Guillermo Coria

Afastado do circuito por mais de um ano, o "Mago" diz ter recarregado as baterias e estar pronto para voltar. Mesmo sem ritmo e confiança, ele ainda é capaz de mostrar a genialidade que o levou ao terceiro lugar no ranking


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O ano é 1999. Após terminar a temporada anterior como número cinco do mundo no ranking juvenil, Guillermo Coria começou o ano seguinte no topo da lista, pois os garotos que estavam à sua frente estouraram a idade limite. Seu primeiro torneio em 1999 seria o Argentina Bowl, etapa do circuito Cosat, que compreende 11 competições pela América do Sul. Jogando em casa, ele era favorito contra qualquer adversário. Contudo, o primeiro oponente revela o que ocorreu a seguir:

"Lembro que no dia do sorteio da chave eu estava perto de uns amigos e assim que apareceu meu nome para jogar contra o Coria, todo mundo deu risada. Até aí tudo tranqüilo. No começo não tinha quase ninguém assistindo a partida, mas, quando ganhei o primeiro set, juntou uma galera do lado da quadra. Na virada, o cara colocou fone de ouvido e ficou ouvindo música. Pensei: 'Pô, já era! Ganhei!' Fiz o primeiro game do segundo set e depois não fiz mais nada...", conta Luiz Carvalho, gerente de operações de mídia e marketing da ATP.

No fim, o placar da partida foi 4/6, 6/1 e 6/2 para Coria, que venceu o torneio sem perder mais nenhum set e meses depois ganhou a versão juvenil de Roland Garros. O argentino seguiu carreira profissional e o brasileiro foi estudar nos Estados Unidos. E apesar de tomarem caminhos distintos, eles voltaram a se encontrar anos mais tarde. Na Costa do Sauípe, Coria mal lembra de que Carvalho foi seu adversário nos anos de juvenil, mas a verdade é que o "Mago" parece que também não se lembra de outras tantas coisas que um dia o levaram ao terceiro lugar do ranking da ATP e a ficar mais de 30 partidas sem perder no saibro entre 2003 e 2004, seus melhores anos no circuito.

Muitos crêem que depois da final de Roland Garros em 2004 contra Gaston Gaudio, Coria - que era favorito e perdeu com cãibras - nunca mais se recuperou. Contudo, sua má fase teve início dois anos depois, com uma contusão no ombro. Aí começaram os problemas com o saque. Para piorar, nesse período surgiram boatos de que a bela Carla, com quem o argentino é casado desde 2003, estava pedindo divórcio. Os rumores foram desmentidos e, logo em seguida, o tenista preferiu se afastar das quadras por um longo período.

Após disputar apenas duas partidas no ano passado e sem vencer um jogo desde julho de 2006, foi no Brasil que Coria voltou a sorrir. Ele venceu um duelo cheio de altos e baixos contra o qualifier italiano Francesco Aldi e afirmou: "Hoje é um dos dias mais felizes da minha carreira". Porém, ainda lutando contra o tempo, a falta de ritmo e confiança e as várias duplasfaltas, perdeu na rodada seguinte. "É isso que tenho que aceitar. Não tenho o nível de um top 10 e estou muito distante disso. Mas como venho treinando e lutando dia-a-dia, tomara que volte a ser", afirmou.

Arnaldo Grizzo
Coria busca forças para voltar ao circuito e, pensndo em Carla, beija o anel de casamento

Nesta entrevista exclusiva à Revista TÊNIS, o "Mago" se mostrou confiante quanto ao retorno e garantiu que nunca pensou em parar definitivamente durante o longo tempo longe da turnê. Ele fala ainda dos reais motivos que o levaram a perder a confiança no saque. E o que todos puderam observar em seu jogo durante o Brasil Open é que, com a bola em quadra, Coria certamente continua sendo um dos tenistas mais habilidosos do circuito.

No fim de 2001 você estava subindo no ranking, foi suspenso por doping e teve de voltar. Como é ter que recomeçar novamente?
É um desafio lindo para mim sair de zero depois de quase um ano e meio sem competir. É como a sensação de quando estava recém-começando. É difícil voltar a se adaptar, mas estou tranqüilo e contente.

Quais os planos para este ano?
Depois desta gira sul-americana vou ao Marrocos e à Itália para cinco Challengers, para pegar mais ritmo, jogar mais partidas e depois voltar aos ATP s. Jogo estes (ATP s) porque estão perto da Argentina e são torneios lindos. Mas é difícil partir para os torneios grandes depois de tanto tempo sem jogar. Vou jogar Challengers para pegar confiança e chegar a Roland Garros muito bem. Esta é a meta.

Ron Angle/TPL
Carla, esposa de Coria, costuma estar sempre ao seu lado nos torneios. Só não vai quando tem provas na faculdade

São vários os argentinos que recomeçaram e tiveram sucesso. De onde vem isso? Está no sangue?
Sim, o sangue argentino, o argentino é assim. Não sei qual é o método, mas é verdade que vários argentinos recomeçaram de zero e foram bem.

