No meio do caminho tinha um (ou dois) Lapentti

O que parecia impossível aconteceu, e os equatorianos, liderados por um inspirado Nicolas Lapentti, adiaram a volta do Brasil à elite da Copa Davis


Richard Dunstan/SXC

 

fotos: Marcelo Ruschel/POA Press
Nicolas Lapentti, o herói da classificação equatoriana

 

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Guga assistiu ao confronto de perto

A FESTA estava armada. Os convidados, em média 5 mil nos três dias, esperançosos. O clima era de euforia. Diante de um adversário sem tradição, com dois tenistas piores ranqueados do que os nossos, a certeza de que o Brasil voltaria ao Grupo Mundial da Copa Davis após seis anos era evidente; consenso geral para qualquer um que arriscasse um palpite para o confronto. Porém, receoso, Gustavo Kuerten alertava, ainda na sexta-feira, para o talento e a experiência do amigo Nicolas Lapentti. Embora mostrasse otimismo quanto às chances brasileiras, o mais ilustre dos torcedores ressaltava o largo currículo do ex-parceiro de duplas e, inclusive, de seu irmão mais novo, que como sob a "proteção" do irmão mais velho poderia se encher de confiança mesmo jogando fora de casa.

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Daniel venceu Giovanni

Com dois tenistas entre os 70 do mundo nas simples e dois (três, contando o reserva Bruno Soares) entre os 40 nas duplas, a equipe brasileira era franca favorita diante dos equatorianos, que traziam apenas o 140º e o 211º do ranking. Porém, em termos de Copa Davis, os rivais eram mais experientes, assim como já havia alertado o próprio técnico equatoriano no início da semana. O mais velho dos irmãos, Nico, aos 33 anos, trazia na bagagem um currículo de fazer inveja aos tenistas brasileiros. Ex-número seis do mundo e com cinco títulos de ATP ao longo da carreira, é ainda um nome que merece (e não vinha tendo antes do confronto) muito respeito. O caçula, sete anos mais novo, surgiu como promessa, mas não viu sua carreira se desenhar como a do irmão. Porém, ao contrário de Daniel e Bellucci, chegou a disputar o Grupo Mundial da Copa Davis em 2001, experiência que viria a ser fundamental no desenrolar do confronto.

Para os supersticiosos, a fria e chuvosa manhã de sexta-feira, 18 de setembro, já indicava que algo não estava indo bem em Porto Alegre. O fantasma da eliminação contra os espanhóis em 1998 parecia estar disposto a passear mais uma vez pela capital gaúcha, mas o imenso favoritismo da equipe do capitão Chico Costa não deixaria que a torcida do sul do País sofresse mais essa decepção. O cenário estava exatamente como os brasileiros desejavam. Embora sob muitas dificuldades, o número um do Brasil, Marcos Daniel, confirmou o melhor ranking e venceu o número dois dos visitantes, o caçula Giovanni. A vitória por 3 sets a 1 animou a torcida, que já ameaçava lotar o Gigantinho. Com 1 a 0 no confronto, o comentário entre os especialistas era de que uma vitória nos próximos dois jogos serviria para colocar o Brasil perto da volta ao Grupo Mundial da Davis, já que havia uma grande certeza de que Bellucci ganharia com tranquilidade de Giovanni na última partida.

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Vitória nas duplas foi fundamental para os equatorianos
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Mas se teve uma palavra que não foi bem empregada neste fim de semana atípico em Porto Alegre foi a certeza. Em grande momento na carreira, o jovem paulista de Tietê lutou bastante, mas viu uma verdadeira aula de tênis de quem, mesmo em final de carreira, ainda traz consigo um repertório de altíssimo nível e muita variação. Aos gritos de "Vamos Nico", a pequena delegação do Equador viu o seu número um dominar o brasileiro por 3 sets a 0, embora as mais de 3h30 de jogo mostrasse que a partida foi mais equilibrada do que o resultado sugeria. Não bastasse o placar empatado em 1 a 1, a exibição de gala do mais velho dos Lapentti já surgia como sinal de alerta para todos os presentes no ginásio do Internacional. A impressão de que dificilmente o ex-número seis do mundo fosse perder seu jogo do domingo colocou ainda mais pressão sobre a dupla mineira Marcelo Melo e André Sá, já que o jogo de sábado poderia definir a volta do Brasil à elite do tênis mundial.

