Cheio de ginga, com nome de gringo

Um dos destaques da etapa paulista da Copa Petrobras, Christian Lindell foi, durante todo o torneio, uma verdadeira incógnita para os torcedores. Das arquibancadas, todo tipo de teoria sobre o jogador sueco com sotaque de carioca podia ser ouvida


"BOLA, POR FAVOR!" - Pede Christian Lindell, em um português impecável, em seu jogo de estreia na Copa Petrobras. No placar, as letras SWE ao lado de seu nome indicam, para confusão geral do público, que ele joga pela Suécia. "Mas quantas línguas ele fala?", "Ele não é sueco?", "A família dele deve ser de Portugal". As tentativas de decifrar aquele jogador cheio de ginga com nome de gringo eram muitas. Principalmente porque, neste momento, ele vence o brasileiro João Souza, uma das promessas do tênis nacional. De início, as três letras iniciais no marcador provocam certa hostilidade da plateia. Mas, aos poucos, o sorriso e a simpatia, típicos de um verdadeiro carioca, vão conquistando até os mais fiéis torcedores verde-eamarelos.

divulgação Copa Petrobras

Christian Lindell nasceu no Rio de Janeiro em 1991, filho de Márcia Meira, brasileira, e Lars Lindell, sueco.
A oportunidade de jogar pelo país de seu pai veio durante as férias de 2007, quando viajou para a Suécia e acabou disputando um torneio por lá. Com 16 anos na época, ele venceu a competição e foi logo chamado para jogar por sua segunda nacionalidade, recebendo apoio técnico e a possibilidade de participar de jogos na Europa. A situação poderia ser desconfortável para outros tenistas, mas não para Lindell. Dono de um controle admirável nas quadras, encarando as situações mais difíceis com uma boa risada, ele conta que não se sente mal por representar outro país: "Jogando pela Suécia, tenho vantagens que nunca tive enquanto jogava pelo Brasil, mesmo estando sempre entre os quatro melhores juvenis do País".

A história de amor entre Lindell e o tênis começou aos oito anos de um jeito meio por acaso e sem muitas pretensões. "Joguei uma vez, porque meu pai sempre jogava, gostei e aí continuei a jogar", lembra. Incentivo e apoio vêm, principalmente, de Lars. Para a mãe, sobram a saudade e a preocupação. "No último ano, fiquei cinco meses na Suécia. Ela foi me visitar três vezes", diz, com a perplexidade ingênua de quem ainda não entende o que é um coração materno. A maior parte do tempo livre é gasto com a família, que ainda é composta por três irmãos mais novos - Eric, de 14 anos, Lucas, de nove, e Nicolas, de oito.

"Fiquei cinco meses na Suécia. Ela (a mãe) foi me visitar três vezes"

"Ah, eles me acham o máximo, né?", brinca Lindell ao falar sobre os caçulas. Morador da Barra da Tijuca, divide o tempo entre a casa da mãe e do pai, além de aproveitar para descansar um pouco também em sua casa, em outra cidade maravilhosa, Búzios. "Passo muito tempo viajando, por isso, quando volto para o Brasil, aproveito para ficar sossegado com a família e com os amigos".

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divulgação Copa Petrobras

"Quero ver você chorar"
Este ano, o descanso será mais do que merecido. Lindell começou 2010 ocupando o 950º lugar do ranking da ATP, e irá terminá-lo mais de 500 posições acima, perto do top 350. Além disso, o carioca atualmente já é quarto maior tenista da Suécia, o que possibilitará que participe até mesmo da Copa Davis. Também este ano, o jovem ganhou o seu primeiro torneio profi ssional, o Future II ITT Tênis Cup, realizado em Fernandópolis. A competição ocorreu apenas duas semanas antes de sua surpreendente atuação na etapa paulista da Copa Petrobras, onde derrotou o então número 101o do mundo, João Souza (o Feijão), na estreia.

Chegando às semifinais, acabou perdendo para Thomaz Bellucci, mas o esforço foi suficiente para fazer com que ele subisse 80 posições no ranking da ATP. Orgulhoso, ele comemora suas conquistas, mas afirma que mantém os pés no chão. "Sei que ainda tenho muita coisa para melhorar e é justamente isso que me dá a motivação para trabalhar mais e, assim, chegar mais longe", diz.

Atualmente, Lindell é o quarto "sueco" no ranking da ATP e
tem grandes chances de jogar pela Suécia na Davis

Tanta determinação foi posta à prova no início deste ano, durante o torneio de Antalya, na Turquia. "Nas três semanas da competição, joguei muito mal, acabei perdendo cedo, duas vezes ainda no qualifying. Mesmo treinando muito, parecia que os resultados não vinham", lembra. No entanto, o plano que Julius Demburg, técnico que o acompanha na Suécia (no Brasil, ele treina com Ricardo Acioly), era de justamente não ligar para resultados. Para o primeiro semestre de 2010, a intenção era de que Christian melhorasse muito como tenista, sem ligar para pontuações, e que, a partir de julho, começasse a colher os frutos dessa melhora. "E foi mais ou menos isso o que aconteceu", diz o tenista. Ele conta de um treino em que teve que correr tanto que achou que fosse passar mal. "Eu falei brincando para o meu técnico: 'pelo amor de Deus, não aguento mais, vou chorar', e ele respondeu 'eu quero ver você chorar quando voltar ao Brasil e ganhar os seus 60 pontos na ATP'".

Ídolo Suíço
Lindell passa pelo menos três meses por ano treinando na Suécia, normalmente durante o verão europeu. Carioca que é, prefere fugir de lá durante o inverno. Entre um treino e outro, aproveita para navegar na internet e ouvir música - de preferência hip hop e eletrônica. Nunca foi muito de ler, apesar de ter devorado as biografias de Pete Sampras e Andre Agassi. Seu ídolo, no entanto, é Roger Federer. "Para mim, ele é o melhor de todos", revela. Quando questionado sobre a atual fase do suíço, ele defende: "Todo tenista passa por isso. Em 2009, perguntavam se o Nadal ia voltar a jogar bem e hoje ele é o número um do mundo. Mas ano que vem é do Federer".

Solucionando o mistério
Faltando poucos pontos para vencer a partida de estreia da Copa Petrobras, Lindell solucionou seu próprio mistério para os torcedores. Aproveitando a bola de um saque errado de João Souza, começou a fazer embaixadinhas, embalado por gritos e aplausos surpresos da plateia. A recepção é calorosa: "Esse daí é do Brasil!", "Gringo não tem essa ginga toda!", "Esse daí é mais brasileiro que todo mundo aqui". Ao final do jogo, o sueco havia ganhado não só a partida, mas também a simpatia da torcida adversária.

Fabiana Pires

Publicado em 18 de Novembro de 2010 às 06:49


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Artigo publicado nesta revista