Derrotas podem impulsionar uma carreira

O segredo está em não deixar a dor superar a vontade de vencer

Matheus Martins Fontes em 21 de Dezembro de 2015 às 16:05

Que atire a primeira pedra quem nunca deixou escapar uma vitória certa e que, em poucos momentos, viu-a evaporar-se por entre os dedos e transformar a euforia em desespero. Você, o mais confiante e preciso, que conduzia a partida de maneira quase perfeita, teve que engolir a seco a frustração daquilo que é tão comum no esporte - a derrota.

Nunca passou por sua cabeça sumir depois de um duro revés em que esteve "com a faca e o queijo na mão" ou atirar a raquete longe quando simplesmente entrou em quadra e não colocou nada em prática? Diante de tantos pensamentos negativos, é normal acreditarmos que a derrota de nada adianta para nossa experiência. Afinal, não é agradável ver alguém celebrando às nossas custas.

É comum lidarmos com a situação de um jeito rotineiro: "Ah, hoje foi um dia ruim. Não acertei nada e perdi." O tênis é um esporte diferente dos demais, porque é baseado em um calendário repetitivo em que, quase todas as semanas, há a realização de vários torneios simultâneos. No entanto, se perder for uma ação tão passiva e que não acarreta no aprendizado de alguma lição, o que o jogador de tênis pode compreender a partir das derrotas? Por acaso é motivo para ficar se lamentando?

A Revista TÊNIS conversou com vários especialistas para expor seus pontos de vista a respeito da importância das derrotas, tanto para a carreira dos grandes campeões, quanto para os iniciantes fissurados pelo esporte. Nada como quem já passou por isso algumas vezes para aconselhar quem tem dificuldades em entender a realidade do tênis, um esporte em que a derrota, na maioria esmagadora dos casos, é sempre mais constante do que as vitórias.

Perdi. O que fazer?
O tênis é dinâmico, tanto no que diz respeito às formas de se ganhar ou perder um jogo quanto às reações após o mesmo. Cada jogador tem uma atitude depois de sofrer uma queda, independentemente das circunstâncias, e o papel do treinador é identificar a forma com que seu pupilo recebe melhor uma derrota para analisá-la.

"Se o teu atleta está de cabeça quente, você vai dar um intervalo para ele e depois conversar. Não adianta nada conversar na hora, você vai acabar botando os 'pés pelas mãos', falar algo que não era para falar e ele sai mais bravo ainda", comenta Marcos Daniel, tenista posentado e que afirma ter ficado craque nas orientações por ter observado durante tantos anos a relação técnico-jogador. "Em uma situação de perder um jogo, o cara fica mais sensível. Eu já vivenciei isso e, quando um técnico vinha falar comigo numa hora errada, tinha vontade de subir no pescoço dele. De repente, se dissesse aquilo meia hora depois, faria diferença", acrescenta o gaúcho.

Para Ricardo Acioly, ex-treinador de João Souza, o Feijão, a derrota pode ser muito bem aproveitada pelo atleta caso seja abordada da forma correta por seu mentor. "Quando o atleta perde, isso não deve ficar parado na cabeça e na boca do técnico. Ele deve procurar o momento adequado para fazer uma análise técnica, para discutir qual golpe falhou, qual foi o 'buraco' do plano. Depois ele vê a abordagem tática no sentido de entender o que complicou para seu jogador, como o adversário o atacou, como o cara lidou com as condições da quadra, do clima, altitude. E até a parte mental entra nesse aspecto, porque você acaba querendo entender a cabeça do seu jogador e do adversário também. Tudo isso é analisado de forma a montar um quebra-cabeça para as próximas vezes", opina Pardal.

O treinador Elson Longo também costuma traçar uma estratégia para "reverter" a derrota em algo positivo para seu atleta. "Depois de esperar o tenista passar pela fase emocional, abre-se a oportunidade para o diálogo. Sempre é bom primeiro ressaltar os pontos positivos para, em seguida, assinalar os pontos fracos e erros. Finalmente, traçar metas e mostrar como melhorar o que não foi satisfatório, marcando novamente os bons momentos, é uma boa maneira de recomeçar com entusiasmo e motivação", aponta.

