O campeão chora

O sorriso de Guga sempre foi contagiante. O mundo que sorriu com ele por tanto tempo, também chorou com ele em sua despedida do Brasil Open

Fernando Sampaio em 3 de Março de 2008 às 11:17

Tenho certeza que você ficou emocionado com a despedida do Guga no Brasil Open. Todos nós ficamos. Foi emocionante. Suas palavras no final da partida, sua vontade de continuar jogando, o sofrimento, as dores, sua família, Larri Passos. Nunca vi uma declaração tão apaixonada de um atleta para um técnico. É óbvio que chorei. Duvido que você não tenha chorado. Guga entrou e saiu da quadra chorando. Ninguém viu Carlos Berlocq jogar. Todos queriam ver Guga. Vivi estes momentos bem de perto. Vi Guga entrar no túnel que dá acesso à quadra central com os olhos cheios de lágrimas. Curti todos os detalhes. Fiquei arrepiado e hipnotizado. Guga estava tenso. O maior tenista brasileiro de todos os tempos estava jogando sua última partida no Brasil Open, torneio onde foi bicampeão.

Guga entrou em quadra ao som de "Emoções", de Roberto Carlos, e não agüentou. Precisou enxugar as lágrimas antes de começar a aquecer para sua última partida no Brasil Open

O Brasil Open tem um significado especial na vida do Guga. Achei legal que tenha sido escolhido para abrir sua turnê de despedida. Ele ajudou muito a trazer o torneio para o Brasil. Há sete anos o Brasil não sediava um ATP. Guga estreou na Costa do Sauípe no dia 11 de setembro de 2001. Isso mesmo, September 11th. O torneio era disputado após o U.S. Open. Naquele ano, Guga travou uma batalha com o Max Mirnyi em Nova Iorque. Foi uma partida histórica, jogada em cinco sets, com duração de três horas e cinqüenta e um minutos. Ele ainda passou por Albert Costa, mas nas quartas-de-final, já sem condições físicas, perdeu fácil para Kafelnikov e saiu arrebentado dos Estados Unidos. O quadril, que o atormentava desde o início da temporada, piorou ainda mais. Dias depois, enquanto Manhattam sofria o ataque terrorista, Guga era eliminado por Saretta na Bahia. O futuro do melhor tenista do mundo era preocupante.

Com o tempo, as dores no quadril se tornaram piores e o impediram de jogar em alto nível. Ao término de cada jogada, a mão busca a região dolorida

Depois de eliminado na primeira rodada do Brasil Open 2001, Guga jogou mais sete torneios antes da primeira cirurgia. Venceu só uma partida, contra o tcheco Bohdam Ulihrach, no Masters de Paris. Tomou seis primeiras rodadas. Apesar do esforço, o reinado chegou ao fim. Hewitt venceu a Masters Cup em Sidney e terminou a temporada como número um. Era o começo do fim. O rei foi destronado. Após a operação em fevereiro de 2002, Guga ainda conquistou quatro torneios ATP . No final do ano, ganhou o primeiro título do Brasil Open, batendo Guillermo Coria numa final dramática. Em 2003, levou Auckland e São Petersburgo. Estes três torneios foram disputados no piso rápido. Em 2004, Guga conquistou o bicampeonato na Bahia. Desta vez, bateu Augustin Calleri no saibro. Foi o último título. Não me lembro de nenhum outro jogador que depois de operar o quadril tenha conquistado quatro ATP s. É mais uma prova de herói.

Dona Alice, conhecedora do sofrimento do filho, vibrou até o fim e declarou emocionada: "Se houvesse transplante de quadril, daria o meu para ele"

Quando pegou o microfone em Sauípe e falou para o Brasil, vi o Guga espontâneo e sincero que conheci no início da carreira. As palavras saíram do coração. Pela primeira vez, assumiu que não dava mais para jogar. Desabafou. Chorou. Era como se tudo aquilo estivesse reprimido. Desde 2005 Guga vivia um personagem. Falava em voltar a vencer os melhores. Sentia-se capaz. Mas, na prática, víamos que ele não voltaria mais a vencer os grandes torneios. Era difícil ver nosso campeão perdendo todas. Guga tentou até o fim. E não há nada de errado nisso. Todos têm o direito de lutar. Guga teve enorme dificuldade para enfrentar a realidade. Com certeza, é uma decisão difícil para qualquer atleta. A ficha demorou a cair, mas e daí? Valeu a pena tentar.

Até Roland Garros ainda vamos ter muitas emoções. Cada uma delas terá um significado especial. A despedida na Costa do Sauípe foi única. Na Bahia, revi muitas pessoas que fizeram parte da carreira de Gustavo Kuerten. Eram tenistas, torcedores, amigos, jornalistas, a mãe Alice, o irmão Rafael... Vi muita gente que torcia pelo Guga. Senti em cada olhar, um ar de alegria e tristeza. Alegria por estar ali curtindo os últimos momentos do Guga. Tristeza por saber que não veremos mais seus golpes e suas vitórias. Durante a semana, gravei depoimentos de pessoas que conviveram com o Guga. Os depoimentos de Rafael e Alice Kuerten são maravilhosos. Chorei mais uma vez, editando as entrevistas no hotel. O vídeo foi apresentado na homenagem oferecida pela Koch Tavares. Tive a honra de apresentar a cerimônia que contou com as presenças de Maria Esther Bueno e Antonio Carlos de Almeida Braga, o "Braguinha". Duas figuras maravilhosas. Foi um privilégio participar daquele momento espetacular.

#Q#

"Não é que eu não queira realmente jogar mais...
Eu peço desculpa, mas é que realmente
não consigo mais. Obrigado galera, valeu!"

Cara, o Guga representou muito para mim. Passei parte da minha vida acompanhando ele no circuito. Muitas vezes paguei do bolso. Vi de perto a maioria dos títulos. Fui o jornalista que mais entrevistou Guga ao longo de sua carreira. Nunca consegui ser 100% jornalista. Fui torcedor e parcial. Dentre tantos momentos maravilhosos, jamais vou esquecer das entrevistas em Roland Garros. Após as conquistas, Guga falava com o repórter da TV francesa, NBC e depois comigo, pela TV Record. Estas entrevistas, no calor da vitória, foram inesquecíveis. A Master Cup de Lisboa foi o momento mais glorioso de sua carreira. Guga perdeu do Agassi na estréia, depois chorou na entrevista. Pensou que estava tudo perdido. Voltou, ganhou do Norman, Kafelnikov e Sampras na semi. E na final, deu o troco no Agassi. Torneio assim nunca mais.

Foi o maior torneio que vi na vida. Foi o ápice. Espero um dia poder produzir um documentário com seus melhores momentos. Tenho imagens maravilhosas do Guga, dentro e fora das quadras. Isso precisa ser mostrado para que jamais esqueçamos do nosso herói. Espero que Guga possa jogar Miami e Roland Garros. Já fiz as reservas. Quero curtir até o último golpe. E você?

O serviço dentro da quadra terminou. Comeca o trabalho fora

 

Fernando de Sampaio Barros
Rádio Jovem Pan fernandosampaio@jovempan.com.br
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