Quando o plano B se torna o plano principal

Vários garotos vão para faculdades nos EUA sonhando em serem tenistas profissionais, mas poucos conseguem. De volta à "vida real" e pensando em arrumar um emprego "normal", uma formação nos Estados Unidos ajuda ou atrapalha?


 

NO MOMENTO em que o sonho de se tornar tenista profissional começa a parecer distante, a ideia de fazer um curso superior nos Estados Unidos fica cada vez mais atraente. Além de uma educação considerada diferenciada, as universidades norteamericanas dão muito apoio aos seus atletas, concedendo bolsas, alojamento e acompanhamento técnico. O aprendizado que uma faculdade no exterior pode trazer ultrapassa o limite acadêmico, trazendo experiência e conhecimentos que seriam impossíveis de se obter aqui no Brasil. Mesmo que, para muitos, uma vida fora das quadras tenha soado como um pesadelo durante muito tempo, quatro anos de curso superior nos Estados Unidos são capazes de curar o trauma e também trazer consigo fatores muito particulares para o mercado de trabalho.

Nesta reportagem, a Revista TÊNIS mostra que nunca é tarde para descobrir outras vocações e que anos de longos e pesados treinos não foram perdidos só porque o caminho dos torneios e circuitos foi deixado para trás. O tênis pode abrir muitas portas, tanto pelo que ele, como esporte, desenvolve em um jogador, como também pelas oportunidades que é capaz de trazer. Na quadra, o jogador de tênis está quase sempre sozinho. Isso acaba fazendo com que ele desenvolva algumas características muito específicas do esporte. Ele aprende a ter foco, responsabilidades e se torna capaz de tomar decisões com mais segurança, e a lidar com a pressão constante. Conversando com extenistas, fica claro que essas qualidades permanecem mesmo fora dos circuitos, complementando qualquer formação acadêmica e profissional. As histórias relatadas nessa reportagem dão sentido e ilustram a frase do escritor norteamericano Napoleon Hill: "Na vida, é sempre a sua vez de fazer a próxima jogada".

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VIVENDO O SONHO


Vitor Manzini foi para os Estados Unidos no ano passado. Aos 19 anos, o paulista cursa o segundo semestre da faculdade de administração da Universidade Texas Tec. Depois de uma visita do treinador da universidade ao Brasil e de um ano de preparação, ele conseguiu uma bolsa integral na instituição e hoje a representa nos campeonatos universitários de tênis.

A maior expectativa de Vitor em relação ao esporte que pratica desde os seis anos é de se tornar profissional algum dia. No entanto, como muitos outros jovens na mesma situação, a ideia parece estar mais para sonho do que para algo que possa acontecer realmente. "Não dá para dizer. Estou sempre tentando melhorar, quem sabe tentar entrar em algum circuito no final da faculdade, mas realmente não dá para dizer", explica.

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É preciso ser sincero consigo mesmo e saber se o profissionalismo é mesmo uma opção ou apenas um sonho

Segundo Felipe Fonseca, diretor de uma empresa que ajuda a levar prodígios do esporte para universidades no exterior, cerca de 170 garotos e garotas saem do Brasil todos os anos para jogar tênis universitário nos Estados Unidos. A maioria sai daqui com a raquete na mão e o sonho de ser profissional na cabeça, mas são poucos os casos em que a ideia se concretiza. Uma coisa, entretanto, é certa. Mesmo que não sigam o caminho das quadras e circuitos mundo afora, essas centenas de jovens poderão ter, ao final de alguns anos, uma formação acadêmica diferenciada e bastante valorizada no mercado de trabalho.

UM PLANO B
"Hoje em dia, para você ter o mínimo de chance de jogar profissionalmente, tem que estar entre os cinco melhores juvenis do mundo". O empresário José Salibi Neto é categórico. Ele não fala sem conhecimento de causa. Aos 22 anos foi jogar tênis nos Estados Unidos, na Universidade da Carolina do Sul. Bicampeão brasileiro de duplas, sonhava em seguir carreira como tenista. "Eu queria ser profissional, mas, caso não conseguisse, tinha que ter um plano B", diz. No final das contas, foi bom ter se precavido. Pouco tempo antes de se formar no curso de administração, passou por três artroscopias no joelho.

Depois disso, Salibi ainda ficou mais dois anos nos Estados Unidos e chegou a jogar profissionalmente, mas, um dia, a consciência falou mais alto. "Acho que nunca ficaria entre os 50 melhores do mundo. Talvez entre os 90 ou 80, mas isso não seria o suficiente para formar um patrimônio", acredita. Segundo Salibi, são muito poucos os atletas que conseguiram ganhar dinheiro com o tênis. "Em 100 anos da história do esporte no Brasil, apenas cinco, seis conseguiram: Carlos Kirmayr, Luiz Mattar, Gustavo Kuerten, Fernando Meligeni, Jaime Oncins, Cássio Motta", enumera.

