Brasil volta a torcer pelo Brasil

A vitória de Bellucci em Santiago, título de Tiago Fernandes no Australian Open, excelentes campanhas de Feijão e Mello, 10 anos do principal torneio do Brasil; tudo conspira favor do tênis nacional, que volta ter tenistas entre melhores do mundo...


foto: Cesar Pinchera/MovieStarOpen
Thomaz Bellucci

Acordou. O tênis parece que, enfim, despertou. Hibernando desde que o jogo de Gustavo Kuerten entrou em fase terminal, o esporte das raquetes finalmente dá sinais de vida no Brasil. E agora, meia década após os últimos bons dias de Guga, a "armada" brasileira vem com força total, com energia que não se notava nem naquela época e com um bom número de bons jogadores, de herdeiros do "rei Gustavo", que em sua época carregava quase sozinho (Fernando Meligeni merece, também, uma menção) o esporte no país.
Aos poucos e longe dos olhares da grande mídia, ou pelo menos sem tanta atenção da imprensa não especializada, o Brasil assiste o ressurgir da competitividade de seus principais tenistas em nível mundial. O fenômeno, que se anunciara ano passado com o título de Thomaz Bellucci e a semifinal de Marcos Daniel em Gstaad, na Suíça, não apenas foi ratificado, como se intensificou, com o começo da temporada 2010. Se em 2009 tínhamos o promissor Bellucci e o batalhador Marcos Daniel em destaque, hoje, não muitas semanas depois, os fãs brasileiros, outrora mal acostumados com as peripécias de Guga, testemunham o melhor começo de ano dos atletas locais.

foto: Cesar Pinchera/MovieStarOpen
João Souza

Se Daniel não repete seus melhores momentos, outros valores, como João Souza, o Feijão - até poucos dias atrás uma promessa - solidificam a impressão de que, ao contrário do que acontecia nos tempos de Gustavo Kuerten, a nova geração tem tudo para escapar do estigma de "exército de um homem só". Feijão - que é treinado por Ricardo Acioly, ex-capitão brasileiro da Copa Davis e ex-técnico de Meligeni - se destacou ao chegar às quartas-de-final no Aberto de São Paulo, seu primeiro torneio do ano; bom resultado esse, que seria apenas o prenúncio de um vôo ainda mais alto. Menos de um mês depois, lá estava o garoto de Mogi das Cruzes, 21 anos, destemidamente, furando mais um quali e alcançando a semifinal no ATP de Santiago.

Futuro ou presente ?

Feijão começa agora a reluzir sob os holofotes da atenção do público brasileiro, fazendo a entrada no top 100 - objetivo comum de todos os que batalham por um espaço no tênis - parecer uma questão de pouco tempo. Assim como ele, um alagoano, ainda mais jovem, se candidata ao posto de ídolo do esporte brasileiro.
Tiago Fernandes, antes mesmo de romper a barreira do profissionalismo, já extrapolou os limites do fechado "mundinho" dos tênis. Treinado por Larri Passos, dono de um forehand implacável e de um serviço de respeito, o número três do ranking da ITF - que se tornou o primeiro brasileiro a vencer um Grand Slam juvenil - já é visto pelo grande público como o homem (ou garoto, no caso) a substituir Guga. Ainda uma promessa no circuito profissional, não é exagero considerar Fernandes (que demonstra, não obstante a badalação, pontos fracos, como o backhand), o novo pupilo da academia de Larri, um bom fruto dos novos tempos, porque, pelo menos no juvenil ele fez o que nenhum outro fez. As expectativas são, justamente, as melhores possíveis.

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foto: KochTavares/Brasil Open
Ricardo Mello voltou a brilhar

O cara

Tiago Fernandes e João Souza dão um tempero saboroso ao jogo de tênis no Brasil atualmente. Não há, porém, dúvidas de quem é o cara, ou, seguindo a infame metáfora culinária: não há dúvidas de quem é o prato principal deste banquete.
Em 2010, Thomaz Bellucci confirmou ser o principal nome brasileiro no circuito ao vencer seu segundo torneio ATP em menos de seis meses. Em Santiago, o brasileiro mostrou novamente um tênis moderno, com fortes golpes da base - em especial seu forehand vencedor -, e excelente serviço (até 15 de fevereiro constava como oitavo tenista com mais aces na temporada, com 99). Mais que isso, o ainda jovem Bellucci, 22 anos, firmou-se em meio aos grandes jogadores da atualidade. A vitória sobre Gonzalez em Santiago confirma: sim, ele pode estar entre os maiores.

