Larri Passos

O treinador de Gustavo Kuerten conta os detalhes da campanha vitoriosa de seu pupilo em Roland Garros/1997


fotos: Ron Angle/TPLNINGUÉM MELHOR DO QUE OS próprios personagens de uma façanha para contá- la. Em 1997, se existia uma pessoa próxima de Gustavo Kuerten, essa era Larri Passos. O técnico aceitou treinar Guga devido a um pedido do pai do garoto, fanático por tênis, que veio a falecer quando arbitrava uma partida. Nesse momento, o treinador passou a representar também a figura paterna do catarinense e, sempre companheiro, foi fundamental para que o menino chegasse aonde chegou. Neste ano, Larri estava em Roland Garros, não ao lado de Guga, que decidiu não disputar o torneio, mas acompanhando uma jovem e talentosa austríaca, Tamira Paszek. Uma menina que tenta trilhar os mesmo caminhos de Kuerten. Com seriedade, como lhe é costumeiro, e sem muito saudosismo, o treinador concedeu esta entrevista exclusiva, direto de Paris. Nela, ele conta suas experiências em 1997 e detalha a campanha de Guga jogo-a-jogo.

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Falando taticamente, como foi a campanha do Guga em 97? Como foi a atuação dele em cada jogo?
Em primeiro lugar, o fundamental é que toda a campanha do título de 97 começou em Hamburgo, um pouco antes. Lá estava frio, ele teve um jogo duro contra o (Richard) Fromberg na segunda-feira e que só terminou na quarta. E eu dizia pra ele: “Vamos terminar isso e treinar, precisamos acertar para mais tarde”. Ele ficava, já estava focado. Depois fomos para o Brasil, jogar o Challenger de Curitiba, e passamos a semana toda treinando a movimentação do lado direito, porque eu sabia que o pessoal ia pegar bastante nesse lado dele. E todo mundo estranhava essa dedicação depois dos jogos. E lá ele foi campeão e embarcou com astral alto. Lembro que no avião encontramos um amigo argentino e ele me perguntou sobre a perspectiva em Roland Garros e eu respondi: “Acho que dá pra chegar nas quartas”. E ele riu, achou que eu estava viajando.

Slava Dosedel - Quando chegamos aqui, vimos o sorteio e ele pegou o Dosedel, que ele tinha perdido em Monte Carlo. E desde este jogo já fomos treinando de forma específica, fortalecendo a direita cruzada. Foi boa a estréia, ganhou tranqüilo, mas continuamos treinando forte, principalmente o contra-ataque com bola baixa, que ele tinha dificuldade. Queria que ele defendesse jogando longo, ganhando tempo para voltar para a quadra. Ou seja, foi tudo planejado, não saímos da rotina.

Jonas Bjorkman - O primeiro jogo deu confiança e no segundo veio o Bjorkman, que tinha um jogo sólido, saque-e-voleio, mas Guga jogou bem de novo e foi crescendo. Tudo sempre com muita agressividade dentro da quadra.

Thomas Muster - Para o jogo do Muster, tínhamos treinado essa tática de abrir a direita para atacar a esquerda dele. E foi duro, ele teve 0/3 no quinto set e eu gritava lá do fundo para ele abrir o forehand. Mas foi importante demais essa vitória porque ele criou essa stamina.

Andrei Medvedev - Nas oitavas veio o Medvedev. O jogo parou por falta de luz e a gente foi dormir com 2/2 no quinto set. Foi uma dureza também, porque queria sempre que ele tirasse o cara do ataque.

Yevgeny Kafelnikov - Já o Kafelnikov era um cara que ele tinha treinado junto antes e que tinha perdido. Mas a gente sabia que ia ter que usar essa bola funda na direita ou tirar a bola da cintura dele de alguma forma, porque dali ele dava uns tiros.

Sergi Bruguera - A final foi perfeita, não tem o que falar. Lembro que ele estava treinando aqui na quadra 21 e fiz ele treinar esse avanço na primeira bola, batendo fundo, para jogar o Bruguera para trás. Estive agora, esses dias, com o Bruguera e comentamos sobre o jogo. Ele me disse que simplesmente não conseguiu jogar, que tentou de tudo, todas as táticas não funcionaram porque o Guga simplesmente dominou. No dia antes da final, passei pelo vestiário e vi o Bruguera com o pai dele. Estavam muito confiantes, rindo e ele achou que ia jogar bola alta na direita e o Guga ia errar. Mas treinamos muito naquela quadra 21, que hoje nem tem mais aqui. Eram sempre 30 minutos de tática e depois deixava mais uns 20 minutos para ele dar porrada até ficar perfeito.

Você e o Guga não eram muito conhecidos da mídia internacional até então. Como foi essa mudança durante a semana de competição?

fotos: Ron Angle/TPL
"Ninguém me conhecia antes e naquela semana veio uma avalanche de técnico dar opinião, mas a gente estava fechado.”

Acho que no geral deu tudo certo. Ninguém me conhecia antes e naquela semana veio uma avalanche de técnico dar opinião, mas a gente estava fechado. Essa sempre foi minha psicologia, continuar da forma que estava e não mudar nada. Lembro de cenas quando a gente estava na Suzane Lenglen fazendo bicicleta. O (Pete) Sampras estava lá pedalando e o Guga me escutando. E o Sampras não acreditava naquilo, naquele nosso estilo. A gente estava dentro do iglu. Antes da final, um técnico brasileiro, que na época se achava o melhor de todos, me perguntou como a gente ia jogar. E eu falei: “Ele vai estar no T, pegando na subida, como sempre”. Ou seja, não mudamos o plano e acho que 97 mudou a história do tênis no saibro por causa disso, porque antes era só spin do fundo e o Guga trouxe esse ataque na subida.

