Graciosa Country Club sempre revelou talentos e acolheu grandes gênios do esporte
Da redação em 21 de Outubro de 2009 às 07:51
MARIA ESTHER BUENO, então com 13 anos, adentrou confiante às dependências do Graciosa Country Club (GCC), em Curitiba. Ela era jovem, lépida e impetuosa, e trazia consigo dozes de entusiasmo adolescente que, temperadas pela convicção precoce de sua genialidade, davam à paulista a certeza de que eram bem poucas as mulheres no mundo que poderiam derrotá-la no jogo de tênis.
Vencidas algumas partidas no Aberto de Tênis da Cidade de Curitiba, em 1953, Maria Esther foi surpreendida ao pôr os pés no saibro do clube curitibano. Do outro lado da rede, Ilse Ribeiro, já uma senhora, desafiava aquela que viria a ser a maior tenista sul-americana da história. A menina, porém, não parecia assustada.
Aos 41 anos, Ilse preservava o corpo esguio e atlético, tinha charme e beleza, mesmo que as marcas do tempo denunciassem que a graciosiana já não era nenhuma colegial. Ver do outro lado da rede aquela mulher que, não fossem os olhos claros e os cabelos intensamente loiros, poderia muito bem ser sua mãe deve ter aumentado ainda mais a confiança da pueril Maria Esther. "Essa senhora não tem chance", teria pensado.
Não apenas a garota não impôs uma vitória categórica, como saiu derrotada, por 6/3 e 6/4. "Ela ainda era inexperiente, mas ficou amiga desta velhinha. Tinha 13 ou 14 anos e eu, 41", lembrou Ilse, em entrevista concedida, aos 94 anos de idade, para uma publicação interna do GCC. O título de 1953, conquistado sobre Estherzinha, foi o último no Aberto de Curitiba de Ilse Ribeiro, que venceu em outras seis oportunidades a competição, em 1939, 1940, 1943, 1949, 1950 e 1952.
Ilse foi o primeiro expoente graciosiano no esporte. Nascida em Santa Catarina, em maio de 1912, a tenista se filiou ao clube em 1934, após casar-se com Epaminondas Ribeiro. A partir de então, deu a largada para a mais bem sucedida trajetória tenística de uma mulher já vista no Paraná. Além dos títulos no torneio curitibano, conquistou em 25 temporadas o campeonato feminino do Estado.
Fora das fronteiras do Paraná, sua carreira registra, também, bons resultados, como as conquistas dos torneios de Santos, em 1935, do Club Atlhetico Paulistano, em 1936 e 1939, e de dois vice-campeonatos brasileiros de tênis, em simples, em 1950 e 1951. "Ela era uma apaixonada. Antes de qualquer coisa, amava o tênis, gostava de estar em quadra. Se pudesse, teria continuado a jogar até os 90 anos", diz Ivo Ribeiro, sobre a mãe, que faleceu em 3 de janeiro de 2009, aos 96 anos.
OS RIBEIRO E MARIA ESTHER
O curitibano Ivo Ribeiro, nascido em 7 de setembro de 1938, tratou de dar continuidade ao legado da mãe. As peripécias do filho de Ilse com a raquete não ficaram, porém, restritas às fronteiras brasileiras. "Ivo Ribeiro foi vice-campeão juvenil de Wimbledon. Tricampeão brasileiro - 1957, 1960- 1961. Campeão paranaense 22 vezes", lembra o livro O Tênis no Brasil - escrito por Gianni Carta e Roberto Marcher - em seu capítulo Anos Dourados: década de 60.
Os anos 1960, de fato, foram uma época admirável para o tênis nacional e para o Graciosa. Ivo foi o representante do clube na geração que brindou o Brasil com atletas como Ronald Barnes, Thomas Koch e Edison Mandarino, no masculino, e no feminino, claro, Maria Esther Bueno, que fortalecia seu elegante jogo de saque-e-voleio com as sessões de treinamento junto ao graciosiano.
Os dias dividindo quadra fizeram de Ivo e Maria Esther bons amigos, o que fortaleceu a relação da tenista com os Ribeiro e, consequentemente, com os graciosianos.
Finalista juvenil de Wimbledon, em 1957, Ivo não dá muita bola para a conquista. "O torneio juvenil (de Wimbledon) não é tão importante", diz o extenista, que prefere celebrar seus feitos na categoria adulta, como a participação no confronto em que a equipe brasileira derrotou os Estados Unidos na Copa Davis, em 1966, ou mesmo os títulos no Aberto de Curitiba, em 1964, 1966 e 1969.
Tenista maior do Paraná, Ivo, que divide com a mãe o Olimpo do esporte graciosiano, nunca se dedicou exclusivamente à sua carreira. Ainda juvenil, tentava, em vão, conciliar as viagens do circuito com sua rotina na faculdade de direito. "Deixei de disputar vários torneios porque tinha que voltar ao Brasil para fazer provas", lembra.
"Poderia ter ido muito mais longe", afirma o graciosiano, que reconhece, porém, ter tido uma trajetória de sucesso no cenário nacional. "Desde 56, quando entrei pela primeira vez no ranking brasileiro, permaneci por 15 temporadas seguidas entre os 10 primeiros. Em 60, fui o número um", ressalta.
