Apesar de buscar a perfeição desde cedo, o suíço não era muito afeito aos treinamentos
René Stauffer em 21 de Junho de 2016 às 11:17
O primeiro ídolo de Roger Federer foi Boris Becker. Ele tinha quatro anos quando Becker ganhou seu primeiro título em Wimbledon, em 1985, e, por conta disso, o tênis virou uma febre entre o povo alemão, depois da vitória épica de seu compatriota. Roger chorou amargamente quando Becker perdeu para Stefan Edberg nas finais de Wimbledon de 1988 e 1990. Quando garoto, assistia por horas a partidas de tênis pela televisão. Sua mãe ficava impressionada com os detalhes que ele conseguia memorizar.
“Eu gostava de tênis mais do que qualquer outro esporte”, Roger relembra. “Era sempre empolgante, e ganhar ou perder sempre estava em minhas mãos.” Logo após entrar na escola, ele rapidamente se tornou o melhor jogador de sua faixa etária e lhe foi concedida a permissão para participar de sessões especiais de treinamento três vezes por semana, em uma associação livre de clubes situados na Basileia e em suas imediações. Foi nesses treinamentos especiais que Roger conheceu Marco Chiudinelli, outro jovem talentoso, um mês mais novo que ele, também proveniente de Münchenstein. Eles se tornaram amigos e passavam muito tempo juntos fora das quadras.
Após o treinamento, os garotos, às vezes, jogavam squash, com suas raquetes de tênis, futebol e tênis de mesa, um contra o outro. Seus pais corriam e andavam de bicicleta juntos. Quando um grupo regional forte foi formado, Roger e Marco, ambos com oito anos de idade, se tornaram membros desse grupo, porém jogando em clubes diferentes — Federer no Old Boys Tennis Club, onde as condições de treinamento eram melhores em relação ao clube de tênis da Ciba, em Allschwil, e Chiudinelli no Lawn Tennis Club, da Basileia.
“Havia muito barulho quando estávamos nos treinamentos”, lembra Chiudinelli. “Nós mais falávamos que treinávamos. O treinamento não parecia muito importante para a gente. Só queríamos nos divertir e ficar de bobeira, brincando. Um de nós era sempre expulso da quadra.”
Federer e Chiudinelli logo se tornaram as ovelhas negras do grupo, e seus pais ficaram bravos ao descobrirem que um ou outro havia ficado de fora, por motivos disciplinares, apenas assistindo ao treinamento. “Roger perdia praticamente para quase todo mundo nos jogos de treino”, disse Chiudinelli. “Ele era o único de quem eu ganhava, mas a diferença era enorme. Quando a coisa era para valer, era como se ele apertasse um botão e se transformasse em uma pessoa completamente diferente. Eu admirava essa sua qualidade. Eu poderia vencê-lo facilmente em um treinamento, mas quando jogávamos em um torneio, mesmo que fosse um dia depois, era ele quem vencia com facilidade. Mesmo naquela época, ele já era um competidor de verdade.”
Os dois garotos de oito anos jogaram um contra o outro oficialmente, pela primeira vez, em um campeonato chamado The Bambino Cup, em Arlesheim. “Naquela época, nós jogávamos apenas um longo set de nove games”, explica Chiudinelli. “As coisas não estavam indo bem para mim no começo. Estava perdendo de 2/5 quando comecei a chorar. Nós chorávamos muito naquela época, mesmo durante as partidas. Roger veio até mim e tentou me consolar quando estávamos trocando de lado. Ele me disse que tudo daria certo, e foi o que realmente aconteceu. Eu tomei a liderança da partida por 7/6 e percebi que o jogo havia mudado de mãos. E então foi a vez de Roger começar a chorar; eu corri até ele e o encorajei, e as coisas melhoram para ele também. Porém, essa foi a única vez em que pude vencê-lo.”
