Bate Papo Melo e Soares

Porta-Bandeiras

Os dois protagonistas do tênis brasileiro revelam seus planos para 2014


NÃO TEVE VEZ PARA MAIS ninguém. Se antes Marcelo Melo e Bruno Soares questionavam a pouca divulgação das duplas e reivindicavam os mesmos direitos que os jogadores de simples, 2013 serviu para derrubar qualquer preconceito. Atuando juntos, começaram o ano derrotando Bob e Mike Bryan dentro dos Estados Unidos pela Copa Davis. Separados, foram ainda melhores com seus parceiros – seis títulos de Bruno, dois para Marcelo, 14 finais conjuntas e presença mais do que garantida no top 10 do ranking.

Como se os números não bastassem, os mineiros “ofereceram” a oportunidade de os telespectadores acompanharem ao vivo a evolução instantânea de cada um. Os mais apaixonados, que se acostumaram a torcer por Gustavo Kuerten e, mais recentemente, para Thomaz Bellucci e outros poucos do mundo das simples, tiveram o luxo de escolher por quem torcer nas duplas, já que, nos principais torneios do calendário, Melo e Soares entravam cotados a chegarem às fases decisivas. E não decepcionaram. Todo o sucesso serve de inspiração.

Pode ser que ainda não se compare com a febre que Guga despertou em meio às suas conquistas de Roland Garros, os próprios mineiros admitem isso. Mas o que importa é saberem que o tênis voltou a estar em evidência em um País onde a exigência por vitórias é enorme. Além disso, eles estão de olhos bem abertos para a nova geração, apadrinhando seu caminho com experiência e conhecimento de campo em novas iniciativas.

Em 2014, Melo e Soares planejam consolidar suas posições, pois entendem que no tênis não são as exceções que fazem os grandes campeões, mas a consistência nos resultados. Se ainda faltou algum detalhe – o tão sonhado Grand Slam, na concepção de ambos –, os mineiros apostam em voos ainda mais altos. Para fechar um ano de grandes conquistas, Melo e Soares falam de suas vitórias e revelam seus planos para 2014 em entrevista exclusiva.

No começo do ano, você disse que as metas seriam vencer um Masters 1000, entrar no top 10, a classificação para o ATP Finals e o título de Grand Slam. Três objetivos foram alcançados. Como você analisa sua trajetória?

Conseguimos três e meio (risos)... Mas tudo foi extremamente positivo. Quando começou a temporada, eu e o Alex acreditávamos bastante no nosso potencial e tínhamos certeza de que obter bons resultados era uma possibilidade enorme. Mas até isso acontecer, é um passo muito maior. Os números mostram que não tivemos nenhum período de baixa. Jogamos bem em todas as condições, pisos, períodos do ano, ganhamos títulos, fizemos finais, 16 semifinais, disputamos o ATP Finals. Só tenho que tirar coisas positivas para 2014 a fim de conquistar façanhas ainda melhores.

Qual é a sensação de ser o melhor duplista da história do Brasil?

Nós vínhamos conquistando vários títulos e, depois do US Open, fiquei sabendo que seria o número 3 do mundo. Obviamente que o pessoal começa a fazer comparações, e realmente foi um momento muito especial para mim. Foi algo diferente de ganhar um torneio ou jogo, era simplesmente acordar na segunda-feira e dizer: “Sou número 3 do mundo”. É surreal. Acho que, nessa temporada, as coisas aconteceram de uma forma tão rápida, tão boa e constante que foi natural. É muito bacana saber quem veio atrás de mim na lista: Cássio [Motta], [Carlos] Kirmayr, Jaime [Oncins], todos que jogaram duplas e até o pessoal de simples. Ter meu nome ao lado de Guga, Meligeni, Saretta e todos que fazem parte dessa lista já é muito especial e, hoje, figurar como o melhor brasileiro de todos os tempos nas duplas é a realização de um sonho.

O circuito está mais competitivo e os Bryan se mostraram “vencíveis”, principalmente na reta final do ano. O que faltou para vencê-los na semifinal do ATP Finals?

