Instrução Duplas

Inversamente proporcionais

Formação com um canhoto e destro nas duplas tem sido sinônimo de sucesso no circuito. Entenda quais são os pontos fortes nessa parceria e também descubra qual é a melhor arma para desestabilizar um par como esse


VOCÊ E SEU PARCEIRO, ambos destros, entram em quadra para o primeiro jogo no torneio. Dos adversários, não se conhece muito, apenas que um é destro e o outro, canhoto. Pode parecer realmente mera estatística ou informação descartável. Mas acredite: não é. Essa formação não traz perigos apenas nas partidas do clube, mas é uma das mais poderosas que existem no circuito profissional.

Canhoto na esquerda e destro na direita?
Nem sempre

Aliar características de quem joga com a mão direita com o seu oposto do mesmo lado da quadra é uma tática muito válida para causar desconforto nos rivais. Não é à toa que o topo do ranking nos últimos cinco anos tem permanecido nas mãos dos irmãos Bob e Mike Bryan. E, pouco antes, quem não se lembra do reinado dos “Woodies”, com o destro Todd Woodbridge e o canhoto Mark Woodforde na dianteira da modalidade?

Opostos se atraem

Os destros Bruno Soares e André Sá, dois dos melhores duplistas do Brasil, já uniram forças com canhotos antes e perceberam o quanto podem se beneficiar por jogarem ao lado de um parceiro de estilo distinto. Soares, atual vice-campeão do US Open, atuou por seis meses em 2012 ao lado do norte-americano Eric Butorac e, nesse período, comprovou que o fato de o parceiro “fazer tudo ao contrário” é uma baita vantagem, porque tira a adaptação dos rivais.

“Você não encontra com tanta frequência jogadores canhotos. Estatisticamente, apenas 10% dos atletas do circuito são. E eles colocam todo aquele efeito contrário, batem uma bola diferente que tira a gente da quadra. Você vê o que o Nadal faz com o Federer e os outros. Nas duplas, ter um canhoto e um destro na mesma formação é a combinação perfeita, porque eles estão sempre mudando a forma de jogar”, explica Soares.

Sá concorda com a visão do amigo, principalmente pela capacidade dessa formação confundir a cabeça dos adversários. “Não é fácil para a dupla adversária se adaptar à variação do jogo dessa parceria. O canhoto vai para o saque. Agora é o destro, depois volta o canhoto, então demora muito para os rivais pegarem o ritmo na devolução. Daí acontece a mesma coisa no saque. Os rivais têm que sacar diferente, porque o serviço favorito deles funciona somente contra um dos dois. Por isso que os adversários sentem dificuldade também de pegarem o ritmo contra um canhoto e um destro devolvendo”, reforça o experiente jogador de 36 anos, que jogou o US Open 2013 com o canhoto Feliciano Lopez.

Inversamente proporcional

É normal pensar que, nesse tipo de formação, o canhoto deve cobrir o lado esquerdo da quadra, enquanto que o companheiro defende o canto oposto. Afinal, um joga com a mão esquerda e o outro, com a direita. Mas não é sempre assim que acontece. Soares afirma que inverter a formação no fundo é a melhor tática para canhoto e destro, pois ambos ficarão com os forehands no centro da quadra, o que influenciará positivamente na segunda bola, ou seja, aquela logo depois da devolução. “Recomendo a formação invertida. Quando os dois estão no fundo, eles estão com o forehand no meio. O lugar menos difícil para mandar a bola é no centro da quadra, porque a rede é mais baixa, e você tem mais espaço para trabalhar. É muito mais difícil trabalhar as paralelas e os dois no fundo vão estar com os forehands para jogar”, mostra o 4º melhor duplista do mundo.

Com essa formação, a chegada à rede também será privilegiada para a dupla, já que eles – com o canhoto no lado “do iguais” e o destro no “da vantagem” – terão maior alcance nos voleios e poderão surpreender os rivais, interceptando a jogada de forma agressiva. “Suponhamos que estou jogando com um canhoto e ele faz uma boa devolução no ‘iguais’. Se o adversário não jogar uma bola tão boa na cruzada, eu, que estou na rede, posso cruzar e interferir com o meu voleio de direita. Vou ter mais força e um maior alcance. Se fosse o contrário, eu teria que cruzar na rede com o voleio de esquerda e não teria tanta potência quanto o de direita”, emenda Soares.

Outro lado da moeda

Os irmãos Bryan, por exemplo, costumam jogar “invertidos”

Mas se já passaram pela experiência de terem o parceiro canhoto como aliado, Sá e Soares também conhecem as dificuldades quando enfrentam esse tipo de formação. Conterrâneo dos dois e outro exemplo na modalidade, Marcelo Melo já está tão calejado de se deparar com esse tipo de dupla que aprendeu macetes para neutralizar o jogo desses adversários. Porém, ele crê que o primeiro passo para derrotar uma parceria como essa é reconhecer o que os adversários têm de melhor. “A dupla com um canhoto e um destro tem a vantagem da variação. Quando vou para o saque, não mudo a maneira de servir só porque tem um destro e canhoto do outro lado. Procuro sempre analisar os fundamentos dos adversários antes do saque”, opina Melo.

