Anônimos

Muitas vezes esquecidos e relegados a um segundo plano, treinadores de base e iniciação têm papel fundamental na formação de jogadores


João Pires/Fotojump
João Pires/Fotojump
Há uma clara inversão de valores. Treinadores é que devem ajudar jogadores a vencer e não os tenistas ajudarem seus técnicos a conseguir espaço

Muitos Professores e treinadores esperam que, um dia, seus alunos tenham algum êxito para ganharem reconhecimento. Investem tempo e trabalho em seus jogadores na árdua tarefa de ajudá-los a sobressaírem, o que acarretaria atingir certa evidência profissional. No entanto, esse comportamento é uma resposta à forma de valorização das qualidades laborais, atribuindo os louros em relação direta aos resultados obtidos. A consequência desse mecanismo "vale o quanto pesa" são muitas, nem todas positivas.
Se por um lado, esse conceito injeta competitividade ao setor, compelindo os treinadores a se dedicarem mais, por outro, ilumina apenas a camada envolvida com o cenário competitivo. Aqueles voltados à iniciação e formação básica não possuem espaço nessa dinâmica e isso ocasiona graves problemas na estrutura de formação de jogadores.

O principal problema é a crença, cada vez mais arraigada, de que estar vinculado aos estágios iniciais do aprendizado é perder postos na ordem hierárquica dos treinadores. Esse segmento passa então a não ser tão valorizado pelos próprios treinadores e uma migração para níveis mais avançados do aprendizado é frequentemente associada à promoção no trabalho. Assim, nesse contexto ficam esquecidas as fases sensíveis do aprendizado.
No período de 10 a 14 anos, os tenistas apresentam maior capacidade de aprendizado técnico e aquisição de grande parte das habilidades físicas do que em outras idades. Portanto, é crucial o trabalho realizado nesse período, quando se aponta ao alto rendimento. Não adianta querer melhorar o equilíbrio ou a coordenação aos 16 anos, pois o ganho do garoto será sensivelmente menor do que aos 10 anos. Esse fato revela a importância incontestável dos treinadores de base. Se as fases sensíveis não forem bem exploradas, lacunas são formadas e dificilmente serão preenchidas nos estágios superiores do desenvolvimento pelo simples aspecto de o corpo já não estar tão apto a aprender um determinado quesito.
Mas que recompensa terão os treinadores responsáveis pelo desenvolvimento primário na ordem dos fatos? Eles são lembrados quando o tenista já formado finalmente ganha? Infelizmente, nos deparamos com muitos "esquecimentos", falta de visibilidade, remuneração menor, entre outros componentes que tecem esse desequilíbrio de valores.

#Q#

Todos são iguais

Como todas etapas são fundamentais, desde a base até o alto rendimento, cada treinador tem igual importância e relevância no processo. Se em alguma etapa o trabalho não for bem feito, o jogador não irá alcançar seu pleno potencial.
Richard Schonborn, autor de vários livros e reconhecido como uma das maiores sumidades do mundo do tênis, trabalhou por muitos anos na Federação Alemã com jovens de 10 a 14 anos. Passaram por ele de Boris Becker a Tommy Haas, incluindo Steffi Graf. Ele poderia ser colocado em várias funções na estrutura de desenvolvimento, mas seus conhecimentos foram direcionados à etapa sensível dos jovens germânicos.
Deve-se entender e valorizar a importância da base para então estender esse olhar aos treinadores envolvidos com essas disciplinas, atribuindo-lhes seu real valor e merecimento. No entanto, as desigualdades observadas no percurso do desenvolvimento trazem outros eventos negativos além de potenciais subexplorados. A excessiva valorização do ganhar, sutilmente atrela vitórias ao nível do treinador tecendo um invisível alicerce mercadológico. Os títulos passam a ser um capital para os treinadores se firmarem e conquistarem seu espaço.

Ron C. Angle/TPL
Jogadores usam seu nível de jogo como moeda de troca na relação com os técnicos

Relação comercial?

Assim, o que outrora era meta de dedicação, sonho e entrega, distorce-se em alavancas para treinadores e academias. Há uma inversão clara das prioridades: treinadores foram feitos para ajudar jogadores a vencer e não jogadores ajudarem treinadores a conseguir espaço e melhorar sua condição econômica. O ápice desse processo é quando o treinador convida um tenista que se sobressai a começar uma parceria, prometendo pagamento de despesas e isenção de taxas. Nesse momento, o que era uma relação humanizada transforma-se em mercadoria.
Muitas vezes, essa simbiose tem êxito: providos de recursos, os tenistas podem cumprir seu calendário e atingir suas metas. Porém, há casos em que a escassez de empatia natural com o ambiente e com a estrutura limitam o desenvolvimento do jogador. Devemos lembrar que, originalmente, jogadores e treinadores se aproximam por aspectos humanos e profissionais, baseados em confiança e admiração. Promover esse encontro baseado em relações de troca sempre envolverá um risco.

