Jogos memoráveis

Lembranças de batalha

Quais partidas marcaram a última década do tênis?


VOCÊ SE LEMBRA DO PRIMEIRO jogo de tênis profissional a que assistiu? Recorda do primeiro que viu na televisão? E ao vivo, do lado da quadra? Certamente, essas partidas ainda estão gravadas na sua memória, pois são suas primeiras recordações. Muitas vezes, não importa se o jogo foi bom ou não, não importa quem venceu, só importa o fato de você ter assistido e nada mais. Ainda assim, essa partida é especial para você, pois é a sua primeira.

No entanto, o que faz com que um jogo de tênis se torne especial? O que faz com que ele seja lembrado por todos aqueles que o viram (e também os que não viram)? Como uma partida de tênis pode deixar uma marca tão profunda na memória das pessoas a ponto de fazer parte da história?

O começo da resposta pode ser pela importância do duelo. Uma final de um campeonato importante. Um jogo que decide quem será o próximo número um do mundo. Um confronto de gerações e estilos. Enfim, algo que vai alçar seu vencedor ao céu, torná-lo um herói, cravar seu nome nos livros, isso sem dúvida, torna qualquer partida dessa espécie relevante.

Outros jogos, contudo, tornam-se memoráveis por algo que vai além da importância do momento. Um duelo em que os dois rivais mostram toda a excelência técnica, tática ou física, por exemplo, será sempre digno de recordação, mesmo que valha pela primeira rodada de qualifying de uma competição menor. São nessas horas que a excelência humana deixa os espectadores estupefatos.

Por fim, há os jogos em que esses dois fatores se unem, a relevância e a excelência, e aí fica impossível não categorizá-los como históricos. Então, nesses 10 anos de Revista TÊNIS, tivemos a oportunidade de acompanhar, muitas vezes in loco, algumas das partidas mais emocionantes. Gravamos diversas delas na memória e elegemos 10 que acreditamos valer também a sua lembrança.

Ron C. Angle

A TERRA DA BAIXINHA

ROLAND GARROS 2003 - SEMIFINAL JUSTINE HENIN (BEL) V. SERENA WILLIAMS (USA) 6/2, 4/6 e 7/5

Em busca do bicampeonato em Paris, Serena Williams chegou à semifinal de Roland Garros com uma invencibilidade de 33 partidas em Grand Slams. A força da norte-americana contrastava com a habilidade e agilidade da "baixinha" Justine Henin, que fez um primeiro set perfeito apostando na técnica do seu backhand com uma mão. A norte-americana deu o troco na segunda parcial e liderava o set decisivo quando um lance infeliz mudou a história da partida e ganha repercussão até hoje. Quando Serena sacava em 4/2 e tinha 30/0 no game, Henin levantou o braço e avisou que não estava pronta para receber, mas Serena não viu e disparou o saque contra a rede. O árbitro de cadeira, que não viu o pedido, mandou-a executar o segundo serviço e Henin se calou. A partir daquele momento, a belga iniciou reação espetacular para conquistar a vaga na final, em que venceria a compatriota Kim Clijsters. "É bom acreditar que a força não é tudo", declarou Henin sobre o fim da hegemonia de Serena até então nos grandes torneios. Sobre sua atitude dentro de quadra, a belga foi confessar apenas em 2011 que deveria ter tido uma reação diferente.

