 15 cirurgias no braço e um longo período longe das quadras. mas nada que manchasse sua esplendorosa trajetória no esporte. em 1974, então com 35 anos, Maria Esther se aposentou, deixando uma imensurável lacuna no tênis brasileiro.

A carência de grandes resultados marcou as três décadas seguintes da modalidade no brasil. Isso só foi superado com o surgimento de outro fenômeno, o catarinense Gustavo Kuerten. Em tempos globalizados, em que as informações chegam com mais facilidade às pessoas e a TV e a internet permitem-nos acompanhar partidas de torneios em qualquer parte do mundo, Guga foi endeusado - merecidamente -, mas muita gente parece ter "esquecido" do que representou Maria Esther Bueno para o tênis brasileiro e mundial.

Lógico que os tempos são outros, e nunca é aconselhável comparar tenistas de épocas distintas, mas os números da tricampeã de Wimbledon são suficientes para colocá-la entre os maiores heróis da história do esporte no Brasil, ao lado (ou acima) de nomes como Pelé, Garrincha, Ayrton Senna, Oscar Schmidt, Hortência, Torben Grael, Robert Scheidt, Adhemar Ferreira da silva, do próprio Guga e de outros tantos nomes que levaram o nosso país aos lugares mais altos do pódio em todo o mundo.

Reonhecimento inglês
Se o reconhecimento não é o merecido no próprio país, no Reino Unido Maria Esther é reverenciada como a lenda do tênis que é. Tem site especial em inglês, estátua de cera no tradicional museu Madame Tussauds e documentário sobre sua carreira vinculado na principal rede de TV do país, a BBC. Será que os súditos da Rainha Elizabeth se esqueceriam de homenagear os 50 anos de sua conquista? Claro que não! No início do ano, a organização do Grand Slam inglês anunciou que a brasileira seria homenageada na edição deste ano, e fez o convite para que ela estivesse no All England Club nas semanas de disputa. Lógico que um convite desses, do torneio que a consagrou, não seria recusado, e a paulista de 69 anos viajou à Inglaterra para receber as reverências.

No segundo sábado de jogos, durante a final feminina entre as irmãs Williams, Maria Esther teve uma oportunidade que raríssimas pessoas terão em suas vidas. Foi convidada de honra e assistiu à decisão no camarote real da quadra central em Wimbledon.

"Não consigo acreditar que já faz 50 anos (da primeira conquista). Estar aqui me traz várias memórias", chegou a declarar a brasileira.

Com as arquibancadas lotadas, em uma quadra moderna e reformulada, Serena bateu Venus e conquistou o terceiro título na sagrada grama inglesa, igualando justamente o feito da paulista. Uma final disputada entre seguramente duas das melhores tenistas dos últimos anos. Cenário nostálgico para a campeã de 1959. "Adoraria jogar novamente diante deste público".

#Q#

Em Forest Hills 1960, contra Nancy Richey
Com o presidente Juscelino Kubitscheck
Família
Selo comemorativo 1959-60

Reconhecimento merecido diante da torcida (foi homenageada antes da partida), a brasileira ainda se juntou a outras lendas da história do tênis para um jantar ao melhor estilo Wimbledon, com muito glamour e poucos e ilustres convidados pouco antes do torneio. Mais uma vez, Maria Esther recebeu as devidas honras, ao lado de outra lenda do tênis, o australiano Rod Laver (único tenista até hoje a vencer os quatro Grand Slams em uma mesma temporada por duas vezes).

Ela discursou por 10 minutos diante de 400 pessoas e lembrou seu primeiro título na grama inglesa e a recepção que teve no Brasil. "Quase não conseguimos voltar para o Brasil, pois o avião perdeu dois de seus motores e precisamos fazer um pouso de emergência na Bahia. Quando finalmente chegamos em São Paulo, com 12 horas de atraso, era meia noite ao invés de meio dia. Mas, mesmo assim, os sinos das igrejas estavam badalando e sirenes das fábricas estavam tocando, e milhares de pessoas foram do aeroporto ao clube. Foi incrível. Fui homenageada com três estátuas, um selo dos correios e títulos cívicos, o que acredito ser melhor do que ganhar uma vaca como Federer", riu Maria Esther, lembrando de quando o suíço ganhou seu primeiro Grand Slam, também na Inglaterra, em 2003, e foi presenteado com uma vaca.

De volta ao All England
Memórias, lembranças, reconhecimento, homenagens, nostalgia. Todas estas palavras podem resumir a viagem de Maria Esther Bueno à Londres. Porém, aos 69 anos, esta lenda viva do esporte brasileiro deu mais uma prova de que merece tudo que lhe foi oferecido nestas duas semanas. Embora não mostrando a mesma vitalidade de 50 anos atrás, quando arrasava as adversárias com seu poderoso saque, a brasileira mostrou boa forma e bateu bola na quadra central do All England Club. Mesma quadra em que Darlene Hard (em 1959), Sandra Reynolds (em 1960) e Margaret Smith Court (em 1964) sentiram a força e a técnica dos golpes que a levaram a ser considerada a melhor tenista do mundo em quatro temporadas, além de entrar para o Hall da Fama.

Após mostrar que ainda guarda alguns traços do jogo que a consagrou - já que continua jogando constantemente no Harmonia Tênis Clube, em São Paulo -, a ex-tenista se mostrou muito emocionada e agradeceu todo o apoio e carinho recebido nas duas semanas que passou na Inglaterra. "Estou muito feliz por jogar na quadra central. Nunca imaginei que fosse ter a chance de jogar aqui novamente", declarou a tricampeã.

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