#Q#

"Inversão de valores"

Além da fragilização dos segmentos de base e da transformação mercantil nos segmentos superiores, ainda há outros desdobramentos nesse processo. A mudança de consciência por parte dos jogadores que compõem o topo da pirâmide de desenvolvimento é mais uma das consequências. Esses tenistas rapidamente compreendem que seu nível de jogo é moeda de troca nesse sistema e não hesitam em usar essa vantagem para conseguir benefícios para impulsionar suas carreiras. Algo bem natural e compreensível não fosse o fato de que, agora, buscam patrocinadores, não treinadores. Mais uma vez as qualidades humanas e técnicas ficam em segundo plano e o cuidadoso trabalho de lapidação desses jogadores, que tanto necessita entrega, paixão e sacrifício, pode carecer desses elementos vitais.
Existem centros especializados em alto rendimento que possuem recursos para alavancar as caríssimas carreiras dos jogadores. Este é um caso bem diferente. Os recursos aparecem como meios para os tenistas se desenvolverem e não iscas de atração. Esses locais não necessitam jogadores para se promoverem em um primeiro momento, pois contam com prestígio e renome. Por terem tal destaque, foram confiados subsídios e verbas para impulsionar as carreiras dos jovens acolhidos nestes locais. Os tenistas que ali se encontram são exigidos e jamais o treinador se tornará refém do jogador. Não há inversão de valores, há uma proposta clara de trabalho naquele segmento, fornecendo a estrutura necessária. A qualidade do trabalho e o envolvimento de seus integrantes é que irão preservar a credibilidade do local, e não o fato de "fulano"ou "ciclano" estarem treinando ali.

A existência de locais especializados indicam o caminho para uma melhor estrutura de formação. O cerne da questão está em tratar de forma bem mais homogênea cada segmento do desenvolvimento, valorizando de forma igualitária todos os envolvidos. Dessa maneira, haverá motivação para que profissionais capacitados busquem se especializar em um dado segmento que não seja apenas aqueles voltados para a competição. O surgimento de especialistas fará com que cada etapa gere maiores dividendos para os tenistas envolvidos, aumentando sensivelmente as chances de projetarmos jogadores.
Caso isso não aconteça, continuaremos a ter pouca efetividade em nossas bases e tentativas de alpinismo profissional às custas de questionáveis relações de troca entre jogadores e treinadores. Enquanto tivermos "anônimos" em nossas estruturas, estaremos sempre flertando com o anonimato em escala mundial.

Treinadores no mundo

A ITF não tem um número oficial de treinadores de tênis no mundo, mas um levantamento feito em alguns países em 2007 pode dar uma ideia da quantidade de professores em "grandes potências do tênis" e como esses profissionais são distribuídos em diversos níveis. Países como Japão e França, por exemplo, têm níveis específicos para que um treinador possa assumir diferentes cargos e atribuições.
No Japão, os professores são separados em três níveis: A, B e C.
Os do primeiro grupo (A) são professores "recreacionais". Os do segundo nível já podem dar aulas em escolas de tênis. O terceiro grupo pode acompanhar tenistas profissionais. Na França, o sistema é parecido. Lá, ao todo, são mais de 20 mil professores cadastrados, mas apenas 4 mil são autorizados trabalhar em todas as esferas de treinamento. No Brasil, o departamento de capacitação da CBT estima que hajam cerca de 6,4 mil treinadores. Hoje, por volta de 4 mil estão cadastrados na entidade. A CBT está começando a dividir os técnicos em cinco níveis: instrutor, treinador, treinador nacional, técnico nacional e técnico máster.

País Número aproximado de treinadores*
Brasil
Canadá
Estados Unidos
Japão
Alemanha
Croácia
Índia
França
Colômbia
Austrália
Holanda
Espanha
Uruguai
Chile

4.000
1.000 (sendo 50 de alta performance)
50.000
5.000
20.000
400
5.000
20.000
2.000
3.000
7.000
9.000
200
600
*cadastrados nas federações nacionais





Elson Longo

Publicado em 13 de Julho de 2010 às 13:24


Juvenil/Capacitação

Artigo publicado nesta revista

Espanha Campeã - Nadal em Wimbledon

Revista TÊNIS 82 · Agosto/2010 · Espanha Campeã - Nadal em Wimbledon