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Você ficou mais de um ano sem jogar. É bastante tempo para pensar. O que passou pela sua cabeça?
Descansei muito, estive muito com a minha família e amigos, fiz muitas coisas que desde pequeno não podia fazer. Desde os sete anos estou viajando para todos os lados sem parar e tinha vontade de descansar um pouco e desfrutar de tudo o que fiz. E agora quero juntar forças para voltar ao circuito e quem sabe vencer torneios. Descansei muito, necessitava sair do circuito um pouco.

Mas não pensou em parar?
Não. Sabia que ia voltar, por isso me mantive treinando. Treinava todos os dias, mas não tinha vontade de estar no circuito, queria estar um pouco afastado e voltar com muita vontade. Estava muito cansado.

Você acha que todo este tempo parado lhe prejudicou ou ajudou?
Para mim ajudou porque necessitava parar. Não tinha mais vontade de estar no circuito, de agüentar o calor que faz nos torneios, de ir treinar com 40ºC. Já estava saturado, a cabeça estava cansada. Se não tenho vontade de jogar, de correr, meu jogo não é bom, porque o meu aspecto mais forte é correr, estar concentrado e lutar. Então precisava parar, porque não tinha vontade de seguir suportando calor, viajar o tempo todo. Creio que parar um ano e meio me prejudicou um pouco, mas ganhei por juntar forças para jogar quatro ou cinco anos mais.

"Não mude nada quando você se sente bem com uma técnica. Eu era número três ou quatro do mundo e foi uma loucura querer mudar algo"

Para mim, o melhor de seu jogo não é correr, mas a habilidade...
Sim, mas é tudo. Somente com a habilidade não é possível. Se não se está bem fisicamente, se não tem vontade de correr, lutar, só com o talento não basta.

De onde vem o seu talento?
É natural. Não é algo que se aprende. Creio que se nasce com isso e, com o treinamento no dia-a-dia, se melhora e desenvolve o que se faz bem, como o drop, bons ângulos. Tudo isso se pratica também.

Um dos seus ídolos de infância é Marcelo Ríos, não? Você se inspirou nele?
Sim, "Chino" Ríos e Agassi eram meus ídolos. Ríos tinha muito talento, um fenômeno, uma lástima que se aposentou jovem. Um jogador muito lindo de ver pela televisão ou ir ao estádio. Ver suas partidas era muito lindo.

Uma vez você disse que um dos tenistas mais habilidosos que há é Gaston Gaudio. Por quê?
Porque joga diferente de todos os outros, faz coisas distintas. Tem um revés muito lindo e bom, e também muito talento. É um jogador diferente. Pergunte a qualquer jogador e ele vai dizer que Gaudio é um jogador com muito talento.

As partidas entre vocês sempre foram duras. Qual sua relação com ele?
Sim, eram partidas complicadas porque tínhamos um jogo muito parecido. A relação é normal, boa. Não é meu amigo, mas é normal. Tampouco inimigo.

Seu nome foi dado em homenagem a Guillermo Vilas. O que ele representa para você?
Muito. Para mim e para todos os argentinos foi o melhor jogador do tênis argentino e mundial. É um jogador que ganhou muitos torneios importantes e dá bons conselhos.

Você costuma treinar no Vilas Club?
Sim. Este ano estive lá. Quando estou lá, treinamos.

Seu irmão, Federico, também joga. O que os seus pais pensam de ter dois filhos tenistas?
Ele está jogando o circuito Cosat nos 16 anos. É algo raro que dois irmãos estejam jogando tênis. Ele está apenas começando e tem um futuro interessante. Tomara que possa jogar bem e estar aqui nestes torneios. Mas ainda é jovem.

Que conselhos dá a ele?
Que desfrute muito. Que esta é a idade de aprender. Não se deve pressionar para ganhar, ganhar e ganhar. O mais importante é ir melhorando seu jogo diaa- dia, ir crescendo, e chegar ao circuito profissional o mais completo possível.

Há algo que você tenha feito mal durante o profissionalismo que diga a ele para que não repita?
Não ficar louco por ganhar. Treinar duro e ser profissional e, depois, se ganhar ou perder, ficar tranqüilo de que fez o melhor possível durante a partida. Nunca entrar numa partida e entregála. Sempre lutar até o final, seja qual for o resultado.

Você é uma pessoa bastante tímida e reservada e, há alguns anos, começaram alguns boatos sobre sua família, sobre separação com sua esposa, Carla. Como você reagiu a isso?
Foi triste, difícil. Foi um boato. Não sei por quê. Com minha mulher sempre estive muito bem. Ela me acompanha a todos os torneios. Não veio para cá porque está estudando e tem um exame na próxima semana (Carla estuda contabilidade). E quando não viaja é porque tem provas na universidade. Se não, viaja sempre. E não sei por que aconteceram esses rumores.

