Mãos à obra

Recém-aposentado do circuito, Marcos Daniel revela os novos dilemas do tênis, agora no papel de treinador

Matheus Martins Fontes em 29 de Fevereiro de 2012 às 08:16

"ESTÁ DOENDO O CÓCCIX? Faz o seguinte: alonga bastante o glúteo e, na hora do chuveiro, massageie bastante essa região, o músculo periforme. Falo para ti porque isso já me aconteceu várias vezes", orienta Marcos Daniel ao pupilo Bruno Sant'Anna após um incômodo durante uma sessão de treinos. Em 14 anos como profissional, o gaúcho de Passo Fundo suspira: "Se eu tivesse o que ele tem hoje..."

Dentre tantas dificuldades com lesões, patrocínios, viagens, dinheiro, bem-estar da família, Daniel esteve muito próximo de um desfecho precoce na carreira, muito diferente do que conseguiu alcançar até os 32 anos. Agora, a experiência de ter jogado todos os Grand Slams, Olimpíadas, Copa Davis e ser um dos poucos brasileiros com o privilégio de enfrentar dois dos melhores atletas da história (Roger Federer e Rafael Nadal) é um trunfo que "Marquito" carrega com orgulho frente aos novos desafios como treinador no circuito.

Durante o Brasil Open, em São Paulo, com tantas estrelas em destaque para o público, Daniel manteve a postura discreta característica de um tenista que lutou contra tudo e todos e soube contornar os obstáculos à maneira do bom e famoso "jeitinho brasileiro". Entre autógrafos e assédio de alguns fãs, o ex-jogador optou pela quadra ao invés dos camarotes, sempre ao lado do jovem Sant'Anna, fiel ouvinte de suas orientações e dicas. A fim de descobrir a mudança de papéis dentro da carreira, perguntamos: como um ex-tenista consegue lidar com a nova rotina de treinador?

NOVAS OPÇÕES

Desde o fim de 2011, Marcos Daniel trabalha no Itamirim Clube de Campo, em Itajaí (Santa Catarina), na companhia dos técnicos Patrício Arnold e Ivan Kley, além do preparador físico Mark Caldeira. Antes de firmar parceria com o time - o gaúcho procurou enfatizar que se considera apenas um membro da equipe catarinense -, Marquito revelou que recebeu algumas propostas tentadoras.

"Tive propostas da Alemanha, para trabalhar na academia do Alexander Waske, onde estão fazendo um trabalho legal, inclusive saiu de lá o alemão (Cedrik-Marcel Stebe) que venceu o ATP Challenger Finals aqui em São Paulo. Também pintou uma proposta de ser treinador para a USTA (Federação Norte-Americana de Tênis)", citou o ex-número 56 do ranking, que preferiu escolher a opção (não menos disputada) de trabalhar em prol do tênis nacional.

"Tive propostas do Graciosa (Country Club, em Curitiba), um clube espetacular, mas que é voltado para o associado hoje em dia. Até mesmo com o Larri tive chances de trabalhar. Quando estava perto de parar, na semana anterior a Estoril (ATP disputado em abril, o último torneio de Daniel), ele disse que poderia me juntar ao grupo. Mas já estava em conversa com o pessoal do Itamirim, que, assim como eu, ama competição. Temos 12 quadras para trabalhar o dia inteiro. Eles fizeram um esforço muito grande para me levar e fiquei motivado com isso. É tranquilo, porque é como se eu estivesse trabalhando na minha própria academia", contou o gaúcho, que vive a cerca de 20 minutos de Itajaí, na vizinha Balneário Camboriú.

"Na minha época não tinha técnico, tinha que aprender tudo sozinho. Isso fez com que eu visse o jogo de um modo diferente e hoje vejo como passar aos meninos"

NOVOS MESTRES

Na mais nova função, Daniel - humilde apesar de tantos anos no circuito - afirma que vem tentando aprender o máximo ao lado dos técnicos, como o argentino Arnold, destaque nos tempos de juvenil, quando venceu o Banana Bowl, em 1988. "Estou aprendendo uma 'barbaridade' com o Patrício, ele já estava com o Bruno quando cheguei. E acho que, pela minha experiência no circuito, será muito bom para agregar valores, encurta muito o caminho dos meninos", avaliou Marquito, que também não se esqueceu das orientações de seus ex-treinadores.

