Copa Davis

Missão cumprida

Após nove anos de espera, o Brasil retorna ao Grupo Mundial da Copa Davis em grande estilo com vitória sobre a Rússia em São José do Rio Preto e já estipula maiores objetivos para poder competir com as melhores equipes do mundo a partir de 2013


Brasil soube se impor diante de um time russo desfalcado e mostrou sua força em casa

"NA HORA QUE ELES ENTRAREM EM QUADRA, a batata deles vai assar", avisou o capitão João Zwetsch às vésperas do início do confronto diante da Rússia. O forte calor de São José do Rio Preto, média superior a 35°C ao longo dos três dias, ajudou a fritar o frio time russo, que chegou ao interior paulista sem seus dois melhores representantes - Mikhail Youzhny e Nikolay Davydenko - e com um recorde de 20 anos jogando a primeira divisão da Copa Davis. Esse "calor" pôs fim ao incômodo jejum do Brasil longe do Grupo Mundial.

Foram nove anos duros, de agonia, drama e decepções aguentando permanecer longe da elite da maior competição entre equipes do mundo. Uma década de lições, já quase sem poder contar com Gustavo Kuerten, em fim de carreira. E o tricampeão de Roland Garros foi testemunha in loco (desta vez apenas um mero coadjuvante) do massacre dos brasileiros por 5 a 0 no Harmonia Tênis Clube, com direito a banho de Champagne, dancinhas, foguetório e discursos emocionantes de quem fez parte da equipe que havia batido na trave da repescagem nos últimos seis anos.

Rogério Dutra Silva manteve a sua invencibilidade em disputas de Copa Davis - antes do embate diante da Rússia, o paulistano havia vencido os seus dois jogos contra o Uruguai, em Montevidéu, há dois anos - e usou a experiência recente de quem furou o top 100 e enfrentou nada mais nada menos do que Novak Djokovic no Arthur Ashe Stadium, em Nova York.

A dupla mais uma vez garantiu o ponto decisivo do confronto

Thomaz Bellucci pôs um "basta" na instabilidade na competição e fechou o ano com 100% de aproveitamento à frente do time de Zwetsch e da torcida - quatro vitórias, somadas com os dois triunfos diante da Colômbia, em abril.

E, finalmente, a parceria entre Melo e Soares provou que a sintonia continua forte, mesmo com os dois tendo escolhido atuar com parceiros diferentes no circuito da ATP. Em seis jogos representando o Brasil, os mineiros perderam apenas uma vez (para os indianos Mahesh Bhupathi e Leander Paes) e são, atualmente, nosso ponto mais confiável.

Não houve espaço para surpresas em quadra, nem para sustos como aconteceu no início do confronto diante dos colombianos. Os torcedores nem precisaram "botar pilha" no desfalcado time da Rússia e a vingança de Kazan - quando o País caiu por 3 a 2 no ano passado na mesma repescagem - veio de maneira bem mais tranquila do que o esperado. Dos oito duelos pelo Play-off do Grupo Mundial, o placar em Rio Preto foi o mais elástico de todos, junto com o triunfo da Bélgica sobre a Suécia.

FOI FÁCIL

Desde a convocação, o Brasil já soube que entraria em quadra como favorito, já que o capitão Shamil Tarpischev optou por não chamar os principais nomes da nação bicampeã da Copa Davis - os veteranos Youzhny e Davydenko. A justificativa foi que "não teriam condições físicas para competir no clima quente de Rio Preto". No mínimo curiosa essa explicação, uma vez que os dois vinham de campanhas no US Open, uma semana antes, com forte calor.

Dessa forma, a Rússia veio com Alex Bogomolov, Igor Andreev e Teymuraz Gabashvili. O primeiro ganhou a naturalização russa no ano passado para disputar a Davis pelo país natal. O segundo era o jogador que mais se encaixava ao piso lento, além da experiência de ter feito parte do time que ganhou a Davis em 2006.

No entanto, Tarpischev decidiu poupar Bogomolov do primeiro dia, apostando claramente em uma vitória de Andreev contra Rogerinho. O raciocínio é que, com 1 a 0 para os russos, Teymuraz Gabashvili pudesse cansar Thomaz Bellucci ao máximo para o seu jogo de domingo contra Bogomolov no sol escaldante de 15h da cidade interiorana.

Só que assim que as ações começaram, o capitão visitante, que mal transparecia emoções, tampouco passava orientações aos seus pupilos, fechou o semblante de vez. Silva se mostrou à vontade contra Andreev. Com muita inteligência e jogando solto do fundo da quadra, o brasileiro se impôs e não teve problemas para abrir 2 sets a 0. Antes do início da terceira parcial, o tenista russo alegou uma lesão no ombro e desistiu da partida.

Bellucci entrou em quadra logo depois. O número um do País levou um susto apenas na segunda parcial, quando viu o adversário ganhar o único set para os visitantes no confronto inteiro. Mesmo com um número alto de erros não-forçados - 67 no total -, o brasileiro soube ter calma nos momentos decisivos e fechou o duelo no tiebreak do quarto set.