"(Roland Garros 2004) É apenas um torneio, não é vida ou morte"

Há poucos dias, em Viña del Mar, surgiu a notícia de que seu pai preferia que você tivesse parado...
É o pensamento de meu pai, não sei por que disse isso...

Você falou com ele?
Sim, estava no Chile quando fez a declaração. Não sei por que falou com um jornalista. Mas é o seu pensamento. Ele, como pai, vê que o filho não está bem e fica mal. Mas é o que ele pensa. Eu tenho vontade de seguir jogando, estou bem, começando pouco a pouco...

Os problemas com o saque começaram quando você resolveu mudar a empunhadura para sacar mais forte. Por quê resolveu mudar?
Tinha um treinador novo (José Perlas)...

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Arnaldo GrizzoMas você mudou por causa dele ou foi uma opção sua?
Pelos dois. Hoje não faria. Um conselho a meu irmão é: 'Não mude nada quando você se sente bem com uma técnica'. Eu era número três ou quatro do mundo e foi uma loucura querer mudar algo. E não foi bom. Como experiência não vou fazer nunca mais.

Você jogou aqui em 2002, fez uma final incrível com Guga e a torcida lhe hostilizou muito...
Mas era uma final contra Guga. É difícil jogar com o público tanto mais quando se joga contra Guga. Mas as pessoas aqui são boas, é um torneio tranqüilo, o hotel está perto. Eu tinha vontade de voltar. Sinto-me bem de estar aqui.

E como o público está lhe tratando agora, seis anos depois?
Bem. Muito simpático. Joguei em Belo Horizonte (etapa da Copa Petrobras) no ano passado e o público foi muito bem. Gosto de jogar no Brasil.

Em belo Horizonte você abandonou com dores nas costas, mas depois foi à Assunção na semana seguinte e disse que seu técnico queria que você terminasse uma partida. Por quê?
Para estar concentrado e, aconteça o que acontecer, terminar a partida. por mais que esteja jogando bem ou mal, terminar a partida, porque vinha de duas ou três partidas seguidas em que havia abandonado. então queríamos terminar uma.

O que significou para você a final de Roland Garros 2004?
Foi difícil. Mas hoje é tranqüilo, normal. é apenas um torneio, não é vida ou morte. Mas roland Garros segue sendo meu sonho de poder ganhar alguma vez. estive muito perto de ganhar em 2004. Foi uma lástima, mas já se passaram quatro anos. é muito tempo.

"Tenho fé de estar entre os 10, porque hoje todos os que estão lá são da minha época e ganhei de vários deles várias vezes"

Você foi sozinho para os Estados Unidos treinar com 13 anos...
Sim, aí decidi jogar tênis...

Faria isso novamente?
Sim, porque foi muito importante para mim. Viajar, estar sozinho e me dar conta de que o tênis era o que eu gostava. Foi difícil aos 13 anos cozinhar sozinho, lavar a roupa, viver sozinho, mas foi uma experiência que serviu para o meu futuro no tênis.

fotos: Arnaldo GrizzoOuvi dizer que você está pensando em escrever uma biografia, é verdade?
Sim, mas no futuro. Contar tudo o que vivi no tênis. todas as experiências boas e más. seria um livro interessante.

Quando vê o ranking de hoje, onde crê que mereceria estar?
Tenho fé de estar entre os 10, porque hoje todos os que estão lá são da minha época e ganhei de vários deles várias vezes. Mas hoje a única coisa que penso é voltar ao circuito e ir conseguindo as coisas uma por vez. ritmo, confiança e este ano poder chegar entre os 100. e no próximo ano pensar mais alto.

O seu retrospecto contra a maioria dos jogadores argentinos é favorável a você. Como você vê isso?
Tranqüilo. Contente. é uma alegria muito grande ser o argentino hoje com mais torneios ganhos. Ganhar trinta e poucas partidas seguidas em saibro em 2003 e 2004. é uma alegria muito grande de que desfruto. neste ano e meio que estive fora me dei conta de todas as conquistas que tive e me dei conta de que foi mais do que esperava quando era pequeno. tomara que siga com o recorde positivo.

PERFIL

 

GUILLERMO SEBASTIAN CORIA

NASCIMENTO
13 de Janeiro de 1982 em rufino, Argentina

RESIDÊNCIA
Venado tuerto, Argentina

ALTURA E PESO
1,75 m e 69 kg

MELHOR RANKING
3º em simples (03/05/04)
183º em duplas (01/03/04)

FAMÍLIA
- Carla, esposa, estuda contabilidade (casados desde 27 de dezembro de 2003)
- Oscar, pai e técnico de tênis, e Graciela, mãe e dona de casa
- Federico e roman, irmãos mais novos

TIME
River plate

Arnaldo Grizzo

Publicado em 3 de Março de 2008 às 10:47


Perfil/Entrevista

Artigo publicado nesta revista