E é esse o objetivo de Bellucci e seu treinador João Zwetsch - promovido em fevereiro ao cargo capitão da Davis -, que planejam um ano mais charmoso que o habitual, ao som das grandes plateias e ao sabor das grandes partidas, como confirma o treinador: "Vamos priorizar os grandes torneios, os Masters 1000, principalmente". Assim, o brasileiro dá adeus ao Challengers da vida e se torna o primeiro desde Guga a correr o circuito senão como estrela - o que, em nível internacional, ele ainda não é -, pelo menos como mais um nome conhecido e respeitado pelo público e, principalmente, pelos adversários.

foto: KochTavares/Brasil Open
Novamente tivemos um favorito ao título na Costa do Sauípe

Guga e os novos Pelés

Costuma-se dizer que não se fez tudo o que se deveria e poderia ter sido feito com o tênis brasileiro a partir do surgimento de Guga. Visão essa que encontra procedência na realidade, especialmente a julgar pela pobreza de resultados dos herdeiros do catarinense até não muito tempo atrás e, mais ainda, quando tomamos como parâmetro o que foi Gustavo Kuerten e a fome por ídolos do público nacional, especializado ou não. Somos, afinal, ainda um país à espera de herois.

Mais que heroísmo, Guga deixou, contudo, outro legado. Como bem lembra o colunista da Folha de S. Paulo, Régis Andaku, em texto publicado em 10 de fevereiro deste ano. As vitórias do maior nome do tênis masculino do Brasil, se não foram suficientes para elevar o nível e a popularidade do esporte no Brasil a patamares, digamos, ideais, pelo menos fizeram uma geração inteira - essa que agora começa a trilhar seus passos com firmeza - acreditar que o triunfo no esporte é um sonho possível. "Para eles, não existiam herois de outros planetas. Estes eram meros "fregueses do Guga", um sujeito tão gente boa e tão carismático que lhes fazia o papel de irmão mais velho", lembra Andaku em sua coluna, em referência à geração de Bellucci, Feijão e Fernandes.

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foto: KochTavares/Brasil Open
Tiago Fernandes, campeão do Australian Open, ganhou convite para o quali na Bahia

Para os expoentes de outras gerações, Guga foi simplesmente um ponto fora da curva, um Pelé em tudo que essa significação implica, o homem que inverteu a lógica inexorável do derrotismo que regia o tenista brasileiro. O homem que, assim como o Pelé original, despiu o brasileiro de seu "complexo de vira-lata" (termo esse criado pelo sempre pontual Nelson Rodrigues). Para os mais antigos, como Mello e Daniel, por exemplo, Guga foi o homem que conseguiu o impossível. Para os novos, que ameaçam seriamente recolocar o esporte no alto, sua trajetória é o exemplo do caminho a ser seguido. Eles cresceram querendo ser o novo Pelé de tênis brasileiro. E hoje, não muito tempo depois, paira, agradavelmente, o questionamento. Um novo Guga? Por que não?

credito: foto: KochTavares/Brasil Open
Juan Carlos Ferrero sagrou-se campeão do Brasil Open 2010

Reflexo no Brasil Open

Com a vitória em Santiago, Bellucci chegou cercado de badalação ao Brasil Open, onde defendia o vice-campeonato. Cansado, contudo, viu um antigo conhecido, Ricardo Mello, brilhar novamente e repetir a campanha fantástica que fez em 2005, quando perdeu para Nadal na semi. Contaminado pelos bons ares que propulsionam a nova geração, o ex-top 50, embora tenha frustrado a parte da torcida brasileira (a maioria) que torcia por Bellucci, mostrou que o bom momento do esporte nacional é ainda mais abrangente. No ATP brasileiro de 2010, Mello caiu nas semifinais diante de Juan Carlos Ferrero, que viria a conquistar o título na Costa do Sauípe pela primeira vez.

Após uma década, o principal torneio no Brasil segue sendo um grande termômetro do nosso tênis. Em seu décimo ano, a quantidade de brasileiros na chave principal (sete) só não foi maior que em 2001 e 2002, dois primeiros anos da competição e quando Guga ainda estava no auge. E, desta vez, novamente tínhamos um favorito ao título, Bellucci. Mas, mesmo sem vitória brasileira, o torneio volta a ser o centro das atenções do tênis nacional, pois é onde tudo acontece, dentro e fora das quadras, seja com jovens promessas despontando e atraindo mídia, seja com definições de planejamento que vão guiar a modalidade no Brasil nos próximos anos.

Felipe De Queiroz

Publicado em 22 de Fevereiro de 2010 às 09:12


Especial

Artigo publicado nesta revista