Você imaginava que um dia treinaria um campeão de Roland Garros?
O importante sempre foi essa confiança que ele teve no meu trabalho, que deu certo. Não foi nada por acaso. Desde quando ele tinha 15 anos estava planejando isso. Meu sonho sempre foi vir aqui e ter um menino meu ganhando Roland Garros. Por isso viajamos três meses antes na Europa e ninguém no Brasil imaginava que eu já tinha feito esse trabalho antes. Queria mostrar pra ele como era aqui, queria que ele sonhasse, que não fosse novidade. E repito, o título não começou em 97.

#Q#

Teve alguma partida que você pensou que não daria mais, que o Guga estava encerrando por ali?
Acho que não. Nunca tivemos a sensação de desistir. Sempre tivemos uma energia forte e falava pra ele lá da arquibancada: “Vai que dá (cerrando os punhos e batendo a mão no peito)!”, ou “Vamos, cavalo! Faz essa bola girar”. Ele já vinha forte, estava jogando de igual para igual com os caras e não tinha essa de respeito. Mas tivemos momentos duros, claro. Na partida conta o Kafelnikov não consegui dormir no dia anterior. Ele tinha a melhor devolução do circuito, porque não dava nada de graça, diferente do (Andre) Agassi, que atacava muito, mas errava também. E por isso a segunda bola contra o Kafelnikov era importante, pra que ele não chegasse dando porrada. E no final do jogo eu gritava para ele: “Entra no segundo saque dele e dá na bola” e foi o que ele fez. Tivemos momentos ruins, de dúvida sobre o que fazer no jogo, mas tinha essa troca com ele e não desistimos nunca.

Como foi a situação aqui durante a semana, quando o Guga passou a ganhar?
Foi uma loucura, né? Eu falava pro pessoal que eu não queria que ele trocasse a camisa, mas estavam loucos atrás dele. Teve patrocinador comprando briga e todo mundo queria falar comigo, mas eu não falava. Tentei me manter forte, duro e foi por isso que as pessoas falavam que era intratável, mas era porque eu tinha que estar no iglu. Continuo assim, para mim Grand Slam é diferente.

fotos: Ron Angle/TPL
"Tentei me manter forte, duro e foi por isso que as pessoas falavam que era intratável, mas era porque eu tinha que estar no iglu “.

Vocês chegaram a pensar em como tudo poderia mudar com o título do Guga?
Não dava para pensar. Grand Slam você ganha nos detalhes, arrumando uma coisa aqui, outra ali. É nos detalhes, treino certo, foco. E nunca pensei exatamente nisso. Claro que sabia que nossas vidas iriam mudar. Durante a semana aqui, já liguei para o pessoal do Brasil e pedi para cercar a minha academia, construir um muro. E na casa do Guga, sem ele saber, pedi para que colocassem seguranças. Não adianta, a gente sabia disso, que na volta tudo iria mudar. A diferença é que eu sempre tive uma empresa por trás, tinha um manager que deu o apoio ao Guga. Eu já estava há 12 anos na estrada, estava preparado para o dia em que alguém da minha equipe ganhasse um Grand Slam. Felizmente tinha toda esta estrutura e conhecia o meio, não era novidade.

O fato de Guga ser uma novidade no circuito ajudou na conquista?
Mas ele já vinha jogando bem antes. Faltavam detalhes, ele era o 66º, mas estava jogando num nível de top. Quando ele venceu o Agassi naquele ano, em Memphis, falei que ele estava jogando como um top 10 e ele me agradeceu. Eu disse ainda pra ele preparar a cabeça, porque a qualquer momento poderia estourar. E sempre falei pra não reclamar de nada, das quadras ruins que ele treinava quando tinha 14 anos porque um dia ia estar lá em Roland Garros. Sempre foi esse o foco.

Como é estar aqui hoje sem o Guga, dez anos depois?

fotos: Ron Angle/TPL
"Aqui dá para ver como ele foi grande. É olhar para trás e só ver coisas fantásticas”

Chegar aqui é uma emoção muito grande. Logo no primeiro dia, quando estava terminando o treino com a Tamira (Paszek), saí da quadra Suzane Lenglen quase à noite, sozinho, e fui subindo aquela rampa que dá de cara para a bandeira do Brasil. Foi realmente uma emoção muito grande que senti na hora. É incrível saber que seu jogador tem quatro títulos aqui (referindo-se ao de duplas na chave juvenil, em 94, ao lado do equatoriano Nicolas Lapentti), me sinto muito orgulhoso. E ao mesmo tempo tenho que ficar concentrado no trabalho que tenho feito com a Tamira. Tento mostrar o caminho do Guga para ela, mas preciso me segurar às vezes. O legal foi no jogo dela contra a (Justine) Henin (na segunda rodada). É que, em alguns momentos, via o Guga na quadra e não contive mesmo a emoção. Bati no peito, gritei. Aqui dá para ver como ele foi grande. Temos poucas derrotas juntos, acho que cinco só. É olhar para trás e só ver coisas fantásticas.

fotos: Ron Angle/TPL fotos: Ron Angle/TPL
Eloi Silveira

Publicado em 25 de Junho de 2007 às 14:29


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Artigo publicado nesta revista