A "sutil" arte de descontar a raiva na raquete

A pior parte de atirar a sua raquete? Isso pode fazer você se sentir muito bem


fotos: Ron C. Angle/TPL

O OUTONO É UMA ESTAÇÃO amarga para um tenista que vive no nordeste dos Estados Unidos. O calor dá um tempo e o clima finalmente se torna tolerável, mas as horas que você consegue sair e jogar são escassas. As folhas caídas são deslumbrantes quando cobrem as quadras, mas elas trazem ainda mais aventura no caminho para a rede do que o usual.

Mesmo assim, eu não vou me queixar deste ano. Esta foi uma temporada produtiva para mim. Descobri uma nova raquete. Bati alguns topspins de backhand na quadra. Encontrei-me praticamente tonto durante uma dúzia de viciosas e úmidas tardes. E eu tive a sensação de culpa, em uma ocasião, de atirar ao chão essa supramencionada nova raquete quando simplesmente já não conseguia mais segurá-la por nem mais um segundo.

Até mesmo Roger Federer já "perdeu
a cabeça" e estraçalhou a raquete

Até este verão, eu pensava que era o único jogador de meu clube que havia sucumbido a este impulso feio. Onde jogo não é um clube de campo, mas também não é um parque; em outras palavras, você não precisa usar branco, mas também não pode jogar sem camisa. A competição consiste em amistosas partidas de duplas que não produzem muitas batidas explosivas e emoção.

O que tornou isso um pouco mais surpreendente foi quando, em um agravante dia nublado de julho, meu adversário e eu fomos forçados a atrasar nossa partida quando um jogador alto, estranho e de rosto vermelho da quadra ao lado começou a esbravejar e delirar. Seus gritos ressoaram, suas maldições se espalhavam pelo ar. Finalmente, o inevitável chegou: após errar um voleio na cara da rede, ele levou sua raquete até a altura da cabeça e a arremessou ao chão. Quando eu e meu adversário nos aproximamos da rede para recolher as bolas após um ponto, fizemos um ao outro a mesma pergunta: "Quem é o babaca?"

Infelizmente, outra questão martelou em minha cabeça quando andava em direção à linha de base. "É isso que eu pareço quando atiro minha raquete?". O sentimento foi arrasador. Isso parece tão ridículo do lado de fora. Mas tive de lidar com a verdade: eu vinha atirando minha raquete - esporadicamente, não cronicamente - por anos. Hoje em dia eu faço isso duas ou três vezes por ano.

#Q#

Jogar ou chutar?

Eu costumava dizer que não comecei como um "lançador", e atualmente também não sou. Comecei como um "chutador". Tenho distintas e doloridas memórias de dar chutes em minha raquete por toda a rachada quadra de um parque público durante uma simples partida em um treino com um amigo no começo dos anos 1980. A cada sequência de games e de erros, jogava minha raquete ao chão, aonde eu conseguia puni-la chutando-a de volta à linha de base para o próximo ponto. Depois disso, uma mulher que jogava na quadra ao lado - uma mulher que, naturalmente, conhecia minha mãe -veio até mim e me falou que jamais havia visto algo como aquilo, e que eu havia estragado seu jogo de tênis semanal. Até mesmo meu adversário, um amigo, me falou, "Sabe de uma coisa... há algo chamado limite neste esporte".

Enquanto não conseguia me tornar a segunda versão de John McEnroe, os gritos, e a raiva, nunca desapareceram completamente. Sob a influência de outros, evolui para pior, tanto nos chutes como nos lançamentos de raquete. Alguns jogadores de ranking mais baixo, cabelos mais longos e menos dedicados de meu time no colégio se especializaram em atirar suas raquetes nos campos atrás das quadras (o fato de que as meninas do time de atletismo treinavam perto dali talvez explique isso).

Mas esses garotos tinham muito menos "classe" nisso do que um colega meu de faculdade. Se ele estivesse atrás em uma partida, você podia contar quantas vezes via sua raquete voando elegantemente por cima da cerca a alguma quadras dali. Havia algo elegante, mais do que raivoso, na forma com que ele a lançava e, sem vergonha ou embaraçamento, abria o portão para ir resgatá-la. Um bom e catártico arremesso parecia parte essencial de seu jogo.

Roddick costuma descontar sua raiva em seu precioso equipamento.
Mas seria este um comportamento adequado?