Roger treinou com Adolf Kacovsky, um instrutor de tênis do The Old Boys Tennis Club, a quem todos chamavam de “Seppli”. Como muitos de seus compatriotas tchecos, durante a Primavera de Praga, em 1968, Kacovsky fugiu da Tchecoslováquia e dos tanques russos que invadiram a capital tcheca para resfriar a rebelião. Um ano depois, pela Tunísia, ele chegou à Basileia, onde foi o principal profissional do clube até 1996.
“Eu notei, de imediato, que esse menino era um talento nato”, comenta Kacovsky sobre Federer. “Ele nasceu com uma raquete nas mãos.” No começo, Federer tinha aulas em grupo, mas não tardou para que começasse a receber atenção especial e individual. “O clube e eu rapidamente percebemos que ele era extremamente talentoso”, diz Kacovsky. “Nós começamos a lhe dar aulas particulares, que eram parcialmente pagas pelo clube. Roger aprendia muito rápido, quando ensinávamos a ele algo novo aprendia depois de três ou quatro tentativas, enquanto outros do grupo precisavam de semanas.”
O pupilo notório não era apenas talentoso e apaixonado pelo esporte mas também ambicioso. Kacovsky conta que Roger sempre dizia que queria se tornar o melhor do mundo. “As pessoas riam dele, inclusive eu”, confessa. “Eu achava que ele poderia ser, talvez, o melhor jogador da Suíça ou da Europa, mas não o melhor do mundo. Mas ele colocou isso na cabeça e trabalhou nesse sentido.”
Contudo, a carreira de Roger no clube, em relação aos torneios, começou com um fiasco. Em seu primeiro campeonato, aos 8 anos, ele perdeu sua primeira partida de verdade por 6/0 e 6/0, embora, em sua própria opinião, não tivesse jogado tão mal. E, como esperado, Federer chorou depois de ter perdido. “Seu adversário era muito maior”, explica Kacovsky. “Ele também estava muito nervoso em seu primeiro jogo competitivo.”
Roger sempre procurava por pessoas para treinar com ele e, se não encontrasse, treinava batendo e rebatendo bolas na parede, repetidamente, por horas. Aos 11 anos, a revista de tênis suíça Smash se interessou por ele. Um pequeno artigo sobre o jovem Federer foi publicado em outubro de 1992, após ele ter chegado às semifinais do campeonato Youth Cup, da Basileia, uma porta de entrada para o tênis competitivo. Embora Roger estivesse melhorando rapidamente, ainda sofria muitas derrotas amargas. Dany Schnyder, o irmão caçula da tenista Patty Schnyder, que se tornaria uma jogadora de ponta, se tornou seu arquirrival e principal adversário como juvenil. “Eu tentava tudo que podia, mas não fazia diferença alguma”, recorda Roger. “Eu sempre perdia e perdia, sem deixar dúvidas.”
Schnyder, seis meses mais velho que Roger, cresceu na vila vizinha de Bottmingen e tem lembranças carinhosas de seus duelos com Roger na época em que eram juvenis. “Nós jogamos um contra o outro 17 vezes entre os oito e 12 anos”, revela. “Ganhei 8 das primeiras nove partidas, mas perdi as últimas oito. Roger sempre jogou agressivamente. Eu apenas me preocupava em manter a bola na quadra, na maioria das vezes. Nada funcionou para ele no começo. Suas apostas não davam certo. Essa foi, provavelmente, a razão pela qual eu consegui aquelas vitórias. Porém, de uma hora para outra, seus golpes começaram a entrar.”
“Eu fiquei surpreso ao ver Roger subindo para o topo de repente”, confessa Schnyder, que por fim deixou sua carreira de tenista para ingressar na faculdade. “Qualquer um percebia que ele tinha bons golpes aos 11 ou 12 anos de idade, mas eu nunca imaginei que ele se tornaria o número um do mundo. Eu acho muito grandioso o que ele conseguiu — mas para mim ele não é um ídolo, uma celebridade mundial ou um super-herói. Todas as vezes que nos vemos, ele ainda é a mesma pessoa de quando eu o conheci pela primeira vez.”