Foi o nosso melhor jogo do ano contra eles. Fizemos um primeiro set muito bom, pressionamos demais. A partir do segundo set, nas estatísticas, eles sacaram acima da média. O Mike Bryan, que costuma oscilar um pouco mais no saque, não errou nenhum primeiro serviço tanto no segundo como no terceiro set. E Bob, mesmo tendo errado alguns primeiros saques, já é mais “enjoado”, mais complicado de ser quebrado. E só quem está lá sabe que é difícil segurar a onda no final, com o braço mais encolhido, o placar mais parelho. Bateu na trave, e no nível em que jogamos, dois ou três pontos fazem a diferença.

Acredita que há um maior respeito dos Bryan quando enfrentam vocês?

Eles começaram o ano de forma indigesta, tiveram a melhor temporada da carreira. Venho enfrentando-os desde 2008 e nunca tinha visto os dois jogarem tão bem. De certa forma, isso fez com que nós subíssemos o nível, e também o Marcelo e Ivan, David Marrero e Fernando Verdasco, que foram campeões. Mostra que o pessoal também está acreditando. O simples fato de eles jogarem mais na tática “australiana” mostra um maior respeito com os adversários, sabem que estamos jogando em alto nível e precisam variar para complicar nossa devolução. Até eles estão procurando se reinventar, porque sabem que os outros estão chegando mais perto.

Vocês obtiveram títulos em todas as superfícies na temporada. Como veem essa versatilidade? Qual é o melhor piso para o estilo de vocês?

Pensamos que os nossos melhores resultados seriam nas quadras rápidas, mas jogamos muito bem no saibro. A ATP fez um artigo, dizendo que nós fomos a única dupla que teve títulos no saibro [Barcelona], saibro indoor [Brasil Open], quadra rápida [Montreal], rápida coberta [Valência] e na grama [Eastbourne]. Mas creio que nossos melhores pisos são o saibro e a quadra dura mais lenta. Dependendo do jogo, ficar mais rápido não é tão bom para nós. Gostamos de pisos não tão rápidos como foi agora no ATP Finals, uma quadra coberta, mas não tão veloz.

Depois de um excelente ano, você e o Alex terminam como a segunda melhor dupla do mundo. A que você atribui o sucesso dessa parceria?

É uma química, dentro e fora da quadra. Não dá só para entrar, jogar e falar “tchau”. Tem o dia a dia, a rotina, os treinamentos, vitórias e derrotas, afinal não vivemos somente dos momentos bons. Há sempre aquele dia em que um não vai bem, então é preciso estar ali para dar apoio. Alex e eu nos damos super bem, estamos numa fase parecida em nossas carreiras, ele é casado, tem uma família e eu também, o que facilita demais os altos e baixos do dia a dia e a rotina desgastante do tênis.

Os irmãos Bryan ainda estão muito à frente no ranking, mas por tudo que aconteceu com você, conquistas e evolução, é uma meta a curto prazo buscar a liderança do ranking?

É um objetivo, mas acredito ser impossível a curto prazo. Pela quantidade de pontos, não conseguimos alcançá-los antes de Wimbledon. Mas passa a ser uma meta, porque, do número 3 só posso subir para o 1 [Bob e Mike estão empatados em primeiro lugar com 14.960 pontos]. Mas é uma coisa que temos que construir aos poucos nos próximos meses ou temporadas. Temos que, primeiramente, nos consolidarmos nesse nível de top 5.

Por esse final de ano, quem indica como prováveis adversários em 2014?

Obviamente os Bryan, Marcelo e Ivan, que vêm em um nível muito forte. Os quatro espanhóis [Marrero/Verdasco e Marcel Granollers/Marc Lopez], que vão continuar juntos. E há algumas duplas novas, a volta do [Daniel] Nestor e [Nenad] Zimonjic, um retorno aguardado, já que foram os últimos a tirarem os Bryan do número 1; Leander Paes e Radek Stepanek, apesar dos dois terem um calendário mais enxuto; o Jean-Julien Rojer junto com o Horia Tecau; a volta do “Indo-Pak Express”, [Rohan] Bopanna e [Aisam-Ul-Haq] Qureshi. O ano que vem será muito interessante para as duplas, uma verdadeira “pedreira”.