João Pires/Fotojump

SORTE GRANDE

BRASIL OPEN 2004 - QUARTAS DE FINAL
GUSTAVO KUERTEN (BRA) V. FRANCO SQUILLARI (ARG) 3/6, 7/5 e 7/5

A primeira edição do Brasil Open no saibro foi conquistada por Guga, mas não foi fácil. Na Bahia, o manézinho passou por duras penas por Oscar Hernandez e o promissor Richard Gasquet nas primeiras rodadas. Mas o qualifier Franco Squillari por pouco não acabou com a festa. O argentino calou a arquibancada ao vencer o primeiro set com facilidade. Mas quando precisou, Guga sabia que poderia contar com a torcida, que "levantou poeira" (o público cantou o hit da cantora Ivete Sangalo) e transformou a quadra em um verdadeiro Carnaval. O brasileiro cresceu na partida, virou o jogo e caminhou firme para aquele seria o seu último título de sua carreira. "É uma linda lembrança, porque foi um jogo que envolveu toda a torcida, uma virada em que precisei utilizar todos os meus recursos, houve muita emoção, tive uma superação ímpar. Sem dúvida, se esse jogo não fosse no Brasil ou em Roland Garros, eu dificilmente venceria. Essa partida abriu as portas para o meu bicampeonato no Sauípe", relembra o catarinense que, meses depois, bateria Roger Federer na terceira rodada de Roland Garros.

Foto: Ron C. Angle

NICO NO OLIMPO

JOGOS OLÍMPICOS DE ATENAS/2004 - FINAL
NICOLAS MASSÚ (CHI) V. MARDY FISH (USA) 6/3, 3/6, 2/6, 6/3 e 6/4

Nem mesmo Nicolas Massú poderia imaginar que o piso duro de Atenas seria palco do maior feito de sua carreira. Sua campanha começou com vitória sobre Guga em três sets e, daí em diante, foi quebrando barreiras em simples e duplas. Junto com o amigo Fernando Gonzalez, derrubou os irmãos Bryan e ambos conquistaram o primeiro ouro do Chile em Olimpíadas. Mas isso foi no sábado. Massú nem pensou em comemorar, porque no domingo tinha mais uma batalha contra o americano Mardy Fish, algoz de Gonzalez na semifinal. O jornalista Patrício de La Barra, amigo de "Nico", relata o sentimento daquele segundo ouro histórico no fim de semana. "As nossas expectativas cresciam na mesma proporção em que nos mobilizávamos para encontrar o melhor lugar para assistir às partidas. E aquele ouro foi a cereja do bolo. O Massú não aguentava nem andar depois de certa hora. Daí viu um grupo de chilenos com uma bandeira e, assim, ganhou forças para continuar. A prata já seria bem-vinda, mas ele queria mais. Foi uma batalha intensa e dramática como uma final de Grand Slam. Foi a consagração do tênis chileno e sul-americano".

Foto: Ron C. Angle

NOVA RAINHA

WIMBLEDON 2004 - FINAL
MARIA SHARAPOVA (RUS) V. SERENA WILLIAMS (USA) 6/1 e 6/4

"Que história. Que estrela. Que campeã!" Tais palavras poderiam ser direcionadas muito bem para Serena Williams, que, em 2004, não perdia na grama londrina havia mais de dois anos. No entanto, do outro lado da rede, ela encontrou uma bela adolescente que, aos 17 anos, chegava à sua primeira final de Grand Slam. Enquanto Serena tentava se impor, a russinha não recuava. Poucas vezes se viu Serena perdida em suas próprias jogadas, perdendo terreno na força para suas adversárias. Sharapova colocava um ponto final na mesmice que se tornou Wimbledon com o sobrenome Williams nos troféus. O tênis ganhou uma nova realidade e Wimbledon viu a primeira russa a levantar sua taça na história. Era o início da ascendente de "Masha", que, um ano depois, chegaria ao topo do ranking e confirmaria que a modalidade poderia casar muito bem a beleza com eficiência.