Quando voltou para São Paulo, pouco tempo depois conseguiu montar seu próprio negócio. Hoje, aos 53 anos, além de trabalhar com educação executiva sendo CKO da HSM, ajuda a levar meninos e meninas tenistas para o exterior. "Os Estados Unidos são um ótimo lugar para estudar e, ao mesmo tempo, continuar jogando com um treinamento extremamente forte", explica. "Se você for disciplinado, é possível treinar de quatro a cinco horas por dia".

Salibi também acredita que ter uma universidade internacional no currículo é um fator diferencial na hora de entrar no mercado de trabalho. "Credito muito da minha situação atual ao fato de ter estudado nos Estados Unidos". Segundo ele, o sistema norteamericano de ensino lhe deu bases para desenvolver seu trabalho com educação. Além disso, quando resolveu fazer MBA em administração internacional, teve algumas facilidades. "Conheci muita gente enquanto fazia faculdade. O mestrado acabou saindo pela metade do preço", conta.


"JOGAR TÊNIS COM UM DIPLOMA EMBAIXO DO BRAÇO"
Um dos garotos que José Salibi ajudou a sair do País para jogar no circuito universitário foi Luiz Carvalho. Formado em jornalismo e em relações internacionais pela Universidade do Estado de Mississipi, o atual gerente de esportes da Koch Tavares não imaginava uma vida longe das quadras nove anos atrás. "Eu abria mão de muita coisa por causa do tênis. Deixava de ir a muitas festas, dormia cedo no final de semana", lembra.

A sugestão de fazer o ensino superior no exterior veio dos pais, e ele logo se convenceu a usar o esporte que tanto amava para conseguir uma bolsa de estudos. Em janeiro de 2001, aos 19 anos, Carvalho viajava rumo à cidade norte-americana de Starkville, para viver a época conhecida nos Estados Unidos como "the best four years of your life" (os melhores quatro anos da sua vida).

"O estilo de vida universitário lá é diferente", explica. Como não é comum estagiar durante o ano letivo, o tempo é dedicado inteiramente aos estudos, por isso Carvalho conseguiu se graduar em dois cursos ao mesmo tempo. "Além de uma educação diferenciada, você acumula experiência de vida, aprende a se virar sozinho, a lidar com outras culturas", diz.

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Em 2002, após passar por uma cirurgia no ombro direito, ele não imaginava se tornar um tenista. "Você precisa ser honesto consigo mesmo", aconselha. Outro fator relevante para a sua decisão foi a questão financeira. Da mesma maneira que Salibi, Carvalho temia ficar sem respaldo econômico após seguir carreira como profissional. Optou pela segurança: jogar tênis com um diploma embaixo do braço.

No entanto, a vida espartana de treinos e privações, ironicamente, lhe rendeu o primeiro emprego fora das quadras. No ano de sua formatura, classificou-se para um evento nacional de tênis. Lá, conversando com um dos técnicos, descobriu que o a Associação de Tenistas Profissionais (ATP) precisava de um editor para o seu site e de alguém que cobrisse os torneios. Animado, fez a entrevista para o cargo do próprio quarto do hotel em que estava e, na semana seguinte, foi morar na sede da organização em Ponte Vedra Beach, na Flórida. "Foi muita sorte. Estava no lugar certo, na hora certa".

Luiz Carvalho compara a vida que teve durante os quatro anos que trabalhou para a ATP com a de um tenista profissional. Trabalhava de 12 a 14 horas por dia e viajava 30 semanas por ano. Só saia das quadras para voltar ao quarto do hotel, tinha pouco tempo livre. "As pessoas acham que a vida das estrelas do tênis é muito glamorosa, mas se esquecem que eles estão sempre treinando e jogando. Apesar de viajarem muito, eles não fazem turismo, viajam a trabalho". Isso fez com que ele questionasse sobre sua antiga ambição. Será que era essa a vida que queria?

Hoje, aos 28 anos, ele responde que não. Não seria feliz como um tenista profissional. De volta ao Brasil, ele é gerente de esportes da Koch Tavares, uma promotora de eventos esportivos nacionais e internacionais, que faz o Brasil Open, por exemplo. "Depois que tudo acontece, vejo que sou feliz. Me divirto com meu trabalho, tenho uma carreira bacana e uma vida social ativa".


Além de uma educação diferenciada, ao estudar fora você acumula experiência de vida, aprende a se virar sozinho e a lidar com outras culturas

 

O LADO B
Apesar dos diversos benefícios que uma graduação no exterior pode oferecer, a experiência é considerada por muitos relativamente incompleta quando comparada com a formação dos universitários que ficam no Brasil. Diferentemente do sistema norteamericano de ensino, as universidades brasileiras permitem que o aluno estagie durante o ano letivo. Muitas, inclusive, fazem disso uma exigência. Dessa maneira, ao retornar à sua terra natal, os formados no exterior terão que enfrentar currículos já repletos de experiência.