Soares mantém o ponto de vista do ex-parceiro e enfatiza a importância do estudo prévio para esclarecer quais pontos explorar no jogo contra essa formação. “Você tem que fazer o dever de casa, conhecer os adversários, porque na hora que for para o saque, por exemplo, você já vai conhecer o lado que os caras devolvem melhor. Não é sempre que o destro se sente mais confortável batendo o forehand. Ele pode devolver melhor de revés, então, nesse caso, vou procurar sacar mais na direita. O canhoto pode devolver melhor de backhand, nem sempre de forehand, então é o contrário”.

“A variação pode ser também um ótimo recurso para desestabilizá-los”, alerta Sá. Quando enfrenta esse tipo de dupla, o mineiro nunca mantém o mesmo saque destinado ao canhoto e destro. Ele revela sua estratégia: “Quando o canhoto joga ‘no iguais’, geralmente, a tática que sigo é de 80% dos saques abertos na esquerda (backhand) e 20% no ‘T’ para variar. No destro, normalmente se saca mais no ‘T’ e no corpo. O saque aberto entra como variação. O normal nas duplas é sacar mais no ‘T’, pois seu parceiro pode participar mais”.

E se não der certo?

Neste US Open, os irmãos Bob e Mike Bryan falharam na tentativa de alcançar o verdadeiro “Grand Slam” (quando o jogador vence os quatro Majors na mesma temporada), mas deram uma amostra de como uma dupla não deve entrar em desespero se a estratégia inicial não funcionar a princípio. Na fase de oitavas de final, os gêmeos americanos, que fazem o uso da tática de formação inversa, enfrentaram os canadenses Daniel Nestor e Vasek Pospisil (dupla formada também por um canhoto e um destro), que, agressivos e com alta porcentagem de primeiro saque, fecharam o primeiro set no tiebreak.

No intervalo, então, os Bryan tomaram a difícil decisão de trocarem de lado na devolução – Mike, destro, foi destinado ao lado do “iguais”, enquanto que Bob, canhoto, dirigiu-se para o lado da vantagem. “Foi ideia de Bob”, confessou Mike na coletiva pós-jogo. “Ele veio até a mim e disse: ‘Quer trocar de lado?’ Foi muito sério o que ele me pediu, porque nunca treinávamos do outro jeito. Devolvi do lado direito poucas vezes nos últimos três, quatro anos. Não nos sentimos muito confortáveis com nossas segundas bolas devolvendo assim. Não éramos acostumados a cruzar com o voleio de backhand para o meio. Mas quando você está desesperado, não tem nada a perder, porque não tínhamos tantas esperanças de vencer se continuássemos jogando do outro jeito”, explicou Mike. A nova tática tirou a dupla número 1 do “buraco” e garantiu a virada dos americanos.

Dessa forma, nem sempre a formação mais confortável para uma dupla composta por um canhoto e destro pode causar o efeito desejado, portanto é importante que os dois tenham outras cartas na manga. Aconteceu com a melhor dupla da atualidade, então é possível que aconteça com você também. Portanto, treine outras jogadas para diversificar seu arsenal, principalmente quando a coisa apertar.


Para jogar contra uma formação assim, é preciso atenção e saber variar as jogadas

No entanto, estudar os adversários, verificar os pontos falhos de cada um nos lados da quadra, pensar em maneiras para anular o estilo alheio, nada disso surtirá efeito se quem procura bater esse tipo de dupla não conhece o que faz de melhor e onde fica sua vulnerabilidade. Soares avisa: “Antes de saber dos adversários, você deve ter em mente a sua forma de jogar e a do seu parceiro. Juntos, devem ter certeza dos seus pontos fortes e fracos, sabendo trabalhar o jogo em cima disso. As duplas proporcionam uma possibilidade maior de esconder suas fraquezas, porque se joga em duas pessoas, mas o segredo é saber usar a vantagem do que vocês têm de melhor e pior”.

Qual é a pior formação para se enfrentar nas duplas?

Bruno Soares
Para mim, uma com destro e canhoto. Se você pensar num saque, você nunca pega um ritmo para devolver. São sempre efeitos contrários. O canhoto sempre acerta a bola do lado oposto do destro. No caso de você jogar contra dois canhotos, obviamente será complicado de início, porque o saque de canhoto incomoda mais, é mais difícil de ler, mas à medida que vai passando o jogo, a tendência é que você pegue o tempo de bola e se acostume. No caso do destro e canhoto, já é mais difícil, porque, em um ponto você devolve o saque do canhoto. Daí, no outro, você devolve o do destro. Fica nesse troca-troca e prejudica muito a sua adaptação.

Marcelo Melo
Com dois canhotos. Como estamos mais acostumados a devolver o saque de destro, a maioria tem mais dificuldade de devolver o saque do canhoto, pelo efeito e a trajetória da bola serem diferentes.

André Sá
Jogar contra canhotos é sempre mais complicado, porque a maioria dos jogos de tenistas canhotos é contra jogadores destros. Um canhoto lhe faz mudar totalmente a tática. Mas diria que jogar contra uma dupla que tem um destro e um canhoto é mais difícil do que uma com dois canhotos, justamente pela variação. Contra dois canhotos, você se adapta e joga o mesmo estilo a partida inteira. Já contra um destro e um canhoto, você tem que se adaptar ao estilo em todos os games

Por Matheus Martins Fontes

Publicado em 22 de Setembro de 2013 às 00:00


Duplas Bob e Mike Bryan Todd Woodbridge Mark Woodforde Bruno Soares André Sá canhoto

Artigo publicado nesta revista