Embora o sábado tivesse amanhecido muito mais bonito do que o dia anterior, o vento gelado continuava a mostrar que algo não ia bem. Atualmente a 15ª melhor dupla da temporada, Melo e Sá traziam ainda uma invencibilidade de três jogos na competição, que contava inclusive com uma excelente vitória contra a Croácia no ano passado. Mas nada que intimidasse os valentes irmãos equatorianos. Mesmo contra uma torcida inflamada - que chegou a abusar em alguns momentos - eles mantiveram uma concentração que impressionou os presentes no Gigantinho. Apesar da derrota no primeiro set, Nicolas e Giovanni não abaixaram a cabeça e viraram o placar, chegando a ficar bem perto da vitória na quarta parcial. Apoiados pela torcida, os mineiros empataram o jogo e levaram a decisão da partida (e talvez do confronto) para o quinto set. E a vitória passou bem perto dos brasileiros, que chegaram a ter chance de quebra quando os rivais sacaram em 3 /4. Mas a experiência falou mais alto, os equatorianos confirmaram o serviço, quebraram o saque de André Sá e sacaram com tranquilidade para fechar o jogo.

Muito abalados, os brasileiros mostraram que haviam sentido o duro golpe. Marcelo Melo, conhecido como Girafa pelos amigos, chegou a declarar que essa havia sido a pior derrota de sua carreira. O clima, antes de euforia e esperança, passou a ser de preocupação em Porto Alegre. Cabia, então, a Marcos Daniel - que no confronto anterior, contra a Colômbia, havia ficado ausente - a missão de manter vivo o sonho brasileiro de voltar à elite da Davis.

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Sá e Melo lutaram, mas a experiência de Nicolas Lapentti foi fundamental

Mas o sentimento, pelo menos entre os especialistas, era de que dificilmente o gaúcho de Passo Fundo conseguiria superar o talento de Nicolas Lapentti. Nos dois primeiros sets, a expectativa se confirmou, Nico venceu com facilidade e ficou a um passo de consolidar a zebra equatoriana na capital gaúcha. Porém, incentivado pelos mais de cinco mil torcedores, o colorado Daniel mostrou que estava em casa e colocou fogo na disputa, levando a partida que parecia perdida para o quinto set. Apostando no cansaço do rival, que havia jogado sete horas de tênis nos dois dias anteriores, o top 100 brasileiro voltou a colocar esperança no olhar dos torcedores. Mas, em mais uma mostra de sua larga experiência, Nicolas mostrou toda a sua frieza e competência para fechar a partida em 8/6, adiando em pelo menos mais um ano o retorno do Brasil ao seleto Grupo das 16 equipes que disputam a elite do tênis mundial.

Para cumprir tabela, Bellucci voltou à quadra e bateu com facilidade o reserva equatoriano Julio César Camposano. Se antes a certeza era de que o bom momento do tênis brasileiro nos levaria à vitória, a única certeza que ficou deste fim de semana na capital gaúcha foi que, assim como sugere o ditado popular, no meio do caminho tinha um Lapentti. No caso, dois, já que não podemos ignorar a grande atuação do caçula Giovanni nas duplas.

Em 2010, o Brasil tentará novamente voltar ao Grupo Mundial. Como cabeça- de-chave do Zonal Americano, o time nacional espera o vencedor do confronto entre República Dominicana (que joga em casa) e Uruguai. Se os uruguaios (favoritos) ganharem, vamos desafiá-los em casa, pois jogamos lá da última vez. Contra os dominicanos, o mando de campo será sorteado, porque nunca ocorreu antes. Ou seja, no próximo ano, quiçá com uma equipe mais calejada, teremos nova chance. Agora só resta lamentar esta oportunidade perdida (a melhor dos últimos anos) e aprender com a derrota.

José Eduardo Aguiar

Publicado em 28 de Setembro de 2009 às 08:15


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Artigo publicado nesta revista