Olimpíadas

Tênis com alma

As Olimpíadas não valem dinheiro, valem menos pontos do que um Masters 1000 e ainda assim proporcionam algumas das melhores histórias do tênis, especialmente quando os melhores do mundo se digladiam por algo que vale muito mais do que o ouro


Ron C. Angle/TPL

Fotos: Ron C. Angle/TPL

EM 2008, ANDY MURRAY teve seu primeiro grande teste para se tornar um dos principais jogadores do planeta. Conquistou cinco títulos naquela temporada, entrou pela primeira vez no grupo dos 10 melhores e, tudo isso, com apenas 21 anos. Após vencer o Masters de Cincinnati, o que àquela altura era o maior feito de sua curta carreira, o britânico correu às pressas para defender sua nação nos Jogos Olímpicos de Pequim.

Em sua primeira aparição no torneio, o até então número seis do ranking sentiu o momento e perdeu no primeiro jogo para o taiwanês Yen-Hsun Lu. Três semanas depois, porém, Murray alcançaria a primeira final de Grand Slam - no US Open, fez uma trajetória gloriosa com triunfos diante do suíço Stanislas Wawrinka, do argentino Juan Martin del Potro e, finalmente, do espanhol Rafael Nadal, o medalhista de ouro em simples na China. O escocês de Dunblane se tornava, dessa maneira, o responsável pela primeira derrota a Rafa desde que o espanhol havia chegado à liderança da ATP.

Roger Federer, mesmo em baixa, foi o adversário do debutante na decisão, mas Murray esteve muito aquém do que demonstrou nos 13 dias anteriores. Passivo, deixou o suíço tomar as rédeas do jogo e, logo, sucumbiu em sets diretos. Mesmo sem o título, o saldo foi bom - entrou no top 4 definitivamente.

Fotos: Ron C. Angle/TPL

No ano seguinte, Murray continuou sua ascensão... em partes. Seis troféus, escalada no ranking e uma inédita passagem pela vice-liderança da tabela (período de três semanas) foram provas de que o britânico tinha talento para brigar com os hegemônicos Federer e Nadal e também com o inconstante Novak Djokovic. No entanto, o britânico ainda não despontava nas competições de maior gabarito - sem finais em 2009, ele só apareceu novamente na última partida de um Grand Slam na temporada seguinte.

Na Austrália, Murray chegou como um dos tenistas mais preparados para aguentar o forte calor de Melbourne. A eficiente movimentação do fundo de quadra, a paciência, a versatilidade, características aliadas a um bom serviço, derrubaram gigantes como Nadal e o surpreendente Marin Cilic. Eis que Federer foi novamente o "escolhido" para o desfecho. E, assim como aconteceu em Nova York, o suíço passeou. O britânico ainda tinha muito a aprender.

Uma temporada depois, a mesma Rod Laver Arena recebeu o escocês para o domingo final. O adversário não era Federer, algo que poderia trazer confiança. O suíço foi derrotado na semifinal para Djokovic. E, em pouco mais de duas horas, o sérvio deu uma mostra do que estava por vir naquele 2011 - conquistou o primeiro de seus 10 títulos na temporada. Murray acumulou seu terceiro revés em finais de Grand Slam sem ganhar sequer um set. Agora, era preciso mudar mesmo.

Em meados de 2012, já sob a orientação do tcheco Ivan Lendl, coube ao destino reservar Wimbledon para que os fãs comprovassem a evolução do escocês. Primeiro, nos números - ao chegar à decisão no All England Club, Murray se tornou o primeiro tenista do Reino Unido a repetir tal campanha na capital em 74 anos; segundo, na quadra - com uma estratégia de jogar em cima da linha, indo para as bolas com coragem e potência, mas com o discernimento de saber mudar de tática quando necessário, ele encontrou a saída - venceu seu primeiro set em uma decisão de Grand Slam, levou Federer (novamente ele) às cordas na segunda parcial, tomou a virada, é verdade, porém se impôs. Mostrou que cresceu. "Estou chegando perto", disse.