"Cresci muito nesses últimos meses pela ajuda que o Patrício tem me passado, aprendi muita coisa com o Larri, com meu irmão Márcio, com o Bocão (Marcus Vinicius Barbosa, do Instituto de Larri), é dessa forma que vamos aprendendo como funcionam as coisas. Cada dia eu sou um aluno, sempre tive a humildade, desde jogador, de ter que aprender. Na minha época, não tinha técnico, tinha que aprender tudo sozinho. E, além disso, tinha que lavar roupa, que marcar passagem, que reservar hotel, que encordoar raquete e ver o jogo do cara para poder ter noção de como enfrentá-lo. Isso, talvez, fez com que eu visse o jogo de um modo diferente, e hoje vejo como posso passar aos meninos", completou.

PARA AS NOVAS GERAÇÕES

Além de Bruno Sant'Anna, Daniel orienta outros oito tenistas que estão vivendo a complicada fase de transição, como é o caso de Pedro Dumont, Bernardo Tavares, Leonardo Telles e, mais recentemente, o carioca Christian Lindell, que jogou os últimos anos sob a bandeira da Suécia e também será observado de perto pelo gaúcho. Quinze anos mais experiente do que Sant'Anna, Marquito confessa que não sente falta de jogar o circuito, mas tem dificuldades de esconder a emoção com cada erro ou acerto de seus comandados em quadra.

"Não fui um excelente jogador e nem sei se vou ser um baita técnico, mas diria que a vantagem dessa molecada é poder receber essa experiência que passei em quadra, de jogar na quadra central de Roland Garros. Essa sensação, esse frio na barriga, aquele nervosismo é normal. Mas a maneira de jogar em um determinado momento, eu posso transmitir essa informação. A bater na bola e entrar mais na quadra nos pontos, porque se você ficar atrás da linha nesse nível, está morto. Um jogador que passou por tantas situações, como é o meu caso, pode acrescentar muito a eles", opinou Daniel, que comparou um jogo de Sant'Anna em São Paulo com algumas partidas memoráveis de sua carreira e também outras que envolviam os maiores nomes do esporte.

"Num determinado jogo, como aconteceu com o Bruno contra o (francês Jeremy) Chardy, ele achou que estava jogando muito mal, só porque perdeu de 6/0 e 6/3. Daí, ele veio: 'Eu não joguei bem'. 'Não, cara, você jogou bem', retruquei. A questão foi não aproveitar as oportunidades, que, nesse nível, são muito raras. E o cara tem uma bola tão rápida que te põe contra as cordas. Se não jogar da forma correta, ele te liquida. Mas aquele feeling, a ilusão de que está jogando mal, eu sei bem como é. Você joga bem, mas a realidade é que você sente que está apanhando. É como estar numa Copa Davis e não acertar uma bola na quadra. É terrível! É como jogar contra o Nadal, se você piscar, toma 6/0, 6/0 e 6/0. Eles têm uma 'gordura' a mais, na hora H, engatam a quinta marcha. Você vê o nível dos tops, do Nadal, quando ele não joga bem, toma 6/3 e 6/0 do Federer", explicou o treinador, que foi convidado a passar a pré-temporada com a bielo-russa Victoria Azarenka, atual número um do mundo.

O rápido ingresso de Marcos Daniel na carreira de treinador dá um novo alento ao tênis nacional. Não porque prevê-se uma carreira brilhante do gaúcho como técnico, mas porque ele, ao contrário de tantos outros que após abandonarem o circuito acabaram se desligando do tênis, pretende devolver ao esporte um pouco do que o esporte lhe trouxe. E nada melhor do que fazer isso orientando os mais jovens.

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