Schnyder também corrobora o fato de que Federer não levava as partidas de treinamento tão a sério quanto as partidas dos campeonatos. “Quando as coisas eram para valer, ele sempre dava o máximo de si”, diz. O próprio Federer tinha consciência de que o seu rendimento nos treinos deixava a desejar. “Eu era assíduo, mas não gostava de treinar”, revelou anos mais tarde. “Meus pais sempre me diziam: você deve levar os treinamentos mais a sério; mas eu sempre tinha as mesmas dificuldades para me sentir motivado. Eu era um jogador de competição.”
Emoções negativas frequentemente tomavam conta dele. “Quando as coisas não iam do jeito que ele queria, ele xingava e arremessava a raquete”, explica Kacosvky. “Era muito ruim, às vezes eu tinha de intervir.”
“Eu constantemente xingava e arremessava a minha raquete para qualquer canto”, relata Federer. “Era ruim. Meus pais ficavam com vergonha e me diziam para parar com aquilo ou não me acompanhariam mais nos campeonatos. Eu tive de me acalmar, mas esse foi um processo extremamente longo. Acredito que estava procurando pela perfeição muito cedo.”
Em 1993, aos 11 anos, Roger ganhou seu primeiro título nacional suíço, derrotando Chiudinelli em Lucerna, na final do campeonato Swiss Indoors sub-12. Seis meses depois, ele derrotou Schnyder na final do campeonato suíço em ambiente aberto sub-12, em Bellinzona. Essas duas vitórias foram muito importantes para Federer, um sinal de que estava evoluindo. “Eu pensei: aha! Eu consigo competir”, conta. “Eu tenho capacidade para isso.”
Michael Lammer, proveniente de Zurique, um ano mais novo que Federer, lembrou que, naquele tempo, ele ainda estava progredindo. “Dava para perceber que ele era um talento, mas, nessa idade, é difícil dizer que um jogador genial está nascendo. No começo, ele ainda tinha problemas com o seu backhand, pois o fazia com uma mão só e não tinha força suficiente. Por isso, ele dava muitos slices. Mas o seu forehand já estava completamente formado.”
Os duelos entre eles eram explosivos, segundo Lammer. “Era caótico, às vezes”, revela. “Nós jogamos por volta de cinco ou seis vezes antes de completarmos 14 anos. Ele era muito emotivo. Nossos jogos eram bem equilibrados, mas ele ganhava força nos momentos decisivos porque fazia a coisa certa instintivamente. Por isso eu nunca fui capaz de ganhar dele.”
Roger, além de tênis, ainda jogava futebol pelo clube, mas os vários treinamentos exigidos por ambos os esportes eram muito difíceis de conciliar. Então, aos 12 anos, ele decidiu deixar o futebol e se concentrar no tênis. A escolha não foi difícil, mesmo com seus treinadores dizendo que ele tinha um grande talento. “Eu marquei alguns gols, mas não fazia nada especialmente bem”, diz Roger. “Nós ganhamos alguns torneios regionais, porém eu já havia conquistado um título nacional de tênis.” Seu grande talento não estava em seus pés, mas, sim, em sua mão direita.
A busca de Roger pela perfeição também o levou a optar pelo tênis em vez do futebol — não que ele fosse antissocial, mas, pelo fato de o futebol se tratar de um jogo coletivo, Federer simplesmente dependia muito de seus companheiros de time. Como jogador de futebol, ele não apenas teria de lidar com as suas próprias imperfeições mas também com as de seus companheiros. Isso não daria certo a longo prazo. Federer já tinha o bastante para se aborrecer com os seus próprios erros.
Depois de seu nono aniversário, Federer às vezes treinava no Old Boys Tennis Club com Peter Carter, um jovem instrutor assistente. O australiano, que queria que todos o chamassem de Peter, fossem donas de casa ou diretores de banco, era um homem simpático e sério, de cabelos louros e lisos, que caiam despenteados sobre sua testa. Tinha grandes olhos azuis e uma voz agradável. Ele nasceu em 1964, em Nuriootpa, uma pequena cidade com 40 produtores de vinho no Vale de Barossa, ao sul da Austrália. Como membro do Instituto de Esportes da Austrália, Peter se tornou um profissional de tênis, porém não chegou a ser um jogador de ponta. A melhor posição que teve no ranking, em sua carreira, foi a de número 173.