 


Aprender a perder
Um passo importante para que a união atleta-técnico colha frutos no caminhar dos dias é encarar o tênis dentro de um contexto, ou seja, não apenas basear o aprendizado em uma única partida, mas, sim, na rotina do atleta. É o que garante o grande tenista brasileiro, João Zwetsch. "Quando você joga uma competição de outro esporte, um Mundial de Vôlei, por exemplo, você se prepara para competir aquele torneio específico. Para ocorrer outro do mesmo padrão, demora-se três ou quatro meses. Já o tenista não tem isso, ele vence ou perde o torneio no domingo e, na segunda-feira, está jogando de novo outro evento do mesmo porte. Então, ele não tem muito tempo para se lamentar ou comemorar. Se toda vez em que o cara perde um jogo vai para o fundo do poço e tem que se motivar o tempo todo, é muito difícil. Um ser humano não consegue fazer isso várias vezes por ano", declara o treinador.

Fernando Meligeni complementa esse pensamento: "O tênis é um esporte em que o jogador tem que se acostumar a perder, porque, na maioria das vezes, ele vive perdendo. Os atletas jogam entre 25 e 30 semanas por ano e, quando é muito bom, vencem quatro, cinco torneios e, no resto, você acaba perdendo. Não dá para você se cobrar muito por um resultado, porque no outro dia já tem jogo para fazer. Isso faz parte da nossa profissão", afirma o ex-tenista, medalhista de ouro no Pan-Americano de Santo Domingo em 2003.

Ex-treinador de Fininho no início da carreira, Marcelo Meyer garante que a sensação da derrota é algo que atormenta o atleta após as partidas, mas serve como uma "válvula de escape" para superar barreiras em busca do amadurecimento.

"Quando o tenista ganha um jogo, ele deita na cama comemorando. Quando ele perde, ele vai para a cama pensando. O ato de pensar, a lembrança de cada ponto, são os fatores que fazem o atleta crescer".

O treinador e ex-tenista Givaldo Barbosa dá exemplos do que pode vir à mente do jogador no momento em que faz um breve apanhado do confronto. "Você acaba pensando o que não fez no jogo, o porquê de deixá-lo mais rápido, mais lento, por que não fez uma 'cera' a mais, não foi buscar uma toalha para esfriar o jogo. As derrotas marcam mais, porque você acaba lembrando daquilo que fez de errado e, nas vitórias, você, de certa forma, 'apaga' da memória".

O treinador Elson Longo segue o mesmo raciocínio: "Em qualquer nível a derrota gera dor e frustração e, nesse estado, é natural analisar e remoer o histórico do jogo em busca de soluções, justificativas e consolos. Esse exercício leva a descobertas, entende-se necessidades e ocasiona mudanças e novos esforços que, com o tempo, se transformam em melhoras. A vitória, com sua euforia, muitas vezes torna ébrios os jogadores que se esquecem de codificar as passagens da partida, aprendendo menos que aqueles que foram eliminados".

Zwetsch corrobora a opinião de Meyer, Barbosa e Longo, mostrando que a experiência do atleta o faz lidar de maneira pragmática com as derrotas. "A assimilação delas e a automotivação constante é um dos maiores trunfos dos grandes campeões, a capacidade de se perdoar, estar pronto para trabalhar e seguir em frente", concluiu.

Virada na carreira
Nas palavras de Celso Sacomandi, ex-tenista e treinador em Bauru, no interior paulista, "só perde quem joga". Mesmo com a premissa de que o ideal não é se abalar com uma partida específica, a maioria dos atletas se lembra de uma derrota marcante que impulsionou a carreira ou fez com que a jornada no tênis se tornasse mais breve do que se imaginava. Um caso pode ser exemplificado com o argentino Guillermo Coria, que, ao perder a decisão de Roland Garros em 2004, depois de estar dois sets à frente do compatriota Gaston Gaudio e levar a virada, nunca mais se encontrou no circuito e deixou as quadras com uma lesão séria no ombro, sem abocanhar um título de Grand Slam.

No entanto, para muitos jogadores, as derrotas são o primeiro passo para a recuperação no circuito ou, quem sabe, de uma grande fase no esporte. É o que aconteceu com Marcos Daniel, em 2005, quando teve o "privilégio" de perder uma partida parelha para Roger Federer no ATP de Bangcoc. "Eu vejo que a derrota pode levar a você pensar pelo lado positivo. Quando fui jogar contra o Federer em Bangcoc, pensava: 'Vamos lá, estamos aqui mesmo. Vou tomar um 'cacete' dele, provavelmente, mas quero complicar esse cara'. Encarei e perdi de forma dura (7/6 e 6/4). Me lembro que cheguei em casa, dois dias depois, e sabia que podia manter o nível, aquilo me deu confiança. Não deu outra - nas semanas seguintes, dois títulos de Challenger, outra final e entrei para os 100 do mundo. É uma maneira de você encarar o problema e pensar: 'Cara, a gente pode!'", relatou Daniel.