O INÍCIO DE UM CICLO

Semanas depois, o All England Club foi novamente palco do tênis nos Jogos Olímpicos, assim como havia acontecido em 1908 e 1948, quando Londres sediou a competição. E, assim como três semanas antes, Murray pisou na Quadra Central de Wimbledon no último dia de competições.

Com apenas um set perdido em sua trajetória, o tenista alcançou as semifinais de simples com uma postura agressiva. O adversário foi Djokovic, número dois do mundo e carrasco na mesma fase do Aberto da Austrália, em janeiro. Aquela ocasião talvez tenha sido o "divisor de águas" para a confiança do britânico, que jogou de igual para igual contra o rival, mostrando importantes mudanças no seu estilo, mesmo saindo de quadra com o revés. Um detalhe: Lendl perdeu quatro finais de Grand Slam antes de conquistar o primeiro dos oito de sua coleção.

Se a vitória não veio na Oceania, Murray foi implacável em Londres. Ditando os pontos desde o início, o britânico desbancou o medalhista de bronze nos Jogos de Pequim e teria a oportunidade de uma revanche contra Federer, que buscava a inédita medalha de ouro em simples.

O suíço - que tinha o quarto lugar nos Jogos de Sydney 2000 como o melhor resultado - avançou à decisão após travar uma maratona de 4h26min contra o argentino Juan Martin del Potro. O triunfo, com parciais de 3/6, 7/6(5) e 19/17, tornou-se o jogo em melhor de três sets mais longo da Era Aberta (desde 1968), superando o duelo entre Rafael Nadal e Novak Djokovic, válido pela semifinal do Masters 1000 de Roma de 2009, quando o espanhol selou a vitória por 3/6, 7/6(5) e 7/6(9), em 4h03min.

Mas os recordes acabaram por aí para o tenista da Basileia. Desde o primeiro ponto, a final foi de apenas um jogador. É bem certo que Federer não mostrou o seu melhor nível. Cansaço da longa jornada de dois dias antes? Não importa. O mérito foi todo de Murray, que atacou, variou, contra-atacou e deixou o adversário acuado na maior parte do confronto. Os sete games perdidos no total ajudaram a comprovar a superioridade do escocês. Sem respeitar o número um do mundo, Murray selou a primeira medalha de ouro para a Grã-Bretanha no tênis em 104 anos (Josiah Ritchie foi campeão nos Jogos de Londres em 1908). Horas depois, o jogador de 25 anos retornou à quadra ao lado da jovem promissora Laura Robson para a decisão de duplas mistas.

A modalidade, que retornou aos Jogos pela primeira vez desde 1924, reservou interessantes parcerias como a de Del Potro com a experiente Gisela Dulko, da musa Ana Ivanovic com Nenad Zimonjic, entre outras. No final, a dupla da casa chegou perto da glória, porém coube aos bielorrussos Max Mirnyi e Victoria Azarenka acabarem com a festa britânica.

ADIOU PARA CÁ?

Para Federer, o Career Golden Slam - quando o jogador vence os quatro Grand Slams e mais a medalha de ouro olímpica em simples - ficou postergado por mais quatro anos. Dessa forma, fica a expectativa que ele, com 35 anos, dispute as Olimpíadas do Rio de Janeiro para buscar um dos poucos feitos que ainda não obteve na carreira. "Não descarto participar dos Jogos do Rio 2016. Ainda falta muito tempo. Poderia me aposentar e depois retornar para a competição olímpica", declarou Federer em entrevista.