Foto: Ron C. Angle

INÍCIO DE UMA ERA

ROLAND GARROS 2005 - SEMIFINAL
RAFAEL NADAL (ESP) V. ROGER FEDERER (SUI) 6/3, 4/6, 6/4 e 6/3

Em 2005, Roger Federer era o dono do pedaço, sabia que poderia ganhar em qualquer piso e só restava ganhar Roland Garros para completar sua coroa de Slams. Era o favorito indiscutível e indisputável. Sem perder sets, cruzou na semifinal com o jovem Rafael Nadal, a quem já havia enfrentado por duas vezes e tido muitos problemas. Ao começar a partida, o suíço, como é de seu feitio, já quis se impor e mostrar para o garotão quem mandava. Sacou aberto, no backhand do espanhol, recebeu como resposta uma bola no meio da quadra, atacou na cruzada, colocando Rafa para correr e foi para a rede definir a jogada. Parecia simples, porém, o adolescente não só chegou na bola como também aplicou-lhe uma passada espetacular. Em alto nível, a partida seguiu até quase 21h na França. Com pouca luz, acreditava-se que o jogo poderia ser adiado, mas o espanhol foi minando a resistência do suíço e comemorou seu 19º aniversário caído no saibro após vencer o último ponto diante do aturdido público que lotou a Philippe Chatrier. Era apenas o início da rivalidade entre os dois.

Foto: Ron C. Angle

DE INSÔNIA PARA O SONHO

WIMBLEDON 2007 - 2ª RODADA
MARCELO MELO E ANDRÉ SÁ (BRA) V. PAUL HANLEY (AUS) E KEVIN ULYETT (ZIM) 5/7, 7/6(4), 4/6, 7/6(7) e 28/26

Em 2007, Marcelo Melo e André Sá foram à semifinal de Wimbledon e nessa campanha fenomenal travaram um duelo inesquecível. Eles entraram em quadra no sábado da primeira semana do torneio, pela segunda rodada, contra Paul Hanley e Kevin Ullyett, mas só foram sair vitoriosos na quarta-feira seguinte. Por cinco dias, em meio a interrupções pela chuva e falta de luz natural, os mineiros salvaram incríveis seis match-points e quebraram o recorde de games disputados em um único set no torneio, prevalecendo na parcial decisiva por 28 a 26 (seriam superados em 2010 pela maratona Isner x Mahut). Foram 5h58m de batalha. Sá confessa que não dormiu bem nos dias em que ia para cama sem saber o desfecho da partida. "Tive que começar sacando dois dias seguidos podendo perder o jogo, então era muito difícil dormir à noite, só ficava pensando nas jogadas que faria naquele primeiro game decisivo. Salvamos seis match-points e ganhamos com 28 a 26 no quinto. Lembro que o Guga estava lá com a gente durante todo o torneio, até treinou com a gente nos dias entre jogos e aqueceu junto antes da semifinal. Foram três jogos de 5 sets na campanha até a semifinal, duas semanas inesquecíveis que mudaram nossas carreiras".

Foto: Ron C. Angle

COMENDO GRAMA

WIMBLEDON 2008 - FINAL
RAFAEL NADAL (ESP) V. ROGER FEDERER (SUI) 6/4, 6/4, 6/7(5), 6/7(8) e 9/7

"Quem viu o Nadal jogar pela primeira vez na grama jamais pensaria que seria um dia campeão de Wimbledon", diz o mineiro Bruno Soares, uma das testemunhas de tamanha evolução. Mesmo em um piso que não favorecia seu estilo, Rafa chegou à final por dois anos seguidos, 2006 e 2007, sendo derrotado por Federer. Porém, pelo terceiro ano consecutivo, Wimbledon viu uma decisão Federer x Nadal. Surpreendentemente, o espanhol tomou logo as rédeas da partida e abriu vantagem de 2 sets a 0. A chuva, tão constante em Wimbledon, apareceu e esfriou os ânimos de Nadal e, assim, Federer conseguiu reagir e igualou o jogo após dois tiebreaks, precisando salvar match-point no quarto set com uma bola na linha. Federer era pentacampeão do torneio, mas, então, caiu a noite. O suíço acusou o golpe, perdeu o saque em momento de distração e, sob o restinho de sol que ainda sobrou no céu de Londres, Nadal foi ao solo com a bola na rede do rival. A final, até hoje, é considerada uma das mais espetaculares da história (John McEnroe: "Testemunhei o melhor jogo de todos os tempos"). Pouco depois, Nadal conquistou o ouro nas Olimpíadas e chegou pela primeira vez à liderança do ranking. Esse jogo marca o fim de uma era.