Quase sempre, eu fiz disso parte do meu jogo. Após perder uma partida de duplas em um torneio da NCAA (liga universitária norte-americana), atirei minha raquete Pro Staff na quadra de cimento, depois a peguei de volta e arremessei a parte trincada por cima do alambrado - e olhei em pânico ela quase acertar o párabrisa de um carro que se aproximava.

Até os profissionais
Você pode dizer que esse comportamento é ruim em um esporte de cavalheiros. Você também pode dizer que isso é perigoso. Você estaria certo nos dois pontos, e eu jamais poderia argumentar que o que este esporte precisa é mais alguns pedaços de grafites voadores. Mas, se atirar a raquete parece ofensivo e não é parte essencial do jogo, isso parece ser algo inevitável. Mesmo Ken Rosewall não estava isento de atirar a sua nas quadras de grama de sua época.

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Eu também acrescentaria que nem todos os arremessadores foram criados de forma igual. Marat Safin foi o mais famoso de todos e, ao mesmo tempo em que era excitante vê-lo pegar a desamparada raquete pela garganta e usar todo o seu corpo para estraçalhá-la, havia também algo de desesperador e depressivo em sua abordagem. Eu gostei da inesperada e sem sentido atitude de Roger Federer ao quebrar sua raquete em Miami no ano passado, e normalmente simpatizo com os súbitos destemperos de Andy Roddick. Mas eu também gosto de saber que a pior coisa que Rafael Nadal pode fazer após um erro fácil é erguer suas sobrancelhas e dar à sua raquete um rápido giro no ar. Ele não joga tênis com raiva suficiente para deixá-la cair.

Vale a pena?
De minha parte, decidi que, pelo bem da socialização entre adultos, arremessar minha raquete durante uma partida por absolutamente nada é um pouco demais. Isso apenas faz as pessoas ao seu redor se sentirem mal, e quebra o código que mantém a competição social, tornando-a desnecessariamente sanguinária. Mesmo assim, há vezes, a cada dois meses ou perto disso, após uma dupla falta, ou uma bola de "sorte" de meu adversário, ou um golpe que nem mesmo atinge a rede, que a raquete acaba indo.

Dizem que, se você joga tênis suficiente, sua raquete se torna uma extensão de você mesmo. Note o quão inexplicavelmente bom é pegar sua raquete e andar com ela em sua casa, mesmo que apenas para bater alguns golpes observando a própria sombra. Infelizmente, o contrário também é verdadeiro: a raquete é a parte mais fácil de seu corpo para se sacrificar. Você não estáa culpando por uma dupla falta. Você está culpando a si mesmo, mas está tentando, literalmente, libertar a sua frustração.

A raquete pousou silenciosa no saibro. Mas como descobri mais tarde, isso não passou despercebido. Uma adolescente que estava jogando por perto flagrou o meu ato. "Ooh", ela comentou, surpresa, com a adversária, "ele deve ser temperamental". Eu claramente havia dado um mau exemplo. Mas após colocar minha cabeça na toalha por alguns segundos, recuperei a quebra e servi para a partida novamente.

Mau exemplo ou alívio da tensão?
Uma tarde dessas em agosto, eu saquei para fechar a partida contra um amigo. No 40/30, ele veio à rede, me forçou a bater a bola em cima dele e matou o ponto para levar o game para a igualdade. Eu estava silenciosamente furioso por ter sido enganado desta maneira e, quando perdi o próximo ponto, dei um berro. Eu sabia o que estava vindo, mas não tinha forças para parar aquilo: dupla falta e game perdido. O ponto em que fui enganado, a dupla falta, a vantagem perdida, isso tudo foi muita coisa. Nem mesmo meu segundo saque havia ultrapassado a linha do "T" do outro lado da quadra e minha raquete já estava girando, perto da rede, em direção à minha cadeira nas viradas. Eu não a arremessei muito forte, e não havia ninguém tão perto vendo o jogo. Foi um simples e, acredito, discreto lançamento, como lançar uma pedra sobre a água.

Atirar a raquete longe é um "prazer culposo"

Será que o atirar a raquete me ajudou? Não sei. Não planejo usar isso como estratégia. O que sei é que, por um segundo, gostei de ver minha raquete voando. Como eu disse, é um prazer culposo, mas em que outra parte da vida você tem a chance de mandar sua raiva embora e vê-la girar em círculos o mais longe possível de você? O único problema é que você tem que ir buscá-la depois.

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Stephen Tignor

Publicado em 17 de Novembro de 2010 às 16:01


Comportamento

Artigo publicado nesta revista