 

HISTÓRICO

Na disputa pelo bronze, aquele Del Potro cabisbaixo, que deixou a quadra em prantos ao ver o sonho do ouro sumir com a derrota para Federer, saiu de cena. Enquanto Murray rumava ao lugar mais alto do pódio na Quadra Central, o argentino foi soberano no estádio ao lado para garantir seu espaço junto com os três primeiros. Em sua estreia nos Jogos Olímpicos, o tenista de 1,98 m coroou sua ótima campanha na grama e desbancou Djokovic de forma tranquila. A medalha em Londres foi muito comemorada pela delegação sul-americana, que não tinha um representante medalhista desde Gabriela Sabatini em Seul/1988 (prata em simples).

 

COMPLETOS

Se Federer perdeu a chance de completar sua coleção de títulos, Serena Williams não deu chance para ninguém. Foram apenas 17 games perdidos em seis jogos e, três semanas depois de faturar o penta em Wimbledon, a norte-americana jogou como um rolo-compressor e passou por cima de todas. E também do livro dos recordes.

Ao bater a russa Maria Sharapova na decisão com direito a "pneu" (final de simples mais curta em número de games disputados da história olímpica), a tenista de 31 anos se igualou à alemã Steffi Graf com o Career Golden Slam, porém com um diferencial a favor da norte-americana - além dos quatro Grand Slams em simples, Serena também faturou os quatro maiores eventos do circuito nas duplas.

Para Sharapova, sua estreia em Olimpíadas ("Masha" não disputou em Pequim por uma lesão séria no ombro) foi satisfatória com a prata, apesar do final traumático justo no palco de seu primeiro título de Grand Slam, e o retorno à vice-liderança do ranking. O bronze acabou ficando com a número um do mundo, a bielorrussa Victoria Azarenka, que derrotou a russa Maria Kirilenko em sets diretos.

Fotos: Ron C. Angle/TPL

Serena Williams e os irmãos Bryan completaram o Career Golden Slam

E no torneio olímpico, Serena também teve o gostinho da "dobradinha" ao lado da irmã Venus nas duplas. A vitória frente às tchecas Andrea Hlavackova e Lucie Hradecka fez com que as filhas de Richard Williams alcançassem o recorde inédito de quatro medalhas de ouro em Jogos Olímpicos e o tricampeonato da modalidade nos Jogos (já haviam levado o ouro em Sydney/2000 e Pequim/2008).

Os irmãos Bob e Mike Bryan, considerados a melhor dupla de todos os tempos, também não deixaram barato e subiram pela primeira vez ao lugar mais alto do pódio. Campeões de 11 Grand Slams, os gêmeos nunca obtiveram sucesso em duas edições dos Jogos - foram derrotados nas quartas em Atenas e ficaram em terceiro lugar em Pequim -, porém a grama de Wimbledon tratou de consagrá-los.

Na decisão, a dupla norte-americana foi soberana contra Michael Llodra e Jo-Wilfried Tsonga, algozes de Marcelo Melo e Bruno Soares nas quartas, e ficou com o ouro. Na disputa pelo terceiro lugar no pódio, a outra dupla francesa formada por Julien Benneteau e Richard Gasquet levou a melhor no confronto diante dos espanhóis David Ferrer e Feliciano Lopez e deu o bronze para a França.

Washington Alves/AGIF/COB

FIZEMOS BONITO

Não teve Rafael Nadal novamente na estreia como aconteceu em Wimbledon. O espanhol não defendeu sua medalha de ouro em Londres por conta de uma tendinite no joelho, porém Thomaz Bellucci repetiu o "azar" no sorteio e encarou uma pedreira logo de cara em sua segunda Olimpíada. Nas simples, o paulista cruzou com Tsonga, quinto favorito, e, nas duplas, ele e André Sá saíram contra os irmãos Bob e Mike Bryan, principal parceria da chave.

No entanto, mesmo com chances pequenas de ir longe na grama inglesa, Bellucci não decepcionou. Ele e Sá (que disputou sua terceira edição dos Jogos) não se intimidaram frente aos gêmeos norte-americanos, venceram um set e por pouco não aprontaram uma zebra em Wimbledon. No individual, o canhoto também mostrou um tênis digno de quem já esteve perto dos 20 melhores do mundo e aguentou ao máximo as "bombas" de Tsonga. Não fosse um break-point desperdiçado no início do terceiro set, as ações poderiam ter ido a favor do brasileiro.