No sábado, Marcelo Melo e Bruno Soares, que adotaram um discurso humilde ao longo da semana e negaram o favoritismo, comprovaram a ótima fase que atravessam no circuito e selaram o confronto.

O domingo reservou apenas duelos para cumprir tabela, mas Zwetsch não poupou seus titulares para a festa. Bellucci fez o primeiro jogo e bateu Bogomolov em sets diretos, enquanto Rogerinho manteve a ótima trajetória na Copa Davis com um triunfo tranquilo sobre o estreante Stanislav Vovk.

O FUTURO

A bola fora de Gabashvili deu um ponto final em um período de ostracismo do tênis brasileiro, que volta a ocupar um lugar de destaque entre as 16 melhores equipes do planeta. Titular do time tupiniquim há cinco anos, Bellucci não escondeu a expectativa de disputar um confronto na divisão de elite da Copa Davis em 2013.

"O mais importante é que a gente mostrou que o nosso time, dentro do Brasil, é muito difícil de ser batido", afirmou João Zwetsch

"Venho jogando a Copa Davis desde 2007. Nunca tive a oportunidade de jogar o Grupo Mundial, então é uma conquista pessoal levar meu país à elite do tênis. É um sonho realizado", declarou o canhoto, que carrega um retrospecto de 12 vitórias e sete derrotas na competição.

"Encerramos uma parte de um trabalho que começou anos atrás, passamos por momentos difíceis e conseguimos reerguer o tênis de uma maneira positiva. É um momento muito especial para todos os envolvidos, fica um ano muito bacana e vamos iniciar esse próximo passo para tentar fazer bonito no Grupo Mundial", opinou Soares.

A equipe procura não escolher adversários e se dá ao luxo de priorizar apenas uma opção - ser mandante no confronto de estreia em 2013. Para o capitão brasileiro, a boa impressão deixada em Rio Preto faz com que o Brasil se torne um rival perigoso dentro de casa. "O mais importante é que a gente mostrou que o nosso time, dentro do Brasil, é muito difícil de ser batido. Tem que ser uma equipe realmente muito forte para chegar aqui e dar conta do nosso time", relatou.

"É um sonho realizado", desabafou Bellucci

ALMEJAR MAIS

Um dos assuntos mais comentados após a vitória por 5 a 0 diante da Rússia foi as perspectivas que ficam para o time brasileiro em 2013 no Grupo Mundial. Contra seleções fortíssimas, as chances de conseguir um triunfo caem bastante, principalmente se jogarmos fora de casa.

No entanto, o duplista Marcelo Melo adota um discurso otimista e vê o Brasil com condições de fazer frente com qualquer seleção. Brigar para não cair não é algo que o time deveria pensar ao disputar o Grupo Mundial. "Nossa realidade agora é de ficar no Grupo Mundial. Nossa equipe tem condições. Por que não? O Thomaz já venceu grandes jogadores de nível top 10, top 20. Eu e o Bruno também. Não vejo por esse lado de rezar para ficar no Grupo Mundial. A gente tem que acreditar que pode enfrentá-los. Logicamente existem equipes muito fortes, mas, em nenhum momento, acho que vamos brigar apenas para permanecer. Temos que entrar acreditando que podemos ganhar", admite o mineiro.

Seu parceiro reforça a ideia, apoiando-se no confronto do ano passado, quando o Brasil esteve a um ponto de bater os russos fora de casa. "A gente teve esse papo sobre o confronto com a Rússia no ano passado e acho que estava bem parecido com hoje, estávamos preparados para encará-los lá. Independentemente de tudo o que aconteceu, lá faltou um ponto, o mais importante é que a gente voltou forte. Tivemos uma grande semana de trabalho, nossa equipe está amadurecendo. A gente está conseguindo transformar em coisas positivas as dificuldades que encontrou", crê Soares.

O CALVÁRIO

2003

Após escapar do rebaixamento para o Zonal ao vencer o Canadá por 4 a 0 em setembro da temporada anterior, o Brasil começou 2003 enfrentando a Suécia fora de casa. No piso de carpete de Helsingborg, o time de Gustavo Kuerten tive a liderança do placar ao final do segundo dia, com o triunfo de Guga e André Sá nas duplas. Porém, a incrível atuação de Jonas Bjorkman nas simples e a falta de experiência de Flávio Saretta, escalado para o último duelo, foram suficientes para mandar o País novamente aos Play-offs do Grupo Mundial. No entanto, nem Guga conseguiu segurar o Brasil na elite do torneio naquele ano. Jogando novamente numa quadra rápida e coberta, agora em Calgary, Canadá, o Brasil perdeu no último ponto e, assim, teve início uma decadente fase em sua história.

2004

Aquela temporada começou com um motim liderado por Guga à gestão de Nastás, que sofria acusações de corrupção e foi acusado pelo tricampeão de Roland Garros de não desenvolver um projeto satisfatório com a base do tênis nacional. Outros jogadores aderiram ao boicote, como Ricardo Mello, Flávio Saretta e André Sá. Nesse período, o País não conseguiu fazer frente aos adversários do continente e os reveses para Paraguai, Venezuela e Peru, respectivamente, levaram ao rebaixamento à terceira divisão da Copa Davis. Era o fundo do poço da história de nosso tênis.