A carreira de Meligeni também pode ser relacionada com uma derrota indigesta e, ao mesmo tempo, providencial. Marcelo Meyer, acompanhante de Fino desde os tempos de juvenil, relatou um desfecho da Copa Davis, no Peru, em que o brasileiro deslancharia na carreira após um complicado capítulo. "Em 1994, disputamos um confronto decisivo contra o Peru. O Fernando enfrentou o Jaime Yzaga, um jogador entre os 20 do mundo, num jogo que decidiria o confronto. No final, ele desperdiçou algumas chances e acabou derrotado. Mas, a partir daquele momento, eu 'inverti' a derrota em favor dele, mostrei a ele a parte positiva e o fiz ficar com aquilo na cabeça. Dizia a ele: 'Amigão, você não tem que ficar de luto'. Daí ele chegou até 25º do ranking, com todas as limitações. Então, é uma maneira de você absorver a derrota de maneira positiva para que possa levar à frente", contou.

O atual número um de simples do Brasil, Thomaz Bellucci, também é outro protagonista do assunto após ter ficado a um ponto de garantir o país na elite da Davis. Com os brasileiros à frente por 2 a 1 diante da Rússia, fora de casa, Bellucci desperdiçou dois match-points no quinto set contra Mikhail Youzhny e acompanhou, ao lado da equipe, a virada dos europeus no duelo em Kazan. Ex-integrante do time nacional por uma década, Jaime Oncins explica que Bellucci pode se aproveitar da angústia para adquirir mais experiência em momentos delicados. "Ele pode tirar proveito do resultado porque, em outra oportunidade, vai tomar decisões diferentes, encarar o jogo de uma forma positiva para ele", disse o treinador de Gastão Elias, uma das promessas do tênis português.

Givaldo Barbosa é outro partidário de tal teoria e aponta que os grandes nomes da modalidade também passam por tais situações. "No US Open, o Federer teve 40/15 contra o Djokovic para ir a mais uma final de Grand Slam, com o saque na mão, e não ganhou o jogo. Então, ele [Bellucci] não pode baixar a cabeça, tem que aprender com as derrotas, porque o segredo é encará-las como um jogo normal".

 

Existe derrota pior?
Em um esporte individual como é o tênis, as derrotas se tornam cada vez mais frequentes na carreira do atleta, que aprende "na marra" a se conformar e partir para o próximo desafio de seu itinerário. No entanto, há sempre aqueles obstáculos que os perseguem e fazem com que a superação instantânea não seja tão simples. Para Meligeni, há duas maneiras distintas de se analisar uma derrota para que o jogador tenha condições de crescer naturalmente.

"Quando você faz tudo certo em quadra, luta por cada ponto, o jogo é parelho e é decidido em uma bola errada sua, você fica triste por uma ou duas horas, mas depois entende que faz parte do espetáculo, pois, no nosso esporte, apenas um ganha. O duro é quando você sabe que não rendeu. Acho que a pior derrota é quando você não se compromete com o resultado, porque já sabe que o treinador vai lhe cobrar e a sensação não é das mais agradáveis", declarou Fininho, que sabe bem o que é ser "posto na parede" pelo técnico.

Marcelo Meyer admite que foram poucas vezes em que cobrou falta de profissionalismo de Meligeni - um tenista conhecido pela garra e entrega em quadra -, mas que a sensação de perder sem apresentar seu potencial é de vergonha. "Sempre exigi o máximo dos meus jogadores e, se ele deu 99 ao invés de 100% dentro do que ele pode, o meu atleta já sabe que, no vestiário, 'o caldo vai engrossar'".

O ex-top 100 e um dos grandes talentos da geração de Guga e Fininho, Alexandre Simoni, concorda com isso e diz que perder sem jogar nada é um verdadeiro banho de água fria. "Quando sabemos que temos condições de vencer, treinamos todos os dias para estarmos prontos e não acontece, é realmente duro para o tenista. Tinha vezes que não queria falar com ninguém, queria só desaparecer", contou.

Mas, para quem é acostumado a sofrer sozinho as pressões do circuito, a Copa Davis aparece como uma forma de mostrar que o jogador de tênis também pensa em equipe. Se por um lado, vencer significa dar a alegria para uma legião de companheiros atentos a cada movimento da sua raquete, perder se reduz a um sentimento sufocante. Para Acioly, todas as derrotas são ruins, mas as que mais machucavam aconteciam na competição por países. "Na Davis, você bota uma fé e importância muito grande, você está com o nome do seu país em jogo e [essas derrotas] são as mais complicadas para lidar pela expectativa do próprio jogador."