#Q#Erguido nas localidades do Parque Graciosa, paisagem do clube é deslumbrante |
HISTÓRIA
A íntima relação do Graciosa com a bolinha e as raquetes antecede o próprio nascimento do clube, em 14 de junho de 1927. Na década anterior, em 11 de dezembro de 1914, foi fundado em Curitiba, por imigrantes europeus apaixonados por tênis, o Sport Club Germânia (SCG).
Erguido nas localidades do Parque Graciosa, onde hoje existe a Avenida João Gualberto, o então novo clube da capital paranaense atendeu pela alcunha de Germânia até 15 de janeiro de 1919, quando - semanas após o cessar fogo na Europa - passou a se chamar Tennis Club 1914, abandonando, então, o nome que homenageava a Alemanha - país de origem dos fundadores e principal envolvido na recém findada I Guerra Mundial. Em 11 de maio de 1921, o Tennis Club 1914 virou Graciosa Tennis Club (GT C), que existiu até 1927, quando, em 28 de fevereiro, se fundiu com o Curityba Golf Club (CGC), dando vida ao atual Country Club, onde o tênis seguiu sendo, agora ao lado do golfe, o esporte principal.
Para o graciosiano, mais que competição, praticar o esporte das raquetes sempre foi um modo de viver melhor, um jeito de enxergar o mundo que possibilitou o surgimento de mitos como Ilse e Ivo Ribeiro, e de outros bons valores que permeiam a trajetória do clube.
HOJE
Nem só de Ilse e Ivo viveu o tênis no Graciosa. A história do mais tradicional clube social (ao lado do Clube Curitibano) do Paraná registra a passagem de importantes nomes da modalidade. A família Demeterco escreveu, assim como os Ribeiro, páginas destacadas do esporte no GCC. O hoje empresário Roberto Demeterco ganhou destaque em âmbito estadual na década de 60; seu filho, José Luiz, que foi campeão brasileiro juvenil nos anos 1980, se destacou no tênis universitário norte-americano e, depois de aposentado, exerceu o cargo de presidente da Federação Paranaense de Tênis (FPT), de 2002 a 2006. Juliana Vargas Ribas e Sérgio Ribeiro (filho de Ivo) são outros que alcançaram o topo nas categorias de base.
Mesmo formando as principais referências da modalidade no âmbito estadual, não há no Graciosa a priorização do tênis competitivo. O sucesso do clube no esporte em grande parte da sua história se deu, digamos, por osmose. Nos últimos anos, apenas, é que essa realidade sofreu alguma mudança. "No começo dos anos 2000 é que começou a se trabalhar a base com mais cuidado", lembra Marco Antonio Beirão, antigo diretor do Graciosa.
Guga ganhou torneio local pouco antes de sagrar-se campeão em Roland Garros 1997 |
A estrutura do clube impressiona e ajuda no desenvolvimento de novos talentos. 15 quadras de saibro, três das quais cobertas, são oferecidas para os cerca de 1800 sócios. Para o treinamento dos infanto-juvenis o complexo fica disponível durante a tarde. Fora as instalações do tênis, o graciosiano usufrui de um suntuoso campo de golfe, de 18 buracos, além de um considerável espaço oferecido a outros esportes, como futebol, squash e natação. Ao todo o clube conta com 276.000 m² de área.
Aliando tradição, estrutura e, hoje, uma maior preocupação com o lado competitivo do esporte, o Graciosa trilha seu caminho na revelação de jovens valores. Mariana Buffara, Fernanda Amaral, Priscila Garcia e Maria Vitória Beirão são algumas das jovens que estão se destacando.
GUGA
Tanto no âmbito social quanto no competitivo, a organização de torneios é historicamente uma característica do clube. "Ao longo do ano existem de 12 a 15 competições internas", lembra Beirão, que ressalta a preocupação do Graciosa em sempre fomentar o tênis.
Em relação ao esporte de alto nível, o empenho do clube não é menor. Eventos como o VET´S Internacional de Curitiba, o Campeonato Paranaense Infanto-Juvenil e a o Copa Bras-Onda de Tênis (Future feminino) são realizados anualmente no solo curitibano.
Um dos grandes orgulhos do Graciosa, o Aberto de Tênis de Curitiba deixou de ser disputado em 2002 (no masculino, e em 1981, no feminino). Ainda assim, segue lembrado pelos sócios do clube. "Foi durante anos o torneio aberto mais antigo do Brasil", lembra o gerente de tênis, Gilmar Cichon. Por lá desfilaram ícones da modalidade, como Ronald Barnes, Edison Mandarino, Carlos Alberto Kirmayr, além de Maria Esther Bueno, vencedora em 1954 e 1956.
O último gênio das raquetes a enfeitar as charmosas instalações do Graciosa foi Gustavo Kuerten. Antes de vencer o evento que mudaria sua vida, em 1997, Guga, aconselhado por seu treinador, Larri Passos, voltou ao Brasil para disputar o Aberto de Curitiba. Veio e venceu. Perguntado sobre uma história marcante, sem hesitar, Cichon responde: "Assistir o Guga jogar no clube e, menos de um mês depois, vencer Roland Garros foi, sem dúvida, especial".
O Graciosa Country Club cruzou o caminho de Gustavo Kuerten em 1997. Um encontro casual que não poderia, porém, ter sido mais adequado. Guga e Graciosa são dois nomes símbolos do tênis nacional; duas almas em sintonia, para as quais o tênis sempre foi, antes de qualquer coisa, um estilo de vida.
fotos: divulgação e reprodução do livro: "Graciosa um brilho eterno"