É uma grande responsabilidade ser um dos novos ídolos brasileiros no esporte?

A cobrança é normal. O pessoal vai acompanhando, vê sua evolução e o brasileiro gosta muito de torcer. Mas, por outro lado, ele é exigente e quer vitórias. Todo atleta precisa saber lidar com isso. Se você chega ao alto nível, os fãs querem que você permaneça por lá. Mas nem sempre dá para ganhar tudo. É preciso encarar essa cobrança pelo lado positivo, para lhe ajudar a estar sempre na luta. São fases que o tênis vive: este ano foi ruim nas simples de forma geral, com as lesões e resultados não tão bons do Thomaz [Bellucci], mas ele é muito novo ainda e vai melhorar. Temos o Guilherme Clezar, o Thiago Monteiro, o Feijão e o Rogerinho. Tem muita coisa boa que ainda pode vir para o tênis brasileiro. E o fato de eu, o Marcelo, o André [Sá] estarmos jogando os grandes torneios, isso motiva também o pessoal das simples a acreditar que podem encarar os melhores de igual para igual.

Bruno Soares

Ranking ao final do ano: 3º
Vitórias/Derrotas: 61/20
Títulos: 6 - ATP 250 de Auckland com Colin Fleming (GBR), Brasil Open e ATP 250 de Eastbourne, ATPs 500 de Barcelona e Valência e Masters 1000 de Montreal com Alexander Peya (AUT)
Melhores campanhas nos Grand Slams: Vice-campeão do US Open e semifinalista de Roland Garros

"Se você chega ao alto nível, os fãs querem que você permaneça por lá. Mas nem sempre dá para ganhar tudo”

Recentemente, a CBT lançou o Programa de Transição para auxiliar os jogadores juvenis na transição para o profissional. O projeto foi idealizado por você, pelo Marcelo e pelo Daniel Melo. Qual é a ideia?

Penso que devemos encurtar esta fase não só em nível de Brasil, mas também em nível mundial. Hoje em dia, eu e o Marcelo temos uma abertura no circuito com o intuito de conseguir levar os melhores juvenis para conhecer um pouco mais e se aproximar do circuito profissional. Isso lhes dará a possibilidade de conviver e lidar com a rotina de atletas de alto nível. O projeto funciona como se fosse um estágio.

Como você analisa essa temporada quanto à evolução do seu nível e aos resultados obtidos com o Ivan?

Vínhamos evoluindo bastante desde o ano passado, e, agora, conseguimos manter e melhorar os resultados. Após [a final de] Wimbledon, conseguimos um nível de jogo muito alto. Nossa dupla passou a obter resultados expressivos, como a semifinal do US Open, o título [do Masters 1000] de Xangai e a vaga no ATP Finals.

Falando no ATP Finals, vocês chegaram à semifinal invictos. Qual foi a chave para uma primeira fase impecável?

O segredo foi acreditar no nosso potencial e aproveitar aquele momento que tanto buscamos. Vínhamos jogando muito bem desde Wimbledon, conseguindo excelentes vitórias.

Logo no primeiro jogo, enfrentaram os Bryan, de quem haviam perdido na semifinal de Paris poucos dias antes. O que vocês conversaram antes do jogo em Londres?

Estávamos na frente nos dois sets em Paris, mas não conseguimos fechar. Conversamos coisas normais de jogo. Além disso, lembramos de ter bastante atenção para passar na frente nos sets e não perder a oportunidade novamente.

O circuito está mais competitivo e os Bryan se mostraram “vencíveis”, principalmente no fim do ano. Acredita que há um maior respeito deles quando enfrentam vocês?