Em 1984, Carter jogou no circuito satélite suíço, um torneio profissional de importância menor, e, apesar de não ter tido muito sucesso, a sua estadia na Suíça se mostrou fatídica. O Old Boys Tennis Club o convidou para jogar no time B da liga de tênis nacional do clube. Carter aceitou o convite. Em pouco tempo, ele não estava apenas jogando no time como também era um treinador ativo do clube, e, no início da década de 1990, a sua carga de trabalho estava só aumentando.
Em 1993, o Old Boys Tennis Club ofereceu a ele a posição de treinador definitivo, com a finalidade de construir um programa de treinamento para jovens jogadores de tênis. Carter aceitou, passando a treinar um grupo que incluía um garoto de 12 anos, Roger Federer. “Peter não era apenas o técnico ideal para Roger, era também um bom amigo”, lembra Seppli Kacovsky. “Ele era um excelente instrutor e psicólogo.”
“A primeira vez que o vi”, disse Carter, certa vez, sobre o futuro número um do mundo, “Roger raramente subia a rede. Percebia-se seu talento logo de cara. Roger era capaz de fazer muitas coisas com a bola e com a raquete desde muito jovem. Ele era brincalhão e queria principalmente se divertir”. Federer, segundo ele, era muito espontâneo e coordenado em todos os sentidos. “Ele tinha uma noção muito grande ao bater na bola e possuía um ótimo forehand”, comenta Carter. “Ele aprendia com rapidez e facilidade extraordinárias, incluindo o que ele via Boris Becker ou Pete Sampras fazerem pela TV. Estava em progresso constante.”
Quando Roger estava com 13 anos, o seu sonho se transformou em uma obsessão — ele queria se tornar o jogador número um da Suíça e, assim, ficar entre os 100 primeiros no ranking mundial. O seu nível de jogo e sua posição no ranking o permitiam jogar em competições juvenis internacionais. Nesse ínterim, ele já não era mais tão fã de Boris Becker; tornou-se um entusiasta de Stefan Edberg, o rival sueco daquele.
A ideia de mandar Roger para o Centro Nacional de Tênis da Suíça, na cidade de Ecublens, veio por volta do inverno de 1994/1995. Seus pais estavam satisfeitos com Peter Carter e com as condições de treinamento, porém o programa do Centro Nacional de Tênis — ou o programa Tennis Etudes — tinha sido fundado pela Federação Suíça de Tênis e, por isso, era financeiramente mais atraente para os Federers.
Oito garotos e quatro garotas treinavam no Centro Nacional de Tênis, no Lago de Genebra, onde haviam técnicos qualificados à disposição deles. Os estudantes poderiam optar por viver hospedados em uma casa de família e frequentar escolas públicas, nas quais eram liberados de certas matérias. Uma das figuras centrais do programa era Pierre Paganini, que, como Peter Carter, teria um papel central na carreira de Federer. Ex-atleta de decatlo e professor de esportes formado, Paganini era preparador físico e chefe administrativo em Ecublens.
Quando seus pais perguntaram para Roger se ele estava interessado em ir para Ecublens, ele disse que não. Contudo, seus pais ficaram ainda mais surpresos, tempos mais tarde, quando leram em uma revista sobre tênis uma declaração de seu filho falando sobre a sua intenção de se formar no programa. Em março de 1995, Federer foi, entre 15 candidatos, fazer o teste de admissão, que incluía uma corrida de 12 minutos — um teste de resistência —, demonstrações de suas habilidades na quadra e um jogo-teste. Federer logo convenceu Pierre Paganini e Christophe Freyss, o técnico nacional, que tinha habilidades para se tornar um aluno do Centro Nacional de Tênis. Eles o informaram, enquanto ainda estava em Ecublens, que ele havia passado nos exames.
Trecho do livro “A biografia de Roger Federer”, de René Stauffer.
Publicado pela editora Évora.
R$ 64,90