Torneio Copa Davis

Perdemos um duelo, ganhamos um time

Derrota para a Argentina foi dolorida, mas o saldo é melhor do que parece


Agora, em vez de apenas um tenista capaz de vencer outros jogadores top, temos dois, isso aliado a uma dupla extremamente difícil de ser batida

Uma competição de equipe. A definição do que é a Copa Davis já diz tudo. Ou seja, é necessário um time competitivo para vencer. E, verdade seja dita, até o confronto com a Argentina pela primeira rodada do Grupo Mundial na primeira semana de março de 2015, o Brasil não tinha um. Há anos não tínhamos um grupo tão coeso de jogadores de alto nível.

Fazendo uma análise fria, não temos uma equipe gabaritada desde que Fernando Meligeni deixou o time em 2003. Para piorar a situação, naquele mesmo ano, Gustavo Kuerten passou por sua primeira cirurgia no quadril e a equipe que já estava capenga (sem um tenista número 2 capaz de atuar em alto nível), ficou ainda mais debilitada. Não à toa, ficamos mais de 10 anos fora do Grupo Mundial. Quando voltamos em 2012, já tínhamos um tenista número 1 sedimentado e uma dupla top. Aí, com talento e um pouco de sorte, voltamos. O mesmo ocorreu no ano passado, quando rebaixamos a Espanha.

No entanto, para ter sucesso no Grupo Mundial (ou ao menos tentar se manter nele) é preciso muito mais do que um jogador competente e uma boa dupla. É preciso um time de verdade, com tenistas que possam ser capazes de derrotar adversários de alto nível, mesmo que esporadicamente.

Exército de um homem só?

É simples notar que ter um tenista acima da média na equipe da Copa Davis não resolve muita coisa. Basta ver quantos anos Roger Federer demorou para conseguir conquistar o título do torneio, que só veio no ano passado quando, enfim, a estrela de Stan Wawrinka, o número 2 do time, começou a brilhar. Com dois tenistas de altíssimo nível, aí sim a Suíça teve chances reais de vencer.

Em um primeiro momento, é compreensível lamentar, mas, quem enxerga mais longe, vai logo perceber que o confronto contra os argentinos teve um saldo muito positivo  para o Brasil

No entanto, a história da Copa Davis é pródiga de exemplos similares, de nações que contavam com apenas um tenista top, muitas vezes o líder do ranking, mas, ainda assim, não foram capazes de vencer a competição. A Áustria de Thomas Muster, por exemplo, jamais passou das semifinais em seu auge. O Chile de Marcelo Ríos nunca superou a primeira rodada. Mesmo durante o ápice do jogo de Goran Ivanisevic, a Croácia (antes Iugoslávia) também não ganhou uma primeira rodada. O Reino Unido, de Andy Murray, só passou duas vezes pela primeira rodada, sendo a última neste ano. A Romênia de Ilie Nastase foi melhor, alcançou três finais, mas não superou os Estados Unidos nas três oportunidades. E a Sérvia, de Novak Djokovic só foi capaz de conquistar a Copa Davis em 2010, quando a equipe contava com Janko Tipsarevic e Viktor Troicki, além do duplista Nenad Zimonjic.

Definitivamente, carregar um time inteiro nas costas não é tarefa das mais simples. Em um único fim de semana, o tenista precisa vencer seus dois jogos de simples e ainda contar com um parceiro minimamente razoável para ganhar a dupla, tudo isso em jogos de cinco sets. Haja fôlego. Tanto que apenas alguns poucos heróis foram capazes disso nos mais de 100 anos da Copa Davis. O último a conseguir tal proeza foi Michael Stich que, em 1993, disputou e venceu quase todas as suas partidas de simples e duplas (perdeu apenas uma que já não valia nada) para dar o título à Alemanha. Antes, em 1988, Boris Becker havia realizado feito similar, também levando a Alemanha à conquista. Alguns anos antes, em 1982, quem teve participação literalmente perfeita foi John McEnroe, que liderou os Estados Unidos, jogando simples e duplas em todos os confrontos.


Leonardo Mayer e Feijão fizeram o mais longo jogo da história da Copa Davis. Dois dias antes, Feijão já havia disputado uma “maratona” contra Carlos Berlocq (à direita)

Time de verdade

Dessa forma, ao olhar para trás, é fácil perceber que, na maioria das vezes, um time coeso vale muito mais do que outro que possui uma estrela mais brilhante e outras com pouco brilho. Os exemplos são vários nos últimos anos, caso contrário, como a República Tcheca teria vencido em 2012 e 2013? Assim como os Estados Unidos em 2007, a Rússia em 2006 e a Croácia em 2005? Isso só para citar alguns países que formaram equipes sem grandes buracos, capazes de enfrentar e vencer qualquer adversário. E é isso o que o Brasil parece ter agora novamente, um time competitivo.