Com certeza. Todos os jogos que fizemos contra eles foram duros, e em alguns em que perdemos, estávamos na frente. Temos um nível e uma estratégia de jogo que os incomodam. Mas, de qualquer maneira, temos que estar jogando muito bem no dia para vencê-los.

Marcelo Melo

Ranking ao final do ano: 6º
Vitórias/Derrotas: 34/26
Títulos: 2 - ATP 250 de Brisbane com Tommy Robredo (ESP) e Masters 1000 de Xangai com Ivan Dodig (CRO)
Melhores campanhas nos Grand Slams: Vice-campeão de Wimbledon e semifinalista do US Open

"Na próxima temporada, vamos em busca de um título de Grand Slam”

Vocês tiveram resultados excelentes na grama, na quadra rápida e no piso indoor. Qual superfície é a ideal para você e Ivan?

Meu piso favorito é a grama, mas, para nós, são estes três pisos em que obtivemos os melhores resultados. Para 2014, devemos montar um calendário focado neles. Porém, há uma parte que é disputada no saibro, superfície na qual temos um pouco mais de dificuldade.

Você e Ivan terminaram o ano como a terceira melhor dupla do mundo e conseguiram resultados expressivos na reta final do ano. A que você atribui essa arrancada?

Conversamos muito sobre a nossa parceria, no que deveríamos melhorar como dupla, individualmente etc. A conversa aberta ajuda a evoluir em todos os aspectos. Antes de Wimbledon, também tivemos uma conversa importante, que com certeza ajudou muito na nossa evolução. Não é normal as duplas terem esse comportamento, e isso faz com que haja conflitos e, consequentemente, os jogadores deixam de atuar juntos. Estamos indo para o terceiro ano juntos, e isso é muito bom.

Você encerra o ano como o sexto melhor duplista do ranking. Qual é a próxima meta a curto prazo? Você vê com boas chances o posto de número 1 do mundo?

Em 2013, eu e Ivan atingimos praticamente todas as metas. Na próxima temporada, vamos em busca de um título de Grand Slam, situação da qual passamos perto por duas vezes, em Wimbledon e em Nova York, nos mostrando que temos grandes chances de chegar lá. E, é claro, queremos mais uma classificação para o ATP Finals. Com esses objetivos, o ranking acaba acompanhando, e possibilita atingir, quem sabe, o número 1.

Por esse final de ano, quem você indicaria como prováveis adversários para 2014?

Praticamente todas as 15 primeiras duplas são perigosas. O nível está muito parecido, o que torna o jogo interessante. Fora os Bryan, não há muito favoritismo nos confrontos entre os duplistas. Em 2013, tivemos vários resultados que comprovam o que estou falando.

É uma grande responsabilidade ser um dos novos ídolos brasileiros no esporte?

Acho que sim. Temos que representar o Brasil da melhor maneira possível, com muita garra e determinação. Nossos jogos estão sendo transmitidos, há um maior acompanhamento da mídia, muitas crianças olham nossas partidas, tomam gosto pelo tênis e começam a jogar. Outras, como juvenis, passam a acreditar mais que podem chegar lá também, com muito trabalho e dedicação. Creio que isso é muito bom, não só para mim, mas para o tênis crescer no Brasil.

A CBT lançou o Programa de Transição, projeto com a sua participação. Qual a importância dessa iniciativa?

A transição do juvenil é muito importante, pois muitos jogadores, mesmo sendo bons juvenis, têm grandes dificuldades para chegar ao profissional. Desde a Copa Davis em São José do Rio Preto [em 2012], onde os juvenis nos acompanharam, eu me reuni com cada um deles, passei experiências com o Daniel e unimos forças ao Bruno para ajudar nos torneios. Acho que são nesses momentos que devemos ajudar. Tenho um bom contato, uma boa proximidade e vou ser sempre aberto para ajudar com a minha experiência.

Por Matheus Martins Fontes

Publicado em 26 de Dezembro de 2013 às 00:00


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Artigo publicado nesta revista