Meligeni, veterano no torneio entre nações, tem consciência da responsabilidade carregada nos ombros durante a Davis e acredita que o exemplo do time brasileiro na Rússia demonstra tal sentimento. "Era uma nova oportunidade de voltarmos à primeira divisão e algo que estamos tentando fazer há muito tempo, desde que Guga, eu e Jaiminho paramos. É uma pressão muito grande para essa nova geração. Para o Thomaz, é difícil assimilar pela forma que perdeu, com dois match-points, isso acaba remoendo nos dias seguintes. Você sabe que tem um país que espera por uma vitória e, quando não vem, é uma grande frustração para o atleta".

"A melhor forma de passar por cima disso é trabalhando e sabendo que a derrota abriu uma série de direções para o grupo. Jogador de tênis tem que ter equilíbrio emocional. É voltar para a quadra no dia seguinte, olhar para frente, visualizar os novos confrontos e 'meter a mão na raquete'", acrescentou João Zwetsch.

DERROTAS QUE MARCAM
Encarar o peso de uma derrota logo após sair da quadra não é uma das tarefas mais fáceis para os jogadores. Assim, a ação de se abrir com o treinador aparece como uma forma de dividir a culpa de seu próprio sofrimento. A seguir, apresentamos a chance de você bancar o psicólogo de nossos entrevistados que, por muitas vezes, derramaram lágrimas e precisaram do ser ao lado para buscar forças em horas tão complicadas.

Fernando Meligeni
- Disputa do Bronze nas Olimpíadas de Atlanta 1996 contra Leander Paes "Joguei contra o Paes por uma medalha e acabei perdendo. É uma derrota muito dura pois estava representando meu país e também teve uma tristeza porque foi a única Olimpíada que disputei na carreira".
- Semifinal de Roland Garros 1999 contra Andrei Medvedev "Pelo lado pessoal, foi muito penosa a derrota para o Medvedev em Roland Garros. O jogador vive momentos diferentes na carreira e, naquela vez, tive minhas oportunidades e era a perda da chance de chegar numa final de Grand Slam".

Ricardo Acioly
- Confronto Brasil x Peru pela semifinal do Grupo I da Copa Davis 1989 "Jogávamos fora de casa e chegamos a abrir 2 a 0 no confronto. Daí, joguei a dupla com o Danilo Marcelino e acabamos perdendo para o [Carlos] Di Laura e o [Jaime] Yzaga. Nesse jogo, os juízes de linha cantaram 12 footfaults contra mim. Nunca fazia foot-fault, mas, naquela época, os árbitros eram muito parciais e de um nível muito baixo comparado aos de hoje. Nunca me esqueço do rosto da juíza de linha, até trocaram depois, mas sempre pegavam no meu pé durante o primeiro saque. Eu chegava a ficar a uns 10 centí metros da linha, mas não ti nha jeito. Daí, perdemos a dupla e o confronto. Foi uma situação muito frustrante. Era tão ruim que abandonamos a competi ção por nos senti rmos lesados pela arbitragem, nem fomos ao jantar que ti nha após o confronto. Até o embaixador que estava com a gente perguntou: 'Por que vocês não foram?' Respondi a ele: 'Pô, fomos roubados por eles e ainda querem que a gente venha para rirem da nossa cara?' Então, aquilo ficou comigo por muito tempo, ti ve que realmente apagar no senti do de que foi uma experiência e entender como lidar com a situação".

Alexandre Simoni
- Primeira rodada de Wimbledon 2002 contra Karol Beck "Lembro que estava ganhando de 7/6, 6/4, 4/2 e saque e, mesmo assim, acabei perdendo o jogo. Foi duro, mas aprendi que não devemos nos desesperar, tem que lutar por cada ponto e dar sempre o melhor em qualquer situação. Se há um problema, é porque podemos superá-lo e o pensamento positi vo é muito importante".

Givaldo Barbosa
- Segunda rodada do Torneio de Stutt gart 1984 contra Henri Leconte "Na época, o Leconte era número 20 do mundo e havia ganhado do [Bjorn Borg na primeira rodada quando o sueco estava tentando voltar a jogar. Daí, venci minha primeira parti da e, no dia seguinte, tomei 6/1 e 6/0 do Leconte [segundo os dados da ATP, o placar consta 6/1 e 6/2]. O cara foi campeão do torneio, então, há vezes que você não tem o que fazer. Nada que eu tentava dava certo e ti nha enfrentado ele um ano antes e jogado bem. Então, geralmente, quando é uma derrota que você jogou muito mal, acaba esquecendo, apagando da memória, porque o tênis é assim. Mas, quando o cara está num dia bom, parabéns para ele. Você perde muito mais do que ganha e o cara que não souber lidar com a derrota não consegue jogar tênis."

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