Desde 2008, quando Thomaz Bellucci ingressou pela primeira vez no top 100, a equipe se apoia nele e em uma dupla de alto nível (em um primeiro momento composta por André Sá e Marcelo Melo e, agora, por Melo e Bruno Soares). Mas, conforme explicamos, para poder “parar em pé” no Grupo Mundial, é necessário um tripé. E nunca esse terceiro elemento, até então, não só não havia surgido, como parecia muito distante de ocorrer.

Em 2012, quando o Brasil jogou contra a Colômbia em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, houve um lapso de um possível “companheiro” para o número 1 da equipe. João Souza, o Feijão, vinha em boa fase e foi convocado pela primeira vez. Um ano mais novo que Bellucci, ele sempre havia sido apontado como um tenista de grande potencial, mas, até então, não realizado. Na época, o capitão João Zwetsch dizia que Feijão tinha tudo para ser o titular da equipe daí em diante.

Em seu primeiro jogo na Davis, porém, Souza não resistiu ao colombiano Santiago Giraldo. Para piorar, não manteve o bom momento no circuito, perdeu espaço e não mais voltou ao time. No ano passado, recuperou a boa forma e era cotado para disputar o Play-off contra a Espanha. No entanto, para surpresa geral, foi preterido. A explicação do capitão era a dúvida que ele teria sobre a condição física do jogador. Mas, nos bastidores, a conversa era de que a não convocação estaria relacionada, na verdade, ao comportamento do tenista.

Passada a polêmica e com o Brasil no Grupo Mundial graças a uma atuação de gala de Bellucci, não restou alternativa a Zwetsch senão chamar Feijão para o duelo contra a Argentina, especialmente depois de suas excelentes campanhas nos dois ATPs brasileiros. Boatos dão conta de que, mesmo antes do começo do Brasil Open, o capitão havia ligado para Souza para ter uma conversa franca e atestar seu comprometimento com a equipe. Duas semanas depois, Feijão apareceu na lista dos convocados.


A dupla formada por Marcelo Melo e Bruno Soares é “ponto certo”

Derrota e vitória

Mesmo com uma atuação espetacular de Souza, o Brasil não foi capaz de superar a Argentina, que, sem Juan Martin del Potro, é um time bastante frágil. A derrota – depois de estarmos na frente e da partida épica de Feijão contra Leonardo Mayer, que quebrou o recorde de jogo mais longo da Copa Davis (e também mais longo já realizado no saibro na história) – deixou uma sensação muito ruim em todos.

Como era de se prever, a torcida escolheu Bellucci como bode expiatório pelas duas derrotas nas quais pouca resistência ofereceu aos adversários, jogando muito abaixo do que pode. Assim, ao comparar a atuação de Souza (bem superior ao que estamos acostumados a ver dele e ainda contando com uma entrega do primeiro ao último ponto) com a de Bellucci, a do canhoto pareceu ainda pior do que realmente foi.

Lastimar e culpá-lo pelo revés, em um primeiro momento, é até compreensível, contudo, quem enxerga mais longe, vai logo perceber que o confronto com os argentinos teve um saldo muito positivo para a equipe brasileira. Perdemos, mas, enfim, ganhamos um time.

Agora, em vez de apenas um tenista capaz de vencer (mesmo que esporadicamente) outros jogadores top, temos dois, isso aliado a uma dupla extremamente difícil de ser batida. Ao montar esse tripé, o peso sobre as costas de cada um dos elementos diminui e, assim, as chances de vencer aumentam. Vale lembrar ainda que a boa fase de um pode inspirar o outro e ambos crescerem juntos (já cansamos de ver isso acontecer no circuito com tenistas de uma mesma nação).

Depois de tanto tempo, o Brasil pode voltar a torcer por seu time de tênis.

Argentina 3x2 brasil

6 a 8 de março de 2015, Tecnópolis, Buenos Aires, Argentina
João Souza (BRA) v. Carlos Berlocq (ARG) 6/4, 3/6, 5/7, 6/3 e 6/2
Leonardo Mayer (ARG) v. Thomaz Bellucci (BRA) 6/4, 6/3, 1/6 e 6/3
Marcelo Melo e Bruno Soares (BRA) v. Carlos Berlocq e Diego Schwartzman (ARG) 7/5, 7/3 e 6/4
Leonardo Mayer (ARG) v. João Souza (BRA) 7/6(4), 7/6(5), 5/7, 5/7 e 15/13
Federico Delbonis (ARG) v. Thomaz Bellucci (BRA) 6/3, 3/6, 6/2 e 7/5
Por Arnaldo Grizzo

Publicado em 30 de Março de 2015 às 00:00


Torneio Feijão João Souza Juan Martin del Potro Zwetsch time Copa Davis Thomaz Bellucci Marcelo Melo Bruno Soares

Artigo publicado nesta revista

Feijão

Revista TÊNIS 138 · Março/2015 · Feijão

Como ele se tornou número 1 do Brasil e até onde pode chegar + desvendamos seu forehand matador