De acordo com Fabiana Queiroz de Souza, diretora de operações da agência de recrutamento profissional D Queiroz, a dificuldade na hora de entrar no mercado de trabalho para quem se formou no exterior aparece justamente nesse ponto. "Não é porque uma pessoa fez faculdade fora que ela já sai na frente de um candidato que tenha feito o ensino superior no Brasil". Segundo Fabiana, a ideia de que uma universidade nos Estados Unidos abre toda e qualquer porta para o mercado está ultrapassada. Para ela, a não ser que o candidato tenha tido algum tipo de experiência lá fora - "o que é muito difícil de acontecer" - ele não ficaria a par de outros formados em boas universidades nacionais. "Um bom profissional é um profissional com experiência", opina.

A história de Thiago Barbosa, de 26 anos, é um desses casos "difíceis de acontecer". Formado em administração na Winston University, o paulista trabalha atualmente como analista financeiro em uma multinacional do Brasil nos Estados Unidos. "Foi muita sorte. A empresa brasileira tinha acabado de comprar a norte-americana. Por ser compatriota, acho que tive alguma vantagem na hora de conseguir o emprego", conta ele.

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A ideia de fazer universidade na terra de Tio Sam veio da vontade de não parar de jogar. Durante a adolescência, Barbosa tinha tudo para se tornar um tenista profissional, pois esteve sempre entre os melhores juvenis do Brasil. "Mesmo assim, não tinha nível para fazer do tênis a minha carreira". Chegando a essa conclusão, decidiu unir suas duas vontades: continuar a estudar e jogar tênis, o que, segundo ele, teria sido impossível fazer ficando no País. "No Brasil, ou você treina, ou estuda", diz. Assim, optou por uma instituição norte-americana forte nos treinos e, com uma bolsa de estudos, conseguiu aliar seus objetivos.

Muitas empresas preferem empregar alguém que já tenha morado no exterior e tenha uma vivência e uma visão de mundo mais amplas

Atualmente, Barbosa faz MBA na mesma universidade em que se formou e diz estar aprendendo muito em seu emprego atual. Assim como Fabiana, ele também acredita que o diferencial de quem faz universidade no exterior está na experiência profissional que se pode ter. "Não adianta muito você ter uma formação em uma instituição fora do país se não aproveitou o tempo que esteve lá para conseguir algum trabalho". Ele explica que, apesar de não ser possível estagiar durante o período letivo, os universitários nos Estados Unidos têm a possibilidade de fazer trainees durante os três longos meses das férias de verão norte-americanas.



A VANTAGEM DE ESTUDAR FORA
Natália Guarisi, entretanto, não teve a mesma sorte como Barbosa. Depois de se formar na Universidade Estadual de Augusta, localizada na Geórgia, ela foi aconselhada pela própria faculdade a voltar ao Brasil para conseguir um trabalho. A crise financeira de 2008 estava no seu auge. "Seria difícil conseguir um emprego naquela hora, ainda mais sendo estrangeira", relata.

Mesmo estando fora, ela já havia enviado seu currículo para muitas empresas brasileiras e estava sendo chamada para entrevistas por aqui. Apesar da falta de experiência, quando voltou para terras tupiniquins não demorou a conseguir seu primeiro e atual trabalho, como analista de inteligência de mercado na rede Carrefour.

Muitos acreditam que o fato de nunca terem trabalhado pode ser compensado pela experiência de vida que os candidatos formados em outros países possuem. Segundo Julio Bonrruquer, diretor regional da empresa especialista no recrutamento de profissionais De Bernt Entschev, o fato de Natália ter sido contratada rapidamente não é uma exceção. "Muitas multinacionais preferem empregar alguém que já tenha morado no exterior", explica. Para ele, a graduação em uma universidade nos Estados Unidos pode dar ao candidato uma vivência e uma visão mais ampla do mundo, se comparado a outro que não morou fora do País. De acordo com Bonrruquer, essas são características consideradas diferenciais na hora de conseguir um trabalho em uma empresa de operação global. "Nós percebemos que, em uma situação de desempate, aquele formado no exterior acaba passando na frente dos outros", opina.

Hoje, aos 25 anos, Natália diz estar feliz com sua carreira. Do tênis, ela leva a vontade de querer melhorar sempre em tudo o que faz, além do foco e da concentração, características valorizadas pelo mercado de trabalho. "Mais de uma vez já me perguntaram se eu praticava algum esporte", conta.


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Fazer faculdade fora do Brasil não garante portas abertas no mercado de trabalho na volta ao País. É preciso buscar experiência


Hoje, grande parte dos jovens que foram para os Estados Unidos com bolsa de estudo paga pelo tênis estão de volta. Para alguns, não ter continuado no esporte e se tornado profissional certamente pode parecer um fracasso. No entanto, para muitos, ter voltado com um diploma - que os ajudou a encontrar um emprego tão digno quanto uma carreira dentro de quadra - não representa fracasso, apenas uma tática diferente para alcançar o mesmo objetivo: vencer na vida.

Voltar para o Brasil sem ter alcançado o sonho de se tornar um tenista profissional não representa um fracasso

Fabiana Pires

Publicado em 21 de Outubro de 2010 às 09:09


Especial

Artigo publicado nesta revista

O novo tênis brasileiro

Revista TÊNIS 85 · Novembro/2010 · O novo tênis brasileiro