Sem Bellucci e Sá, o Brasil passou a ser representado por Marcelo Melo e Bruno Soares, dupla titular do país na Copa Davis. Após uma vitória maiúscula na primeira rodada contra os americanos John Isner e Andy Roddick, os mineiros desafiaram a dupla tcheca formada por Tomas Berdych e Radek Stepanek, quinta favorita ao ouro.

Semifinalista ao lado de Sá em 2007 na mesma grama londrina, Melo já havia protagonizado uma grande maratona, como a de 6h13m contra Paul Hanley e Kevin Ullyett na segunda rodada - que entrou para a história com o maior número de games de duplas em Wimbledon (vitória por 5/7, 7/6(4), 4/6, 7/6(7) e 28/26 - 102 games).

Na mesma quadra 16, a do interminável duelo de cinco anos antes, Melo trocou o parceiro, mas saiu invicto após 4h21m. Com parciais de 1/6, 6/4 e 24/22 - e após salvar quatro match-points -, a dupla brasileira conquistou a emocionante vaga para as quartas, a melhor campanha de uma dupla brasileira nos Jogos Olímpicos, o que derrubou duas marcas - a de terceiro set mais longo em um jogo de duplas na Olimpíada (46 games) e a de partida de duplas mais longa da história do evento (63 games).

Mesmo com a eliminação na fase seguinte para Llodra e Tsonga, Melo e Soares cumpriram seu objetivo. O primeiro, com a afinidade ao palco mais tradicional do tênis, e o segundo, com a estreia em Olimpíadas. "Foi muito especial, uma grande experiência. Ganhamos dois jogos duríssimos e perdemos para uma dupla forte. São momentos que vou guardar para sempre", finalizou Soares. Até 2016.

Ron C. Angle/TPL

JOGOS OLÍMPICOS DE LONDRES 2012
SIMPLES MASCULINO  
Ouro - Andy Murray (GBR) [3] v. Roger Federer (SUI) [1] 6/2, 6/1 e 6/4
Bronze - Juan Marti n Del Potro (ARG) [8] v. Novak Djokovic (SRB) [2] 7/5 e 6/4
 
SIMPLES FEMININO  
Ouro - Serena Williams (EUA) [4] v. Maria Sharapova (RUS) [2] 6/0 e 6/1
Bronze - Victoria Azarenka (BLR) [1] v. Maria Kirilenko (RUS) [14] 6/3 e 6/4
 
DUPLAS MASCULINO  
Ouro - Bob Bryan/Mike Bryan (EUA) [1] v. Michael Llodra/Jo-Wilfried Tsonga (FRA) [2] 6/4 e 7/6(2)
Bronze - Julien Benneteau/Richard Gasquet (FRA) v. David Ferrer/Feliciano Lopez (ESP) 7/6(4) e 6/2
 
DUPLAS FEMININO  
Ouro - Serena Williams/Venus Williams (EUA) v. Andrea Hlavackova/Lucie Hradecka (CZE) 6/4 e 6/4
Bronze - Maria Kirilenko/Nadia Petrova (RUS) [3] v. Lisa Raymond/Liezel Huber (EUA) [1] 4/6, 6/4 e 6/1
 
DUPLAS MISTAS  
Ouro - Max Mirnyi/Victoria Azarenka (BLR) [1] v. Andy Murray/Laura Robson (GBR) 2/6, 6/3 e 10/8
Bronze - Mike Bryan/Lisa Raymond (EUA) [3] v. Christopher Kas/Sabine Lisicki (ALE) 6/3, 4/6 e 10/4
Matheus Martins Fontes

Publicado em 21 de Agosto de 2012 às 06:58


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Artigo publicado nesta revista