2005

Com a troca de presidentes (entrada de Jorge Lacerda) e uma nova comissão à frente da entidade, os principais tenistas voltaram a defender o País. Em 2005, o Brasil foi superior a equipes muito fracas como a Colômbia e Antilhas Holandesas. Em setembro, o time comandado por Fernando Meligeni enfrentou o Uruguai, em Montevidéu, e conseguiu o acesso ao Zonal I com um triunfo por 3 a 2. Era o primeiro degrau da redenção de nosso esporte.

O Brasil disputa a repescagem do Grupo Mundial desde 2006

2006

Se não tínhamos equipe para brigar com as 16 melhores seleções do mundo, um lugar justo para o Brasil, pelo menos, era o Zonal I. O time de Fininho soube vencer um difícil confronto no Peru com Ricardo Mello conquistando o ponto decisivo. Na sequência, derrotamos com facilidade o Equador, também jogando como visitantes. Assim, em setembro, tivemos a primeira oportunidade de retornar ao Grupo Mundial. Flávio Saretta abriu o placar na série contra a Suécia em Belo Horizonte, porém o ainda jovem Robin Soderling tratou de calar o público mineiro ao superar com facilidade seus dois jogos individuais.

2007

Coube aos brasileiros fazer o mesmo caminho na temporada 2007. Agora, de capitão novo - Chico Costa substituiu Meligeni -, o grupo brasileiro bateu o Canadá em Florianópolis e chegou novamente à repescagem. Porém, com uma lesão de última hora de Saretta, nosso número um - o que fez com que Thomaz Bellucci estreasse na competição com apenas 19 anos -, a equipe não conseguiu acompanhar o ritmo dos austríacos no piso rápido de Innsbruck. Até Guga, machucado, entrou para ajudar o País, porém nada adiantou e o grupo voltou ao Zonal.

2008

Em 2008, o experiente Marcos Daniel trilhou o caminho da vitória frente à Colômbia no Zonal e o Brasil enfrentou a poderosa Croácia no piso rápido de Zadar pelo Play-off. Apresentamos o melhor que pudemos com Bellucci e Thiago Alves nas simples e até beliscamos um ponto nas duplas com Marcelo Melo e André Sá. Porém, as "bombas" de Karlovic selaram a disputa e enviaram os sul-americanos de volta à segunda divisão.

2009

Novamente a Colômbia foi o primeiro adversário. Na altitude de Tunja, Bellucci e Franco Ferreiro - estreante na equipe - comandaram o triunfo verde-amarelo e, dessa forma, o Brasil encontrou o Equador em casa. Favoritos desde o início, os brasileiros não contavam com a excelente participação do veterano Nicolas Lapentti. Com três triunfos no final de semana em Porto Alegre, os equatorianos surpreenderam e o Brasil sofreu sua primeira grande decepção nos Play-offs.

2010

Com João Zwetsch, ex-treinador de Bellucci, no comando da equipe, o Brasil obteve uma vitória tranquila em Bauru diante do desfalcado Uruguai. A repescagem reservou um duelo interessante contra a Índia, que é conhecida pelos excelentes duplistas, porém não tem muita força no individual. O País abriu 2 a 0 após vitórias difíceis de Bellucci e Mello (ambas em cinco sets). Mesmo com o favoritismo dos anfitriões na partida de duplas (diante de Mahesh Bhupathi e Leander Paes), o cenário era favorável. Mas o improvável aconteceu - Bellucci desistiu do jogo contra Somdev Devvarman por conta de desidratação e Mello perdeu de Rohan Bopanna.

2011

O Uruguai foi o primeiro adversário no ano e, com uma excelente estreia de Rogerinho, o time nacional avançou pelo sexto ano seguido aos Play-offs. O rival foi a Rússia no piso rápido e coberto de Kazan. O Brasil deu muito trabalho aos bicampeões da Davis e chegamos a estar a um ponto de avançar ao Grupo Mundial - Bellucci teve dois match-points contra Mikhail Youzhny no quarto jogo quando os sul-americanos lideravam o placar do confronto por 2 a 1 -, porém a vaga foi vir apenas em 2012.

COPA DAVIS - PLAY-OFF DO GRUPO MUNDIAL

BRASIL 5 x 0 RÚSSIA, Harmonia Tênis Clube, São José do Rio Preto, Brasil
Rogério Dutra Silva (BRA) v. Igor Andreev (RUS) 6/2, 6/1 e desistência
Thomaz Bellucci (BRA) v. Teymuraz Gabashvili (RUS) 6/3, 4/6, 6/0 e 7/6(4)
Marcelo Melo e Bruno Soares (BRA) v. Alex Bogomolov e Teymuraz Gabashvili (RUS) 7/5, 6/2 e 7/6(7)
Thomaz Bellucci (BRA) v. Alex Bogomolov (RUS) 7/6(4) e 6/3
Rogério Dutra Silva (BRA) v. Stanislav Vovk (RUS) 6/2 e 6/2

Matheus Martins Fontes

Publicado em 24 de Setembro de 2012 às 14:09


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