Foto: Ron C. Angle

ABSOLUTO

WIMBLEDON 2009 - FINAL
ROGER FEDERER (SUI) V. ANDY RODDICK (USA) 5/7, 7/6(6), 7/6(5), 3/6 e 16/14

Roger Federer entrou na Quadra Central para a final de Wimbledon em 2009 podendo se tornar o maior vencedor de Grand Slams da história. Do outro lado, havia Andy Roddick, um freguês de carteirinha, que havia perdido 19 dos 20 jogos do retrospecto, sendo duas finais ali mesmo em 2004 e 2005. No entanto, Roddick ganhou o primeiro set com autoridade e teve set point para abrir 2 a 0, porém pecou no momento-chave da partida. O equilíbrio era tamanho que novamente o Grand Slam inglês viu uma decisão ir para a parcial decisiva após o histórico Nadal/Federer de 2008. Bom saque de um lado, ótimo serviço do outro e o set se estendeu até o 30º game, quando uma "madeirada" de Roddick selou a disputa. Federer pulou de alegria quando percebeu o que alcançara. Roddick era a cara da derrota, mas manteve o bom humor na premiação. "Desculpe, Pete. Tentei pará-lo", olhando para Sampras, que era o recordista anterior de títulos de Major e que acompanhou a final na tribuna.

Foto: Ron C. Angle

RECORDES DOS RECORDES

WIMBLEDON 2010 - 1ª RODADA
JOHN ISNER (USA) V. NICOLAS MAHUT (FRA) 6/4, 3/6, 6/7(7), 7/6(3) e 70/68

Em 2010, Wimbledon foi marcado pelo retorno da rainha Elizabeth II ao All England Club após 33 anos. De fato, ela veio e prestigiou um pouco das ações na Quadra Central, onde tem lugar de honra, mas o que chamou a atenção da monarca e de todo o público foi a interminável partida entre John Isner e Nicolas Mahut na pequena quadra 18. Os dois estavam em quadra havia dois dias e recomeçaram a disputa à frente da rainha com o placar de 59 a 59 no quinto set. "Você tem que dar o crédito a esses dois por tudo o que estão mostrando. Não importa quem vença, ambos são vencedores", disse Djokovic. Mais 20 games foram jogados na quinta-feira, 24 de junho, e somente às 16h48, com 11h05min de duração total, somados os três longos dias, o norte-americano venceu o último ponto. Isner disparou absurdos 113 aces, uma das inúmeras marcas derrubadas naquela partida. Mesmo não sendo um primor técnico, foi um momento marcante do esporte.

Foto: Ron C. Angle

GLADIADORES

AUSTRALIAN OPEN 2012 - FINAL
NOVAK DJOKOVIC (SRB) V. RAFAEL NADAL (ESP) 5/7, 6/4, 6/2, 6/7(5) e 7/5

O tênis masculino da última década viveu uma fase de reis. Durante os primeiros anos, de 2004 a 2007, Federer foi incontestável. Depois, veio Nadal. Quando ninguém imaginava que alguém poderia se entrepor aos dois, surgiu Djokovic. Mais do que isso, todavia, o tênis foi se provando cada vez mais físico. A final do Australian Open 2012 foi a prova disso. Nole e Rafa duelarem por quase seis horas. Seis horas de jogadas de tirar o fôlego, de emoção, de drama. Nunca antes alguém tinha conseguido suplantar o espanhol no quesito físico e o sérvio o fez. O preparador físico Eduardo Faria afirma que até hoje se surpreende com o que viu naquela batalha "física". "Nesse jogo deu para perceber que a força, a potência, a velocidade e a resistência são características dominantes nesse esporte. Poucas vezes dois esportistas mostraram o valor do esporte com tanta dignidade, com tanto amor pela competitividade, sendo comprovados pelo esforço físico".

Matheus Martins Fontes

Publicado em 21 de Maio de 2013 às 05:49


Especial

Artigo publicado nesta revista